http://periodicos.utfpr.edu.br/actio

 

 

Pesquisas de professoras elaboradas no contexto do mestrado profissional em educação da UFSCar

RESUMO

Maria do Carmo de Sousa

mdcsousa@ufscar.br

orcid.org/0000-0002-5523-757X

Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, São Paulo, Brasil

 

 

Este artigo tem como objetivo investigar os trabalhos de três professoras da Educação Básica. As pesquisas são relacionadas às suas práticas em sala de aula e foram realizadas em ocasião do Mestrado Profissional em Educação, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Neste contexto, o curso se configura como um tipo especial de formação continuada onde os professores da Educação Básica, através de pesquisas realizam intervenções em sala de aula e, por esse motivo têm a oportunidade de teorizarem sobre a prática e praticarem a teoria que fundamenta o seu trabalho em sala de aula enquanto elaboram suas dissertações. O Mestrado Profissional em Educação se apresenta como uma nova perspectiva para a formação continuada de professores, uma vez que, o objeto e, consequentemente, as perguntas de pesquisa, advêm de problemáticas de sala de aula, as quais estão diretamente relacionadas às práticas profissionais dos professores, logo são situadas. No caso específico das três dissertações, que tratam do ensino de Matemática, ao analisá-las constatamos que são qualitativas, sistemáticas e intencionais. Indicam-nos que as professoras, ao elaborarem e desenvolverem suas pesquisas, tiveram como ponto de partida desafios relacionados à organização do ensino de Matemática em suas salas de aula. Um deles está relacionado a como romper com um ensino de Matemática que prioriza o paradigma do exercício. Tal desafio pôde ser superado na medida em que através das atividades que compõem o curso de Mestrado, as professoras tiveram a oportunidade de realizar intervenções, investigar, estudar, elaborar e desenvolver em suas salas de aula situações desencadeadoras de aprendizagem de Matemática na perspectiva da Atividade Orientadora de Ensino. Essa forma de organizar o ensino permitiu que as professoras elaborassem propostas de ensino diferenciadas e pudessem se apropriar de uma outra perspectiva teórica e metodológica que se fundamenta na teoria histórico-cultural.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria histórico-cultural. Atividade orientadora de ensino. Situações desencadeadoras de aprendizagem. Formação de professores. Linguagem matemática.

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

No início do século XXI Cochran-Smith e Lytle (2002) preocuparam-se em caracterizar as pesquisas dos professores que atuavam nas salas de aula da Educação Básica, dos Estados Unidos, de forma a diferenciá-las daquelas que são feitas pelos pesquisadores das universidades que atuavam no Ensino Superior.

Segundo as autoras, tais pesquisas podem “nos auxiliar a construir uma teoria diferente do conhecimento para o ensino e ser entendidas como uma forma diferencial e importante de conhecimento sobre o ensino” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2002, p. 79).

Nesse sentido, as pesquisas dos professores da Educação Básica podem se configurar uma forma de construir conhecimento tanto local quanto público para “os professores individuais, as comunidades de professores, os pesquisadores universitários, os formadores de professores, os políticos e os administradores da Educação” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2002, p.102).

Dessa forma, não há como negar que, ao estarem desenvolvendo suas pesquisas, os professores da Educação Básica devem ser considerados profissionais críticos-reflexivos que tomam decisões sobre o currículo, uma vez que são profissionais da prática docente (PERRENOUD, 1993), investigadores de sua prática (RIBEIRO, 1993) e agentes da transformação educacional.

Quando o foco são as transformações educacionais, defendemos que estas podem ser promovidas a partir de ações e investigações que formulam das suas próprias práticas de ensino e do trabalho que desenvolvem em equipe na escola.

Nesse contexto, há a consolidação do trabalho e da inovação pedagógica, incluindo-se aí a formação de redes de investigação participantes, onde se almeja a melhoria do ensino a partir do desenvolvimento de pesquisas com os professores sobre e na escola. Há ainda a articulação entre saberes teóricos e saberes da experiência, os quais estão em um movimento constante de mútua recriação da teoria na prática e da prática na teoria.

No entanto, nessa perspectiva de pesquisa há muitos desafios a serem enfrentados, considerando-se que os professores que atuam na Educação Básica, especialmente, aqueles que estão desenvolvendo suas pesquisas, no âmbito dos Mestrados Profissionais em Educação (MPE), aqui no Brasil, não abandonam suas salas de aula enquanto realizam intervenções, ao mesmo tempo que procuram se apropriar dos elementos teóricos e metodológicos que fundamentam suas investigações, as quais se materializam em produtos educacionais que compõem as dissertações. Isso significa que as pesquisas estão diretamente relacionadas às práticas de sala de aula e que as teorizações que as compõem decorrem das questões e intervenções que são realizadas ao longo de 24 meses.

Apresentaremos1 alguns desses desafios relacionados às práticas de sala de aula e as perspectivas teóricas e metodológicas contidas em três dissertações, elaboradas por professoras que lecionavam Matemática, enquanto desenvolviam pesquisas, no contexto do Mestrado Profissional em Educação, da UFSCar. Dessa forma, inicialmente trataremos de algumas ideias que permeiam os MPE no Brasil. Em seguida, contextualizaremos o Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação (PPGPE) e o curso em nível de Mestrado, da UFSCar. Indicaremos as dez dissertações que foram defendidas, no período de 2013 a 2017, a partir da linguagem Matemática, com destaque para três delas. Daremos ênfase a elas porque se fundamentam na teoria histórico-cultural e, por este motivo, as professoras tiveram como principal desafio elaborar, realizar intervenções, em suas salas de aula, através de situações desencadeadoras de aprendizagem (SDA). Todo o processo foi descrito minuciosamente nas três dissertações, de forma que as professoras pudessem analisar teoricamente o processo de ensino e aprendizagem ocorrido nas aulas de Matemática durante 24 meses. Por último, exemplificaremos a partir de uma das três pesquisas, elaborada por uma professora da Educação Básica, no contexto da Educação Infantil, os desafios que se apresentaram a ela no momento em que assumiu a organização do ensino de Matemática em sua sala de aula na perspectiva da AOE. Tal perspectiva rompe com um ensino que prioriza o paradigma do exercício, conforme indicam os estudos de Skovsmose (2000).

O MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO NO BRASIL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

 

A criação dos MPE no Brasil é recente. Segundo dados do Fórum Nacional dos Mestrados Profissionais em Educação (FOMPE):

 

O primeiro Programa de Mestrado Profissional em Educação data de 2009 – Mestrado Profissional em Gestão e Avaliação da Educação Pública, na Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF; e o segundo foi o Programa Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação, na Universidade do Estado da Bahia – UNEB, em 2010. Tomamos o ano de 2009 como referência à composição da história dos MPE no Brasil que teve sua Portaria Normativa 07 de 22 de junho de 2009 (BRASIL, 2009a), revogada em 28 de novembro de 2009, pela Portaria Normativa 17 (BRASIL, 2009b) (FOMPE, 2018, s/p).

 

Isso significa que é a partir de 2009 que os profissionais da área da Educação, dentre eles os professores da Educação Básica, se depararam com discussões que envolviam um novo modelo de formação continuada e que poderia se diferenciar dos mestrados acadêmicos e dos cursos de especialização. Pode-se afirmar que estavam diante do primeiro desafio: compreender e enfrentar as críticas de vários setores da sociedade, dentre eles, as que vinham diretamente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED):

 

No período de 2009 a 2013 houve inúmeras críticas sobre os MPE e os Documentos publicados pela CAPES e pela ANPED expressam essas tensões, pois oferecer um MPE é redimensionar a flexibilização do Modelo de Pós-Graduação stricto sensu no Brasil, neste caso na área de Educação. Porém, flexibilizar não significa abrir mão do rigor científico e acadêmico, mas pensar em cursos de Pós-graduação a partir de novas perspectivas que agreguem as dimensões epistêmicas e preposições interventivas nos espaços educativos formais ou não formais (FOMPE, 2018, s/p.).

 

As reflexões sobre o rigor científico e acadêmico nos MPE continuam, mas o que pode ter ocorrido nesse período com as propostas relacionadas aos MPE? Quais são os novos desafios e as perspectivas atuais? O que mudou?

Para responder a essas questões consultamos o site e o relatório da avaliação quadrienal de 2017, ambos elaborados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Ao lermos os documentos disponíveis constatamos que de 2009 a 2018 e, portanto, há quase uma década, o número de programas e cursos relacionados ao MPE aumentou, conforme mostra o quadro 01:

 

Quadro 01: cursos reconhecidos e avaliados pela Capes em 2017

Total de Programas de Pós-graduação

Total de Cursos de Pós-graduação

TOTAL

ME

DO

MP

ME/DO

TOTAL

ME

DO

MP

176

54

0

46

76

252

130

76

46

Fonte: Capes (2018).

 

Ou seja, o número de programas de pós-graduação profissional em Educação coincide com número de cursos de MPE: 46. Dos 252 cursos de pós-graduação que temos hoje no Brasil, 46 deles pertence à categoria profissional, o que equivale a 18% do total dos cursos, em nível de Mestrado e Doutorado.

Há de se considerar ainda que, os dados do relatório da avaliação quadrienal, de 2017 da Capes (p. 87-92) mostram que, dos 46 cursos de Mestrado Profissional, 42 foram avaliados, os quais estão distribuídos em 41 instituições de ensino superior (IES) espalhadas por todo o país, conforme indica o quadro 02 que segue abaixo:

 

Quadro 02: distribuição de programas profissionais por região, após a análise do CTC

Estrato

Norte

Nordeste

Sudeste

Sul

Centro-Oeste

3

0

5

9

3

1

4

1

7

10

5

1

Total

1

12

19

8

2

Fonte: Capes (2018).

 

O quadro acima mostra que boa parte desses cursos, ou seja, 19 deles estão localizados na região sudeste. O que equivale a 41% do total.

Não é à toa que quando analisamos as perspectivas dos MPE, a partir dos dados que foram apresentados até aqui, não há como discordar de Fialho e Hetkowski (2017) ao afirmarem que:

 

Os MPE são, eles mesmos, uma nova perspectiva, não apenas no que eles podem promover, mas no próprio processo que implicou concebê-los, dar-lhes forma, desenhar arranjos institucionais. Trata-se de um processo de dinâmica social, que implica instituir algo que não está dado, por vezes em meio a confrontos com o já existente, num contexto de debates, tensões, retrocessos, polêmicas, revisões, aprofundamentos e avanços. Dessa forma, compreendemos que, no cenário brasileiro, no âmbito dos MPE, alguns conjuntos de temáticas se fizeram presentes, ora anunciando novas perspectivas (a exemplo dos encaminhamentos relativos à atualização da Ficha de Avaliação e da reafirmação do compromisso com a educação básica), ora reiterando princípios e conquistas (como ilustra a defesa do rigor da avaliação, da composição do quadro docente formado por doutores e da pesquisa como fundamento de todo o processo formativo) (FIALHO; HETKOWSKI, 2017, p. 26).

 

Nesse sentido, essa nova perspectiva que se apresenta a partir dos MPE aponta para a necessidade de se repensar questões que considerem temáticas relevantes relacionadas à formação, identidade e prática docente já que, nesse contexto, a pesquisa é considerada “como fundamento de todo processo formativo” (FIALHO; HETKOWSKI, 2017, p. 26) dos professores da Educação Básica.

Aqui a formação docente pode ser entendida como processo permanente e envolve a valorização identitária e profissional dos professores. Por sua vez, a identidade dos professores é simultaneamente epistemológica e profissional, realizando-se no campo teórico do conhecimento e no âmbito da prática social. Isso implica que a transformação da prática dos professores decorre da ampliação de sua consciência crítica sobre essa mesma prática. Há aqui certa complexidade da tarefa de aprimoramento da qualidade do trabalho escolar, uma vez que, os professores contribuem com seus saberes, seus valores e suas experiências no fazer e pensar o ensino, através da elaboração de pesquisas.

A partir dessa nova ordem, faz-se necessário chamar atenção para o enfrentamento dos desafios das situações de ensino, onde o profissional da Educação precisa da competência do conhecimento, disciplinar e interdisciplinar, de sensibilidade ética e de consciência política (BRASIL, 2001) e por este motivo defendemos que os programas e, consequentemente, os professores da Educação Básica sejam financiados quando estão desenvolvendo pesquisas nos contextos dos MPE. Sobreviver sem financiamentos, eis um desafio e tanto para todos os envolvidos.

Tamanho desafio não impediu que, em 2012, um grupo de docentes da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) enviasse para a Capes uma proposta para a criação de um Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação (PPGPE) e um curso em nível de Mestrado, conforme segue abaixo.

 

O MPE DA UFSCAR: PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR

 

A proposta para a criação do Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação (PPGPE), da UFSCar, foi apresentada para a Capes em 2011 por um grupo de docentes que atua na formação de professores das várias áreas de conhecimento e que estão alocados no Departamento de Metodologia de Ensino (DME).

Ao elaborar a proposta, o grupo considerou suas experiências tanto na formação inicial, quanto na formação continuada, especialmente aquelas relacionadas aos estágios curriculares, ao Programa de Bolsa de iniciação à Docência (PIBID), ao Programa Observatório da Educação (OBEDUC) e aos cursos de Mestrado e Doutorado, em nível Acadêmico ao qual estava vinculado até aquele momento.

O grupo entendia que, assim como no PIBID-UFSCar, a proposta para o PPGPE e, consequentemente, para o MPE deveria se fundamentar em uma perspectiva interdisciplinar, uma vez que o corpo docente seria formado por pesquisadores que, em sua maioria, tivera como primeira formação o curso de licenciatura nas seguintes áreas de conhecimento: Biologia, Filosofia, Física, Educação Física, Letras, Matemática, Música, Pedagogia e Química.

Definiu-se como objetivo geral do PPGPE desenvolver a formação acadêmica situada na prática profissional de docentes que atuam nas diversas áreas de conhecimento, capacitando-os para atuarem de forma significativa na sociedade. Dessa forma, pretende-se que o desenvolvimento das pesquisas seja de cunho interdisciplinar e em parceria entre a Universidade e a Escola, de forma que haja o reconhecimento social de que o professor é produtor de conhecimentos relacionados às práticas educativas que ocorrem em espaços formais e não formais. E, como linha de pesquisa optou-se por apenas uma, a qual foi denominada de Processos educativos – Linguagens, Currículo e Tecnologias.

Isso significa que o PPGPE e, consequentemente, o MPE é conduzido pelas diversas linguagens, bem como, pela produção de conhecimentos teóricos sobre situações didáticas nas áreas de atuação dos professores da Educação Básica e estudos referentes aos processos educativos, currículo, tecnologias e formação de professores.

O grupo propôs ainda que, na medida do possível, os docentes atuem conjuntamente nas disciplinas, tendo como eixo articulador das diversas disciplinas que compõem a grade curricular as linguagens. Estabeleceu-se que os princípios metodológicos para as disciplinas que serão oferecidas consistem na apresentação de situações-problema, aos alunos, na busca por compreender as injunções de ordem histórica, política e social que as determinam e a busca por abstrair princípios – epistemológicos, metodológicos, didáticos – que embasem suas ações e, simultaneamente, fortaleçam suas teorizações.

A proposta foi aprovada pela Capes e o curso de MPE teve início no segundo semestre do ano seguinte, em 2013. A primeira dissertação foi defendida em 09/12/2014. O programa foi avaliado pela primeira vez em 2017, em seu primeiro quadriênio. Começou com nota 03 e após a primeira avaliação obteve nota 04. Segue abaixo, o quadro 03 contendo a estrutura curricular do curso de MPE.

 

Quadro: 03 estrutura curricular do Mestrado Profissional em Educação da UFSCar

Créditos

Disciplinas

Carga horária

Créditos

Caráter

12

Metodologias de pesquisa em Educação

90

06

Obrigatória

Fundamentos teórico-metodológicos da Educação

90

06

Obrigatória

24

História do ensino e da pesquisa educacional na área de Ciências

90

06

Optativa

Tópicos de investigação 1

90

06

Optativa

Tópicos de investigação 2

90

06

Optativa

Concepções e práticas reflexivas em Educação

90

06

Optativa

Concepções e abordagens de recursos didáticos

90

06

Optativa

Cultura e tecnologia

90

06

Optativa

Processos de escrita e autoria

90

06

Optativa

A Atividade Humana frente às Tecnologias e o Consumo: implicações nos processos de Ensino e de Aprendizagem

90

06

Optativa

Políticas de avaliação, currículo e práticas docentes

90

06

Optativa

A educação das relações étnico-raciais na escola: foco nas Ciências

90

06

Optativa

Fonte: PPGPE (2018).

 

Vale a pena ressaltar que o total de créditos para a titulação é 100, sendo 36 em disciplinas (02 obrigatórias e 04 optativas) e 64 para a elaboração do trabalho final que tem como formato a.

O público alvo são os professores que já atuam na Educação Básica, em qualquer área de conhecimento. Para além de cursar as disciplinas (obrigatórias e não obrigatórias), os pós-graduandos devem participar de grupos de estudos e de pesquisa, bem como de reuniões propostas pelo orientador (reuniões de orientação), eventos acadêmicos, escrita de artigos e relatos de experiência etc e, elaborar e desenvolver em sala de aula produtos educacionais. A carga horária dessas atividades é computada em duas disciplinas: Tópicos em investigação 1 e Tópicos em investigação 2.

Nesse contexto, o conjunto de disciplinas indicadas no quadro 03, juntamente com as atividades investigativas que ocorrem no interior dos grupos de estudos e de pesquisa podem ser denominadas de atividades de pesquisa.

Vale a pena considerar que os programas profissionais em Educação, assim como o PPGPE não contam com financiamento da Capes ou outro órgão de fomento. O PPGPE sobrevive dos pagamentos das custas do processo seletivo que ocorre anualmente. Durante todos esses anos, de 2013 a 2018, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo financiou algumas bolsas de estudo para os professores que lecionam na Educação Básica.

Segue abaixo o quadro 04 que indica as 33 dissertações que foram defendidas no âmbito do PPGPE, no período de 2014 a 2017.

 

Quadro 04: informações sobre as dissertações defendidas no período de 2014 a 2017

2014

01  dissertação

2015

11  dissertações

2016

11  dissertações

2017

10  dissertações

Linguagens em:

- Química

Linguagens em:

- Ciências

- Física

- Educação Física

- Línguas

- Matemática

- Química

- Gestão

- Currículo

- Tecnologias

Linguagens em:

- Artes

- Astronomia

- Ciências

- Educação Física

- Filosofia

- Línguas

- Matemática

- Química

- Gestão

- Currículo

- Tecnologias

Linguagens em:

- Astronomia

- Ciências

- Educação Física

- Língua

- Matemática

- Química

- Gestão

- Currículo

- Tecnologias

Fonte: PPGPE (2018)

 

O quadro 05 indica as dez dissertações que foram defendidas no período de 2015 a 2017 sobre a linguagem Matemática, currículo e gestão.

 

Quadro 05: dissertações defendidas que envolvem a linguagem Matemática

Autores

Título das dissertações

Arxer (2015)

O ensino de matemática na perspectiva CTS: ações e reflexões de uma professora

Bertochi (2017)

O trabalho cotidiano da gestão escolar: percepções dos diretores da educação infantil da rede municipal de Araraquara

Cavalcante (2015)

Problematizações a partir de situações emergentes do cotidiano: compreensões e possibilidades envolvendo relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaço temporais em turmas de crianças de quatro anos

Guillen (2016)

A apropriação do conceito numérico no 1º ano do ensino fundamental: um estudo na perspectiva da teoria histórico-cultural

Martins (2015)

Usos de portfólios em diferentes práticas: um olhar de uma educadora

Pereira (2016)

O uso de jogos e a mediação do professor na abordagem histórico-cultural: primeiras aproximações

Rocha (2015)

Formação continuada de professores de matemática na EFAP: os significados de um grupo de professores

Silva (2015)

Desenvolvimento curricular de matemática nos anos iniciais na perspectiva do professor e do coordenador: um estudo do projeto EMAI de São Paulo

Silva (2016)

Um estudo sobre o uso do GeoGebra na aprendizagem de geometria analítica no ensino médio

Vieira (2015)

A disciplina eletiva dos barracos às mansões: relações com os saberes

Fonte: PPGPE (2018).

 

AS PESQUISAS DE PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO BÁSICA: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES COM A PERSPECTIVA TEÓRICA DA ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO

 

Considerando-se o quadro 05 apresentado anteriormente, podemos afirmar que das dez dissertações defendidas no período de 2014 a 2017 relacionadas à linguagem Matemática e à temáticas relacionadas à gestão escolar, currículo e uso de tecnologias, quatro delas, defendidas por Cavalcante (2015), Rocha (2015), Guillen (2016) e Pereira (2016) se fundamentam na teoria histórico-cultural. O que isso significa?

Para responder essa questão, analisamos, a partir de uma linha interpretativa cuja característica é a particularização, ao invés da generalização de resultados, três das quatro dissertações, as de Cavalcante (2015), Guillen (2016) e Pereira (2016) que procuraram romper com o ensino de Matemática que prioriza a memorização e as tão conhecidas listas de exercícios. Ou seja, as intervenções realizadas em sala de aula procuram romper com o que Skovsmose (2000) denomina de paradigma do exercício, uma vez que:

 

A premissa central do paradigma do exercício é que existe uma, e somente uma, resposta correcta. O paradigma do exercício pode ser contraposto a uma abordagem de investigação, que pode tomar muitas formas, como o trabalho de projecto na escola primária e secundária (Nielson, Patronis & Skovsmose 1999; Skovsmose, 1994) bem como no nível universitário (Vithal, Christiansen & Skovsmose, 1995). Em geral, o trabalho de projecto está localizado num ambiente de aprendizagem que difere do paradigma do exercício. É um ambiente que oferece recursos para fazer investigações (SKOVSMOSE, 2001, P. 01-02).

 

No caso das três pesquisas analisadas, o paradigma do exercício é contraposto, a partir das SDA elaboradas pelas professoras-pesquisadoras, na perspectiva da AOE, a qual está fundamentada nos pressupostos da teoria histórico-cultural.

Ao analisarmos as dissertações tínhamos como objetivo compreender os desafios que se apresentaram às três professoras-pesquisadoras no momento em que estavam imersas em suas pesquisas, enquanto realizavam intervenções em suas salas de aula, considerando-se que, não eram bolsistas e as problemáticas das pesquisas estavam diretamente relacionadas às suas práticas profissionais.

Nesse sentido, a busca pela resposta à questão não é de universais abstratos, aos quais se chega, segundo Moreira (1990), a generalizações estatísticas, mas sim de universais concretos, que se atinge através do estudo detalhado de um caso específico, localizado culturalmente.

No caso específico das três dissertações analisadas, os universais concretos estão atrelados às intervenções e teorizações sobre o processo de ensino e aprendizagem que fizeram, uma vez que, nesse contexto tiveram a oportunidade de realizar as primeiras aproximações com os pressupostos teóricos e metodológicos da AOE, preconizados por Moura (2010) de forma que:

 

A Atividade Orientadora de Ensino, inserida em uma proposta de formação, constitui-se em um instrumento teórico-metodológico que contribui no processo formativo docente e do pesquisador, pois a organização e desenvolvimento da investigação possibilita ao pesquisador organizar sua atividade de pesquisa e às professoras e estudantes aprofundarem seus conhecimentos, seja em relação ao ensino, seja em relação à prática de pesquisa. No movimento de ensinar e aprender o pesquisador constitui-se como mediador do processo formativo e, ao contribuir com a formação do outro, também se desenvolve (re)elaborando seus conhecimentos (ARAÚJO, 2013, p. 84-85).

 

Nesse sentido, as três professoras-pesquisadoras ao desenvolverem suas  dissertações fizeram uso do conceito de AOE “para a organização da atividade pedagógica”. Ou seja, a AOE foi explorada “como fundamento para o ensino”, conforme apontam os estudos de Moura et al (2016, p. 114), considerando-se que:

O conceito de AOE, como fundamento para o ensino, é dinâmico. Não é um objeto, mas sim um processo e, como tal, é voltado à apropriação dos conhecimentos teóricos que explicam a realidade em movimento conforme seus personagens e relações, constituindo-se de forma dialética na relação entre o ideal e o real e como processo de ação e reflexão. A atividade é orientadora, no sentido de que é construída na inter-relação professor e estudante e está relacionada à reflexão do professor que, durante todo o processo, sente necessidade de reorganizar suas ações por meio da contínua avaliação que realiza sobre a coincidência ou não entre os resultados atingidos por suas ações e os objetivos propostos (MOURA ET AL, 2016, p. 115-116).

 

Assim, no processo de tecer as dissertações, as três professoras –pesquisadoras, Cavalcante (2015), Guillen (2016) e Pereira (2016) desenvolveram em sala de aula SDA que envolvem a linguagem Matemática, considerando-se que:

 

A situação desencadeadora de aprendizagem deve contemplar a gênese do conceito, ou seja, a sua essência; ela deve explicitar a necessidade que levou a humanidade à construção do referido conceito, como foram aparecendo os problemas e as necessidade humanas em determinada atividade como os homens foram elaborando as soluções ou sínteses no seu movimento lógico-histórico (MOURA et al, 2016, p. 118-119).

 

Nesse sentido, as dissertações consideram a gênese dos conceitos das linguagens relacionadas à aritmética, geometria e medida. As SDA são apresentadas aos estudantes a partir de jogos, situações emergentes do cotidiano e história virtual do conceito, pois segundo Moura et al (2016):

 

As situações desencadeadoras de aprendizagem podem ser materializadas por meio de diferentes recursos metodológicos. Entre esses recursos, Moura e Lanner de Moura91998, p. 12-14) destacaram em seus estudos o jogo, as situações emergentes do cotidiano e o que chamam de história virtual do conceito (MOURA ET AL, 2016, p. 120).

 

No caso da pesquisa de Cavalcante (2015) as doze SDA, denominadas de problematizações que consideram as relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaço temporais foram feitas no contexto da Educação Infantil, a partir de situações emergentes do cotidiano de crianças com 04 anos de idade. As perguntas das crianças no contexto de sala de aula foram materializadas nos títulos das problematizações.

Já, a investigação de Pereira (2016) apresenta-nos os jogos como recurso metodológico para problematizar as operações de adição e subtração com as crianças. E, a pesquisa de Guillen (2016) fez uso metodológico da história virtual do conceito como problema desencadeador para desenvolver SDA sobre o conceito de número com as crianças.

Apesar dos desafios enfrentados, dentre eles, a carga horária excessiva de trabalho, as três dissertações revelam a intencionalidade das professoras-pesquisadoras em organizar o ensino de suas salas de aula, a partir de uma outra perspectiva que se diferencia, daquelas que são indicadas nos livros didáticos. Ao mesmo tempo, ao desenvolverem as dissertações se preocuparam em explicitar o passo a passo do processo metodológico que utilizaram tanto para elaborar as SDA que podem ser denominados de produtos educacionais, quanto para analisar as ocorrências decorrentes das intervenções realizadas em sala de aula. As análises do material empírico construído durante o desenvolvimento das pesquisas seguiram uma linha interpretativa e foram feitas à luz da teoria histórico-cultural.

É por esse motivo que concordamos com Cochran-Smith e Lytle (2002) que as pesquisas dos professores que atuam na Educação Básica, neste caso, aquelas que estão sendo desenvolvidas no âmbito do MPE da UFSCar são sistemáticas e intencionais porque consideram a dinâmica fluente das aulas de Matemática e as particularidades e singularidades de cada uma das salas de aula.

São intencionais porque, nesse caso específico, as três professoras-pesquisadoras, estudaram, planejaram ações e elaboraram, na medida do possível, de forma coletiva, produtos educacionais que pudessem intervir positivamente, nos processos que envolvem o ensino e a aprendizagem das linguagens matemáticas de suas turmas. Através da AOE organizaram suas salas de aula para que as crianças pudessem estar, continuamente, em atividade de estudo.

As pesquisas são sistemáticas porque sistematizaram, de forma acadêmica, nesse caso, no formato de dissertação, as intervenções que ocorreram nas aulas de Matemática e indicam as reflexões teóricas que foram feitas, a partir do momento em que as SDA e os diálogos ocorridos em sala de aula foram analisados teoricamente.

Nessa perspectiva de pesquisa, os produtos educacionais dos professores que lecionam Matemática na Educação Básica e que integram as dissertações do MPE podem ser configurados em diversos formatos, tais como: SDA, projetos de ensino inter e multidisciplinares, materiais didáticos ou ainda jornais e textos diversificados que se explicitam na forma de narrativas, portifólios, diários reflexivos, páginas na web etc.

Apesar disso, um outro desafio enfrentado por esses profissionais da Educação está relacionado ao reconhecimento social desses produtos educacionais, uma vez que quando são produzidos pelos professores da Educação Básica, em suas escolas, de modo geral, não são reconhecidos pela maioria das comunidades acadêmicas, muito menos por boa parte das escolas de Educação Básica, como saberes específicos produzidos por aqueles que estão na lida do dia-a-dia, nas salas de aula.

Vale a pena ainda chamar atenção para as problemáticas das pesquisas dos professores que lecionam Matemática na Educação Básica, no contexto do MPE, da UFSCar. Tais problemáticas estão relacionadas às dificuldades dos estudantes, às relações que podem ser feitas entre os conteúdos matemáticos que os professores ministram e as metodologias de ensino que utilizam em suas práticas.

Constatamos ainda que, alguns desafios dos professores estão atrelados ao desevolvimento dos conteúdos matemáticos, de forma que os estudantes possam fazer investigações e ficarem curiosos com a Matemática. Ou seja, estão relacionadas a como promover ações que façam com que as crianças e jovens entrem em atividade de estudo.

Com o intuito de exemplificar como as professoras elaboraram suas pesquisas, no próximo item, apresentaremos as ideias centrais da dissertação de Cavalcante (2015) que se fundamentou nos pressupostos teóricos e metodológicos da AOE.

 

A ELABORAÇÃO DA PESQUISA POR UMA PROFESSORA QUE ATUA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: PERSPECTIVAS E DESAFIOS

 

A pesquisa de Cavalcante, de cunho qualitativo defendida no PPGPE, da UFSCar, em 2015, evidencia tanto os desafios que a professora-pesquisadora enfrentou ao desenvolvê-la, quanto as novas perspectivas para o ensino de Matemática na Educação Infantil e para o desenvolvimento profissional dos professores quando estão inseridos no contexto do MPE, considerando-se que sua primeira formação é em Pedagogia e enquanto desenvolvia a pesquisa ministrava aulas na Educação Infantil, em duas escolas diferentes, uma municipal e uma particular. Sua pesquisa foi desenvolvida na escola municipal de uma cidade do interior do estado de São Paulo.

Tem por objetivo analisar as falas das crianças de quatro anos decorrentes de problematizações que foram planejadas pela professora a partir de situações emergentes que estiveram presentes no cotidiano da educação infantil. Aqui, priorizaram-se as falas que indicaram as noções matemáticas. As questões que nortearam essa investigação estão assim enunciadas: que noções matemáticas podem ser indicadas por crianças de quatro anos em situações emergentes que fazem parte do cotidiano da educação infantil? Como as situações emergentes do cotidiano da educação infantil podem potencializar o trabalho de professores no sentido de planejar problematizações para crianças de quatro anos? A metodologia fundamenta-se em uma perspectiva qualitativa, mais especificamente em uma pesquisa que tem a própria professora como pesquisadora. A análise dos dados se baseia em uma visão interpretativa das manifestações das crianças expressas em um contexto de brincadeiras. Na análise são contemplados os diálogos das crianças no decorrer das atividades, transcritos de registros videográficos. A pesquisa aponta que as falas, sensações e questionamentos das crianças no dia a dia nos espaços do centro municipal de educação infantil são reveladores no que diz respeito à presença de noções matemáticas e que estas, ao serem levadas em consideração pelo professor para elaborar problematizações que tenham a configuração de uma brincadeira, podem proporcionar a apresentação e a construção da linguagem matemática. São as sensações, as falas e os questionamentos trazidos pelas crianças que relacionamos às situações emergentes do cotidiano, já que estas são compreendidas como situação desencadeadora de aprendizagem. Esta perspectiva considera a brincadeira como a atividade principal da criança e a reconhece como um sujeito ativo e histórico que desde seu nascimento está imerso em um mundo repleto de noções matemáticas. A problematização que tem como ponto de partida as situações emergentes do cotidiano tem mostrado ser uma metodologia que proporciona às crianças resolver situações-problema e um terreno fértil para desenvolver noções matemáticas na Educação Infantil, respeitando as necessidades e motivos para sua aprendizagem. As falas das crianças estão permeadas de problematizações sobre relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaço temporais. Assim, ao problematizar as situações emergentes do cotidiano, a professora considera as aprendizagens que estão latentes, dando movimento ao currículo (CAVALCANTE, 2015, p. 08).

 

Ao relacionar SDA com os conceitos de AE e AOE indica-nos que:

 

É possível afirmar que a atividade do professor, ao levar em consideração os questionamentos e ações das crianças no cotidiano para a problematização de situações emergentes, estará assim voltada para a necessidade e os motivos do aluno, o qual deve trabalhar em conjunto, de maneira a permitir a interação entre os sujeitos e o conhecimento, negociando significados para a resolução coletiva das situações apresentadas (MOURA, 2010). Esta compreensão é umas das ideias centrais da Atividade Orientadora de Ensino (AOE) definida por Moura et al. (2010). A AOE foi proposta por Moura et al. (2010) como ações intencionadas do professor, onde tanto professor quanto aluno estão em atividade, dessa forma, são sujeitos portadores de conhecimento, valores e afetividade que estarão presentes na realização dessas ações propostas. A AOE toma a dimensão de mediação, pois promove a educação escolar baseada no desenvolvimento das funções psíquicas superiores por meio de relações mediadas por outros sujeitos e objetos, considerados instrumentos culturais. Os sujeitos e objetos mediadores das relações são compreendidos como instrumentos culturais, pois facilitam a mediação entre esses agentes e os elementos culturais que são internalizados pelos alunos. Dessa forma, as AOE podem ser compreendidas como uma proposta para que se organizem as atividades de ensino e de aprendizagem da prática educativa (CAVALCANTE, 2015, p. 45).

 

Participaram da pesquisa 19 crianças, sendo 12 meninos e 07 meninas, com a idade de quatro anos. As problematizações tiveram como ponto de partida e de chegada, a sala de aula.

 

É importante destacar que os dados que serviram como ponto de partida para o planejamento e desenvolvimento das problematizações propostas, assim como os conteúdos matemáticos envolvidos nelas foram sendo construídos pelas crianças, ou seja, os dados foram construídos a partir do que as crianças apresentavam no dia a dia. Dessa maneira, prestávamos atenção tanto nas perguntas, quanto nas narrativas das crianças. As intervenções da pesquisadora no contexto da sala de aula foram sendo configuradas no cotidiano de acordo com as manifestações das crianças nas situações que ocorriam em seu cotidiano. Dessa forma, quando a pesquisadora refletia sobre o ocorrido em sala de aula, planejava e estruturava as problematizações que, geralmente, eram apresentadas às crianças, no dia seguinte ao ocorrido (CAVALCANTE, 2015, p. 56).

 

Em suas considerações, Cavalcante (2015) afirma ainda que:

 

Ao ouvirmos as crianças durante o desenvolvimento das brincadeiras, percebemos indicativos de relações quantitativas, senso numérico, discriminação de trajetos e percursos, contornos e formas, grandezas discretas e contínuas, senso de capacidade, entre outros. A partir daí, começamos a refletir sobre o currículo da educação infantil. Entendemos que o currículo pode ganhar movimento nos espaços escolares quando nós professores nos atentarmos às noções matemáticas que podem emergir das situações que emergem do dia a dia da educação infantil. Ou seja, podemos fazer uma leitura de mundo, a partir de noções matemáticas. (...) Pudemos concluir que é possível problematizar essas noções trazidas, por meio da fala, para os espaços da educação infantil, no entanto, essas problematizações - que se aproximam da definição das Atividades Orientadoras de Ensino (AOE) destacadas por Moura (2010) - são intencionais, ou seja, exigem ser planejadas por nós professores. Ao fazer uso dessa forma de organizar a sala de aula o 'currículo' da educação infantil ganha movimento, uma vez que ascende a partir das situações emergentes do cotidiano. Cotidiano este, por sua vez, diverso e heterogêneo em compreensões de mundo. Esse movimento permite aproximar as crianças, por meio de brincadeiras (uma vez que defendemos que essa é a atividade principal das crianças pré-escolares), das mais variadas noções matemáticas. Destacamos que, ao planejarmos as problematizações, (...) não nos limitamos a considerar apenas as noções: senso numérico, correspondência um a um, a posição de pessoas e trajetos, os diferentes contornos, medida, volume, classificação e seriação, comprimento, entre outras (CAVALCANTE, 2015, p. 152-154).

 

Ao analisarmos a pesquisa de Cavalcante (2015), podemos afirmar que, apesar dos desafios que enfrentou ao conciliar as aulas que ministrava em duas escolas e as demandas do MPE, a professora-pesquisadora nos mostra que está em atividade de ensino (Moura, 2010), uma vez que conseguiu desenvolver, juntamente com as crianças, as SDA que se fundamentam na perspectiva da AOE. Tornou-se autora das SDA. Mostrou que tem autonomia, no que diz respeito à organização de sua sala de aula.

Nesse contexto, aponta-nos novas perspectivas relacionadas à sua autoria ao elaborar e desenvolver as SDA, a partir das situações emergentes do cotidiano das crianças. Aqui, o principal papel que as SDA parecem estar desempenhando na sua formação, enquanto se desenvolve profissionalmente, está relacionado, inicialmente, à autonomia que vem conquistando para organizar o ensino que ministra, na medida em que rompe com exercícios que estão prontos e acabados nos livros didáticos ao prestar atenção nas perguntas das crianças. Indica-nos que vem adquirindo conhecimento tanto dos conteúdos matemáticos, quanto didáticos para planejar e organizar suas aulas.

Há ainda outra perspectiva que diz respeito à contextualização e à possibilidade de integração dos conteúdos matemáticos que devem ser estudados pelas crianças. Ao elaborar as problematizações e realizar asintervenções, constatou que, os conceitos aritméticos e geométricos caminham juntos, uma vez que, ao considerar as perguntas das crianças, o ponto de partida de suas aulas teve como foco as necessidades, as hesitações, as dúvidas e as incertezas das crianças, as quais, em um primeiro momento pareciam não priorizar nenhuma área específica, muito menos, um conteúdo específico. As problematizações poderiam ser consideradas interdisciplinares. Tornaram-se disciplinares, na medida em que se debruçou para compreender melhor as linguagens matemáticas, no contexto da Educação Infantil.

Para poder delimitar a área, neste caso, a Matemática, a professora-pesquisadora teve que interpretar, à luz da teoria histórico-cultural como as brincadeiras, nesta faixa etária podem proporcionar aprendizagens às linguagens matemáticas das crianças.

Podemos afirmar que a organização do ensino feita por Cavalcante (2015), em sua sala de aula, se configurou como AOE, uma vez que representou unidade indissociável entre ensino e aprendizagem, considerando-se que:

 

Na AOE, ambos, professor e estudante, são sujeitos em atividade e como sujeitos se constituem indivíduos portadores de conhecimento, valores e afetividade, que estarão presentes no modo como realizarão as ações que têm por objetivo um conhecimento de qualidade nova” (MOURA, 2010, p. 97).

 

Aqui, o conhecimento de qualidade nova, tanto para as crianças quanto para a professora-pesquisadora, esteve relacionado ao pensamento teórico de conceitos matemáticos, artísticos e históricos. No caso da professora-pesquisadora, além destes conhecimentos, ela pôde conhecer e vivenciar uma nova proposta de ensino, ou seja, uma nova perspectiva de ensino que lhe permitiu conduzir, de forma diferenciada a sua sala de aula. Tudo isso só foi possível porque a professora-pesquisadora teve a oportunidade de elaborar e desenvolver sua pesquisa no contexto do MPE. O processo de desenvolver a pesquisa esteve atrelado às práticas de sala de aula durante 24 meses. Não houve dissociação entre teoria e prática.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar dos desafios que se apresentam ao MPE e, consequentemente, aos professores da Educação Básica, tais como organizar a sala de aula a partir de uma outra perspectiva que se diferencia das listas de exercícios, a falta de recursos financeiros e o não reconhecimento social dos produtos educacionais que são elaborados, as pesquisas desenvolvidas podem trazer uma nova perspectiva para o desenvolvimento profissional dos professores da Educação Básica.

No caso de Cavalcante (2015), por exemplo e porque não dizer, para os professores da Educação Básica que lecionam Matemática, ao assumir uma nova postura em relação à organização do ensino que ministram, podem, através da elaboração e desenvolvimento de SDA romper com o ensino de Matemática que não faz sentido para as crianças e jovens. Podem ter a oportunidade de se apropriar do pensamento teórico do que vem a ser AOE e dos conteúdos que ministram, pois estão em atividade de ensino. Sem sombra de dúvidas podem romper com o paradigma do exercício, considerando-se que:

 

Nas suas observações de salas de aula inglesas, Cotton (1998) notou que a aula de matemática é dividida em duas partes: primeiro, o professor apresenta algumas ideias e técnicas matemáticas e, depois, os alunos trabalham com exercícios seleccionados. Ele também observou que existem variações nesse mesmo padrão: há desde o tipo de aula em que o professor ocupa a maior parte do tempo com exposição até aquela em que o aluno fica – a maior parte do tempo envolvido com resolução de exercícios. De acordo com essas e muitas outras observações, a educação matemática tradicional se enquadra no paradigma do exercício. Geralmente, o livro didáctico representa as condições tradicionais da prática de sala de aula. Os exercícios são formulados por uma autoridade externa à sala de aula. Isso significa que a justificação da relevância dos exercícios não é parte da aula de matemática em si mesma (SKOVSMOSE, 2000, p. 01).

 

Ao elaborarem SDA, as professoras-pesquisadoras romperam com um ensino livresco. As SDA foram formuladas por uma autoridade que conduz a sala de aula, que conhece cada um de seus alunos.

As pesquisas desenvolvidas no âmbito do MPE pelas três professoras- pesquisadoras, Cavalcante (2015), Guillen (2016) e Pereira (2016) e que lecionam Matemática tornaram-se dissertações, mostram a importância em se considerar o MPE como uma perspectiva inovadora para a formação continuada dos professores. Aqui, as professoras tiveram a oportunidade de eleger o objeto de estudo a partir de suas práticas profissionais.

Nesse contexto, as professoras-pesquisadoras puderam nos mostrar, em termos metodológicos, como transformar as problemáticas de sala de aula que envolvem os processos de ensino e de aprendizagem em problemas de pesquisa. A partir da análise dessas problemáticas puderam elaborar SDA mais adequadas às suas turmas, de forma que pudessem atender às expectativas dos estudantes. Surgem aí novos desafios e novas perspectivas que continuarão movendo as práticas profissionais das professoras-pesquisadoras.

Ou seja, é através da elaboração de pesquisas relacionadas às suas práticas profissionais que os professores têm a possibilidade de se tornarem pesquisadores e de compreender, teoricamente, um dos elementos que compõem a sua prática profissional: a organização do ensino, neste caso específico, a organização do ensino de Matemática. Apesar dos desafios, podem se apropriar de uma outra perspectiva teórica e metodológica que fundamenta os processos de ensino e de aprendizagem de Matemática que até então não conheciam.


 

 

 

Researches of teachers elaborated in the context of the professional master in education of UFSCar

 

 

ABSTRACT

This article aims to investigate the work of three Basic Education teachers. The researches are related to their practices in the classroom and were on occasion of the Professional Master in Education, Federal University of São Carlos (UFSCar). In this context, the course is configured as a special type of continuing education where the teachers of Basic Education, through researches carry out interventions in the classroom and, for this reason they have the opportunity to theorize about the practice and to practice the theory that bases their work in the classroom while they elaborate their dissertations. The Professional Master in Education presents itself as a new perspective for the continuing education of teachers, since the object and hence the search questions, come from classroom problems, which are directly related to teachers' professional practices, are soon located. In the specific case of the three dissertations that deal with mathematics teaching, when analyzing them we find that they are qualitative, systematic and intentional. They indicate that the teachers, when elaborating and developing their research, had as their starting point challenges related to the organization of teaching mathematics in their classrooms. One of them is related to how to break with a mathematics teaching that prioritizes the exercise paradigm. Such a challenge could be overcome in that, through the activities that make up the Master's course, the teachers had the opportunity to carry out interventions, to investigate, to study, to elaborate and to develop in their classrooms situations triggering the learning of Mathematics in the perspective of the Teaching Activity of Teaching. This way of organizing teaching allowed the teachers to elaborate differentiated teaching proposals and could take ownership of another theoretical and methodological perspective that is based on historical-cultural theory.

KEYWORDS: Historical-cultural theory. Guiding teaching activity. Unleashing situations of learning. Formationof teachers. Mathematical language.

 


 

Nota

[1] As ideias centrais deste artigo foram apresentadas no Ciclo de Conferências FCET _ Jornadas de Educação em Ciências e Matemática que ocorreu nos dias 23 e 24 de novembro de 2017 na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

 

REFERÊNCIAS

 

ARAÚJO, E.S. Contribuições da teoria histórico-cultural à pesquisa em educação matemática: a Atividade Orientadora de Pesquisa. Horizontes, v. 31, n.1, p. 81-90, jan./jun.2013

 

BRASIL. Parecer CNE/CP 9/2001.

 

CAPES. Relatório da avaliação quadrienal de 2017. Disponível em http://capes.gov.br/images/documentos/Relatorios_quadrienal_2017/20122017-Educacao_relatorio-de-avaliacao-quadrienal-2017_final.pdf. Visitado em 28/07/18.

 

CAVALCANTE, N.F.M. Problematizações a partir de situações emergentes do cotidiano: compreensões e possibilidades envolvendo relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaço temporais em turmas de crianças de quatro anos, 2015. 161 f. Dissertação (Mestrado em Educação). UFSCar, 2015.

 

COCHRAN-SMITH, M.; LYTLE, S.L. Dentro/fuera: enseñantes que investigan.1.ed. Madrid: Akal, 2002.

 

FIALHO, N.H. E HETKOWSKI, T.M. Mestrados Profissionais em Educação: novas perspectivas da pós-graduação no cenário brasileiro. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 63, p. 19-34, jan./mar. 2017.

 

FOMPE. Apresentação. Disponível em http://www.fompe.caedufjf.net/?page_id=2. Visitado em 28/07/18.

 

GUILLEN, J.D. A apropriação do conceito numérico no 1º ano do ensino fundamental: um estudo na perspectiva da teoria histórico-cultural, 2016. 117 f. Dissertação (Mestrado em Educação). UFSCar, 2016.

 

MOREIRA, M. A. - Pesquisa em Ensino: o vê Epistemológico de Gowin. S.P., E.P.U., 1990.

 

MOURA, M.O. (Org). A atividade pedagógica na teoria histórico-cultural. São Paulo: Liber, 2010. 178 p.

 

MOURA, M.O. ET AL. Atividade Orientadora de Ensino: unidade entre ensino e aprendizagem. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 10, n. 29, p. 205-229, jan./abr. 2010.

 

MOURA, M.O. ET AL. A atividade orientadora de ensino como unidade entre ensino e aprendizagem. In: A atividade pedagógica na teoria histórico-cultural. São Paulo: Liber, 2016. 2ª. edição. 208p.

 

PEREIRA, P. O uso de jogos e a mediação do professor na abordagem histórico-cultural: primeiras aproximações. 2016. 297 f. Dissertação (Mestrado em Educação). UFSCar, 2016.

 

PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote: Inst. de Inovação Educacional, 1993.

PPGPE. Sobre o curso de Mestrado Profissional. Disponível em: http://www.ppgpe.ufscar.br/. Visitado em 28/07/18.

 

RIBEIRO, A. C. Formar professores. Elementos para uma teoria e prática da formação. Lisboa, Texto Editora, 1993.

 

ROCHA, G.D.F. Formação continuada de professores de matemática na EFAP: os significados de um grupo de professores. 2015. 131 f. Dissertação (Mestrado em Educação). UFSCar, 2015.

 

SKOVSMOSE, O. Cenários para investigação. Bolema, Ano 13, nº 14, pp. 66 a 91, 2000.

 

 

 

Recebido: 29 jul. 2018

Aprovado: 15 abr. 2019

DOI: 10.3895/actio.v4n1.8623

Como citar:

SOUSA, M.C. Pesquisas de professoras elaboradas no contexto do mestrado profissional em educação da UFSCar. ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 1, p. 148-166, jan./abr. 2019. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX

Correspondência:

Maria do Carmo de Sousa

Rua: Prof. Paulo Mont Serrat, 510, casa: 44, Bairro: Jardim Ricetti, São Carlos, São Paulo, Brasil.

Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0 Internacional.

 

 

Apontamentos

  • Não há apontamentos.




Direitos autorais 2019 CC-BY

Licença Creative Commons
Esta obra está licenciada sob uma licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

______________________________________________________________________

ACTIO : docência em ciências [recurso eletrônico] / Universidade Tecnológica Federal
do Paraná, Programa de Pós-graduação em Formação Científica, Educacional
e Tecnológica. – v. 1, n. 1 (Set.-Dez. 2016-). – Curitiba, Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, 2016-
     v. : il.

    Modo de acesso: World Wide Web
    Quadrimestral
    Texto em português, espanhol, inglês e francês
    Título extraído da tela de título (visualizado em 23 jun. 2021)
    ISSN: 2525-8923

         1. Ciência – Periódicos. 2. Ciência – Estudo e ensino – Periódicos. 3. Biologia
– Estudo e ensino – Periódicos. 4. Física – Estudo e ensino – Periódicos. 5. Química
– Estudo e ensino – Periódicos. 6. Matemática – Estudo e ensino – Periódicos.
I. Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Programa de Pós-graduação
em Formação Científica, Educacional e Tecnológica.

                                                                                                     CDD: ed. 23 -- 505

______________________________________________________________________
Biblioteca Central da UTFPR, Câmpus Curitiba
Bibliotecário: Adriano Lopes CRB-9/1429

ISSN: 2525-8923

ft_peri

Av. Sete de Setembro, 3165 - Rebouças CEP 80230-901 - Curitiba - PR - Brasil

logo_utfpr