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Alfabetização científica nos anos iniciais do ensino fundamental: o que nos dizem os documentos oficiais

Maria Alina Oliveira Alencar de Araújo

alinaedu@yahoo.com.br

orcid.org/0000-0001-6885-9012

Secretaria de Educação do Estado do Ceará (SEDUC), Fortaleza, Ceará, Brasil

Raquel Crosara Maia Leite

raquelcrosara@hotmail.com

orcid.org/0000-0002-1563-9670

Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, Ceará, Brasil

RESUMO

Este trabalho objetivou investigar as concepções de Alfabetização Científica em 5 documentos oficiais, buscando refletir acerca da importância dessa formação na vida dos estudantes enquanto cidadãos planetários. Tendo como ponto de partida a pergunta “Como o termo Alfabetização Científica é abordado em documentos oficiais da educação, a partir de orientações pedagógicas dos próprios documentos?”, realizou-se uma pesquisa de cunho qualitativo, tomando por base a análise de documentos considerados relevantes orientadores da prática docente, a saber: Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica; Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental do Sistema Público Municipal de Ensino de Fortaleza; Elementos Conceituais e Metodológicos para Definição dos Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do Ensino Fundamental; Caderno de Ciências da Natureza no Ciclo de Alfabetização do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e a Base Nacional Comum Curricular. As análises realizadas apontam ambiguidades nos textos oficiais em um contexto atual de cobranças externas e internas à escola, por meio de avaliações de larga escala. No mesmo sentido, ora os documentos sugerem democratização do ensino das diversas disciplinas de forma interdisciplinar, ora sugerem a priorização do ensino de Português e Matemática para os primeiros anos do Ensino Fundamental. O documento Caderno de Ciências da Natureza no Ciclo de Alfabetização do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa se mostra como uma boa alternativa de trabalho para as formações continuadas em Ensino de Ciências, conceituando a Alfabetização Científica e trazendo sugestões para a prática docente. Sugerimos, dessa forma, uma maior valorização do Ensino de Ciências através de políticas públicas que atendam aos cursos de formações de professores, pois defendemos que as ciências são precursoras de uma formação cidadã, social, histórica e humana para o estudante.

PALAVRAS-CHAVE: Alfabetização Científica. Anos iniciais do Ensino Fundamental. Documentos Educacionais Oficiais.

INICIANDO OS DIÁLOGOS

O presente estudo que engloba a educação nos anos iniciais do Ensino Fundamental, é resultado de uma dissertação de mestrado desenvolvida no âmbito de um Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal do Ceará e explora a temática Alfabetização Científica nos primeiros anos do Ensino Fundamental. De acordo com os objetivos da dissertação, realizamos uma pesquisa em torno das concepções dos professores e das orientações encontradas em documentos oficiais, lançando uma crítica ao currículo escolar tradicional e à prioridade dada ao aprendizado em Língua Portuguesa e Matemática.

Compreendemos que o termo Alfabetização Científica (AC) relaciona-se à aquisição da capacidade do indivíduo de ler o mundo e transformá-lo (CHASSOT, 2016). Dessa forma, “[...] seria desejável que os alfabetizados cientificamente não apenas tivessem facilitada a leitura de mundo em que vivem, mas entendessem a necessidade de transformá-lo, e transformá-lo para melhor” (CHASSOT, 2016, p. 70).

Buscamos investigar sobre a Alfabetização Científica no contexto atual das crianças brasileiras, especificamente das cearenses, tendo a consciência de que, no cenário atual das escolas de Ensino Fundamental no Brasil, há um ranqueamento realizado a partir de resultados de exames externos que avaliam, prioritariamente, a proficiência do estudante em Língua Portuguesa e Matemática (avaliações, em geral, quantitativas que não consideram outros elementos que fazem parte da construção de conhecimento dos alunos). Dessa forma, há um provável direcionamento da ação docente em sala de aula para o alcance de metas pré-estabelecidas para seus alunos (PEREIRA; TEIXEIRA, 2007). Araújo (2016) alerta que:

A política de responsabilização adotada, comumente, tem como base os resultados da escola, em que o educador é responsabilizado perante as autoridades e o público em geral pela aprendizagem dos alunos, e as consequências, reais ou simbólicas, são associadas às medidas usadas para aferir o desempenho dos educandos. Nessa perspectiva, a partir da proficiência alcançada, os gestores públicos estabelecem recompensas ou sanções para os atores educacionais (ARAÚJO, 2016, p. 57).

Entre as disciplinas relegadas da formação do aluno em meio a esse cenário, encontram-se as Ciências Naturais (ou Ciências da Natureza) que, atualmente, apresentam-se como uma compilação de conhecimentos da Física, Química, Geologia e Biologia. Em meio às discussões de reforma da Educação Básica no Brasil e seu currículo, o atual documento da Base Nacional Comum Curricular – BNCC – (BRASIL, 2018b) traz as Ciências da Natureza divididas em três unidades temáticas: Matéria e energia, Vida e evolução e Terra e universo.

Alguns documentos orientadores do currículo trazem a importância da Alfabetização Científica para a formação dos alunos do Ensino Fundamental. São eles, por exemplo, as Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental do Sistema Público Municipal de Ensino de Fortaleza - DCM (TEIXEIRA; DIAS, 2011a e 2011b); As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica - DCN (BRASIL, 2013); Os Elementos Conceituais e Metodológicos para Definição dos Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do Ensino Fundamental – Direitos de Aprendizagem (BRASIL, 2012); O Caderno de Ciências da Natureza no Ciclo de Alfabetização do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC (BRASIL, 2015); Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018b).

Diante das informações encontradas nos documentos mencionados, os quais os professores do município de Fortaleza/CE podem ter acesso, apresentamos como questão norteadora deste estudo: Como o termo Alfabetização Científica é abordado nos documentos educacionais oficiais, a partir de orientações pedagógicas dos próprios documentos? Buscando responder a esse questionamento, nosso trabalho objetivou analisar o conceito de Alfabetização Científica nos documentos oficiais apontados anteriormente e traçar um comparativo com as propostas apresentadas pela literatura.

APROXIMAÇÕES TEÓRICAS: UM CAMINHO SEGUIDO

As políticas educacionais brasileiras, desde a Constituição Federal de 1988, vêm priorizando em seus textos, a Educação Básica, em especial os primeiros anos do Ensino Fundamental (CURY, 2002). O maior percentual das verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) é destinado para o Ensino Fundamental, apesar de haver uma tendência de alteração desse cenário diante das demandas dos outros níveis e modalidades da Educação Básica (PEREIRA; TEIXEIRA, 2007).

A função da Educação Básica, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), é ampla, pois ela “[...] tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, 2010, Art. 22). No entanto, os números que indicam melhorias na educação não são satisfatórios, apesar da realidade educacional brasileira ter apresentado melhoras na última década do século XX, como a redução do analfabetismo, o aumento da escolaridade e a redução da infrequência escolar (IBGE, 2016).

Não obstante, no atual cenário político, social e econômico do Brasil, configuram-se estratégias de sucateamento das Ciências e Tecnologias. A exemplo, o corte orçamentário de 42% em Ciência e Tecnologia, anunciado pelo jornal Folha de São Paulo, em 3 de abril de 2019 (FOLHA DE SÃO PAULO, 2019), contribui para dificultar o desenvolvimento dessas áreas no país. Um ano antes, porém, durante audiência realizada na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT), o senador Otto Alencar (PSD-BA) prometia a avaliação da possibilidade de destinar recursos a esse setor após uma queda de 40% em 2018. Marcos de Albuquerque, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), afirmou que o Brasil necessita de uma política de estado estável que garanta investimento permanente na área (BRASIL, 2018a), algo que não está ocorrendo nos dias atuais.

Apesar de uma realidade com foco em Português e Matemática, no documento Expectativas de Aprendizagem para o Ensino Fundamental, disponível no site1 da Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza, podemos encontrar listas referentes à expectativa de aprendizagem do aluno em cada ano (do 1º ao 5º) em 8 disciplinas: Português, Matemática, Ciências, Geografia, História, Educação Física, Artes, Religião. Além disso, encontramos propostas de conteúdos a serem trabalhados em cada bimestre letivo para cada ano e disciplina (FORTALEZA, 2016b). Por outro lado, contrapondo-se a essas orientações, temos, em outro documento, a discriminação do tipo de material disponibilizado ao professor para ser trabalhado em sala de aula nos projetos focados na Língua Portuguesa, Literatura e Matemática, como o MaisPaic e o Luz do Saber (FORTALEZA, 2016a; CEARÁ, 2019).

Questionamo-nos, portanto, a respeito do tempo necessário em sala para contemplar as 8 disciplinas sugeridas no documento Expectativas de Aprendizagens do Ensino Fundamental (FORTALEZA, 2016b) e trabalhar os conteúdos sugeridos por projetos que atendem o Ensino Fundamental do município de Fortaleza. Alguns questionamentos nos são pertinentes: De que forma as escolas organizam seus currículos? Quais conhecimentos priorizam? Como são trabalhados os conteúdos priorizados? Ressaltamos, porém, que a nossa intenção neste trabalho se detém a percepção de como a Alfabetização Científica é apresentada nos documentos oficiais, sejam esses nacionais ou locais.

As políticas públicas nacionais direcionadas ao ciclo de alfabetização priorizam a alfabetização funcional na idade certa, ou seja, o ler e o escrever tecnicamente até o final do ciclo, quando a criança deverá ter oito anos de idade. Portanto, todas as ações são voltadas, prioritariamente, para o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita. Assim sendo, as avaliações externas à escola, durante esse período escolar, pretendem medir o grau de proficiência dos alunos com relação à leitura e escrita da língua materna. Enquanto isso, os estados da federação e, consequentemente, as secretarias de educação estaduais e municipais tenderão a realizar um trabalho voltado para o alcance de metas pré-estabelecidas para seus alunos. É possível que muitas ações aconteçam de forma descontextualizada e mecanizada, preparando os alunos para marcação de itens das tais avaliações, deixando de lado o que seria, realmente, imprescindível: a formação global do educando.

Segundo a resolução nº 7, de 14 de dezembro de 2010, do Conselho Nacional de Educação (CNE), as propostas curriculares do Ensino Fundamental devem visar uma formação comum e indispensável do educando e, além disso, listam, dentre os princípios, outras três categorias, além das habilidades de leitura, escrita e cálculo:

I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, das artes, da tecnologia e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III – a aquisição de conhecimentos e habilidades, e a formação de atitudes e valores como instrumentos para uma visão crítica do mundo; IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social (BRASIL, 2010-I, p. 2).

Portanto, defendemos que os princípios norteadores para o Ensino Fundamental vão além das habilidades de leitura e escrita e perpassam conceitos sociais, científicos e humanos. A democratização curricular, com várias disciplinas distribuídas de forma mais igualitária em carga horária e grau de importância, é uma proposta que vai ao encontro de uma formação global e da possibilidade do desenvolvimento de projetos interdisciplinares no favorecimento dessa.

As contribuições de Edgar Morin, apresentadas em obras relacionadas à educação, instigam um pensamento planetário ecologizante, ou seja, uma consciência de que é necessário sermos agentes atuantes, críticos, capazes de realizarmos modificações sociais em benefício do planeta, por meio da educação do século XIX (MORIN, 2003).

Assim como alguns autores, diferenciamos o conceito de alfabetização do de letramento. Entendemos por letramento a condição social atingida pelo indivíduo ao dominar a leitura e a escrita. Portanto, “Pode-se dizer que o letramento é o uso que as pessoas fazem da leitura e da escrita em seu contexto social” (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001, p. 8). Quando analisamos os dois termos (alfabetização e letramento), percebe-se, em âmbito mundial, a necessidade de se reconhecer práticas sociais mais complexas que o ato de ler e escrever no sistema tradicional da língua materna, ou seja, há uma necessidade de aproximação da prática do letramento nas instituições escolares (SOARES, 2004).

Cunha (2017 e 2018) esclarece que o termo literacy, do inglês, é muitas vezes traduzido como sinônimo de alfabetização no Brasil e que isso pode acarretar equívocos. Portanto, o autor defende que o literacy (letramento) deve ser traduzido como tal, para não ser confundido com a técnica da leitura na Língua Portuguesa sem a conexão com os fatores sociais, culturais, econômicos e políticos em que nos encontramos.

Para o presente trabalho, entendemos que Alfabetização se aproxima do entendimento do código escrito e Alfabetização Científica se aproxima de Letramento Científico, pois a AC envolve compreensões de cunho social, político e histórico na ação do indivíduo no seu cotidiano, a partir dos conhecimentos sobre Ciências apreendidos tanto no ambiente escolar como através das mídias digitais. Dessa forma, configura-se um elo entre Alfabetização Científica e CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente) (OLDONI; LIMA, 2017).

Nos anos iniciais, a Alfabetização Científica deve colaborar para a construção de significados para a linguagem das Ciências Naturais e a formação de um cidadão capaz de alterar a sociedade (MORAIS, 2011).

O pensamento planetário de Edgar Morin se estende ao currículo da escola formal, na medida em que o autor se apresenta contra a fragmentação do conhecimento e, consequentemente, a favor da construção de um pensamento complexo.

Na escola primária nos ensinam a isolar os objetos (de seu meio ambiente), a separar as disciplinas (em vez de reconhecer suas correlações), a dissociar os problemas, em vez de reunir e integrar. Obrigam-nos a reduzir o complexo ao simples, isto é, a separar o que está ligado; a decompor, e não a recompor; e a eliminar tudo que causa desordens ou contradições em nosso entendimento. Em tais condições, as mentes jovens perdem suas aptidões naturais para contextualizar os saberes e integrá-los em seus conjuntos (MORIN, 2003, p. 15).

Dessa forma, uma inteligência que só fragmenta a realidade e a complexidade do mundo diminui a possibilidade de compreensão e reflexão a longo prazo. Torna-se uma inteligência incapaz de pensar as problemáticas globais e multidimensionais (MORIN, 2003). O autor vai além e defende que, no ensino primário, as Ciências devem preceder o estudo da língua, da ortografia, da história e do cálculo, pois primeiro necessita-se pensar sobre assuntos mais ligados à natureza humana, à vida, à sociedade e ao mundo (MORIN, 2003).

A finalidade da “cabeça bem-feita” seria beneficiada por um programa interrogativo que partisse do ser humano. É interrogando o ser humano que se descobriria sua dupla natureza: biológica e cultural. Por um lado, seria dado início à Biologia; daí, uma vez discernido o aspecto físico e químico da organização biológica, seriam situados os domínios da Física e da Química; depois, as ciências físicas conduziriam à inserção do ser humano no cosmo. Por outro lado, seriam descobertas as dimensões psicológicas, sociais, históricas da realidade humana. Assim, desde o princípio, ciências e disciplinas estariam reunidas, ramificadas umas às outras, e o ensino poderia ser o veículo entre os conhecimentos parciais e um conhecimento do global. De tal sorte que a Física, a Química e a Biologia possam ser diferenciadas, ser matérias distintas, mas não isoladas, porquanto sempre inscritas em seu contexto... Assim, desde a escola primária, dar-se-ia início a um percurso que ligaria a indagação sobre a condição humana à indagação sobre o mundo... Naturalmente, o ensino da língua, da ortografia, da História, do cálculo seria integralmente mantido ao longo do primeiro grau (MORIN, 2003, p. 75-78).

Assim, a Alfabetização Científica (AC) deve ser introduzida nas escolas mesmo antes da leitura e da escrita. Expressar suas opiniões sobre conceitos científicos faz parte da AC, sendo esta uma atividade vitalícia que não envolve apenas a mera repetição de conceitos científicos, podendo ser aplicada mesmo antes da aquisição do código escrito, pois pode contribuir para a aquisição desse código e da ampliação de cultura (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001).

Não se trata primordialmente, portanto, de formar cientistas, mas de democratizar os assuntos científicos desde as séries iniciais para um maior entendimento de mundo ligado à formação cidadã do aluno. Assim, é papel da escola propiciar aos alunos conhecimentos de como buscar informações úteis à suas vidas e elaborar estratégias para que o mesmo visualize como aplicar os conceitos científicos básicos no seu dia a dia. Nesse sentido, o combate ao distanciamento do conhecimento científico do professor de Ciências e o conhecimento popular do aluno também são necessários, com o intuito de desmistificar a verdade absoluta das Ciências e reduzir a relação de poder professor/aluno construída ao longo de séculos. É urgente a necessidade de adequação das escolas diante desse novo cenário educacional, principalmente nas escolas de Ensino Fundamental da rede pública de ensino, valorizando o diálogo entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001; CUNHA, 2017).

Para o alcance do desenvolvimento dessas habilidades pelos alunos e contra a fragmentação curricular, o trabalho interdisciplinar deve ser contínuo. A complexidade do conhecimento e do mundo atual exige comunicações contínuas entre os fragmentos disciplinares, ou seja, uma colaboração entre as disciplinas, combatendo a vaidade disciplinar especializada (MINAYO, 2010). Dessa forma, os componentes curriculares superariam a visão fragmentada e linear dos conhecimentos, propiciando o desenvolvimento do ser humano integrado com a sociedade e com o meio ambiente (SOUSA; MOURA; CARNEIRO, 2013).

Contudo, as escolas ainda se encontram alicerçadas às práticas pedagógicas tradicionais e, por esse motivo, não conseguem acompanhar as mudanças contextuais da educação ocorridas desde o século passado, que não sustentam mais modelos curriculares fragmentados e descontextualizados. Desse modo, a interdisciplinaridade e a transversalidade2 devem estar presentes nos currículos das escolas, indo de encontro à fragmentação curricular (SILVA; MORAES; FECHINE, 2013).

Acreditamos que a implementação da AC na educação básica e a priorização dos anos iniciais do Ensino Fundamental seriam de extrema importância para a efetivação da formação planetária e do pensamento ecologizante dos indivíduos.

UMA FORMA DE CONSTRUÇÃO

Nas pesquisas qualitativas, o trabalho envolve fatores que não são quantificáveis, por exemplo, valores, crenças, motivos, significados, aspirações e atitudes do ser humano. Trata-se de um fragmento subjetivo da realidade que não é visível e que precisa ser interpretado por quem faz a pesquisa.

[...] o universo da produção humana que pode ser resumido no mundo das relações, das representações e da intencionalidade e é o objeto da pesquisa qualitativa dificilmente pode ser traduzido em números e indicadores quantitativos (MINAYO, 1999. p. 21).

A metodologia qualitativa aplicada nesta pesquisa foi a análise documental de instrumentos educacionais oficiais. Essa técnica é importante, pois pode trazer novas peças para o entendimento das investigações como partes fundamentais de um quebra-cabeça. Os documentos devem ser retirados das prateleiras e ser analisados de acordo com o problema que se visa sanar durante pesquisa (PIMENTEL, 2001).

A partir de Caregnato e Mutti (2006), foi possível enquadrar a abordagem metodológica do presente artigo na categoria de Análise de Conteúdo qualitativa, que confere a busca de determinada característica na mensagem do texto analisado. Nesse tipo de técnica, em que a palavra é o objeto de trabalho, permite-se “[...] produzir inferências do conteúdo da comunicação de um texto replicáveis em seu contexto social” (CAREGNATO; MUTTI, 2006, p. 682).

Concordamos que na abordagem qualitativa o objeto e o pesquisador encontram-se em uma relação dialética no âmbito das ações humanas e, portanto, carregados de significados. Não temos, portanto, uma pesquisa neutra. O pesquisador se relaciona intimamente com a pesquisa, característica que não a isenta de rigor científico (MINAYO; SANCHES, 1993).

Realizamos, assim, a análise dos seguintes documentos oficiais orientadores, em âmbito municipal e nacional, que tratam dos anos iniciais do Ensino Fundamental, no tocante à Alfabetização Científica atrelada a formação cidadã do educando.

a) Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental do Sistema Público Municipal de Ensino de Fortaleza – DCM (TEIXEIRA; DIAS, 2011a e 2011b);

b) Elementos Conceituais e Metodológicos para Definição dos Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do Ensino Fundamental - DIREITOS DE APRENDIZAGEM (BRASIL, 2012);

c) Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica – DCN (BRASIL, 2013);

d) Caderno de Ciências da Natureza no Ciclo de Alfabetização do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC (BRASIL, 2015);

e) Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018b).

DIALOGANDO COM OS DADOS ALCANÇADOS

Entendemos que os documentos educacionais oficiais, ora analisados, sejam em âmbito nacional ou municipal, podem orientar a prática docente e, portanto, acreditamos que é importante analisar de que forma esses documentos abordam a Alfabetização Científica, no que se refere aos anos iniciais do Ensino Fundamental, com vistas à formação cidadã dos alunos.

Para a análise dos documentos, nos detivemos aos seguintes aspectos:

Os princípios norteadores do documento: em quais diretrizes de pensamento e valores o documento encontra-se alicerçado, ou seja, os princípios centrais do documento, sua base orientadora;

Organização curricular dos anos iniciais do Ensino Fundamental: de que forma se encontram as orientações curriculares, de disciplinas, para essa etapa da Educação Básica, ou seja, quais as disciplinas ou áreas de conhecimento propostas pelo documento para o Ensino Fundamental;

O currículo do ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental: quais as orientações específicas para o trabalho com a disciplina Ciências para essa etapa da educação básica e quais os direcionamentos propostos para o trabalho efetivo da disciplina Ciências na sala de aula.

Apresentamos, a seguir, o quadro 3, que sintetiza nossas análises dos documentos oficiais. Esse quadro relaciona os documentos de acordo com as categorias analíticas apresentadas anteriormente.

Quadro 3- Análise dos 5 documentos oficiais de acordo com as categorias analíticas

Documento

Os princípios norteadores do documento

Organização curricular dos anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 3º ano)

O currículo do ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 3º ano)

DCM (TEIXEIRA e DIAS, 2011a e 2011b)

 

Norteadas pelo respeito entre os seres humanos, cultura de paz, formação cidadã, ecologicamente equilibrada e sustentável.

- Língua Portuguesa

- Matemática

- História

- Geografia

- Ciências Naturais

- Educação Física

- Educação Religiosa

- Arte

- Língua Estrangeira

- Realização de um trabalho interdisciplinar na escola e abordagem CTS.

Apresentam eixos temáticos para o Ensino Fundamental. Abordagem CTS. Rompimento do tradicionalismo.

Elementos Conceituais e Metodológicos para Definição dos Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do Ensino Fundamental (BRASIL, 2012)

Formação cidadã onde não há restrição apenas à aquisição da leitura e escrita.

- Alfabetização de crianças até 8 anos de idade

- Ludicidade

- Estímulo à imaginação do aluno

- Os textos orais e escritos, ainda segundo esse documento, devem propiciar conhecimento acerca do mundo físico e social através de experiências criativas e imaginativas.

Leitura e escrita por meio de outras disciplinas;

Apresenta eixos de trabalho. Abordagem CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente) com foco na leitura e escrita.

DCN (BRASIL, 2013)

Baseados em aspectos éticos, políticos e estéticos.

- Linguagens

- Matemática

- Ciências da Natureza

- Ciências Humanas

- Ensino religioso

- Realização de um trabalho interdisciplinar na escola.

Leitura e escrita por meio de outras disciplinas (inclusive as Ciências).

Caderno de Ciências da Natureza no Ciclo de Alfabetização do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (BRASIL, 2015)

Oferecer aos professores possibilidades de trabalhar conteúdos ligados às Ciências da Natureza, considerando diferentes contextos da Alfabetização Científica. Aluno autônomo para transformação social.

- Atividades contextualizadas à realidade dos alunos

- Uso e criação de atividades lúdicas

- Uso de recursos tecnológicos, bem como

- Discussão sobre diferentes linguagens que trazem elementos do mundo das Ciências.

Compreensão conceitual e procedimental da Ciência; Compreensão sociocultural, política e econômica dos processos e produtos da Ciência e Compreensão das relações entre Ciência, sociedade, tecnologia e meio ambiente. Abordagem CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente).

Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018b)

Pedagogia baseada no conceito de COMPETÊNCIAS (Conjunto de saberes) que consideram: conhecimentos, habilidades, atitudes e valores e sua mobilidade para resolver demandas da vida cotidiana, do exercício da cidadania e do mundo do trabalho. Prevê o desenvolvimento da educação integral (Não necessariamente de tempo integral, mas aproximando-se da Formação Global) para o desenvolvimento de competências rumo a uma educação justa, democrática e inclusiva.

Os currículos devem adequar as proposições da BNCC à realidade local, considerando a autonomia dos sistemas ou das redes de ensino e das instituições escolares, como também o contexto e as características dos alunos. Estruturalmente, temos:

- Linguagens (do 6º ano ao 9º ano, esse componente é dividido em: Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e Língua Inglesa3)

- Matemática

- Ciências da Natureza

- Ciências Humanas

- Ensino Religioso

Associação permanente entre Ciência e tecnologia;

Relaciona conhecimento científico com conhecimentos éticos, políticos e sociais para a formação crítica dos alunos;

Desenvolvimento do Letramento Científico (Conceito que definimos como Alfabetização Científica) para a sustentabilidade e o bem comum.  Unidades temáticas:

- Matéria e Energia;

- Vida e Evolução;

- Terra e Universo.

Fonte: Autoria própria (2019).

A partir das análises, notamos aspectos em comum nos 5 documentos e que estão relacionados às ideias defendidas por Edgar Morin:

a) a importância dada ao aluno como um ser social, que tem voz nas decisões sociais e que deve ser respeitado;

b) o estímulo para o desenvolvimento de uma educação lúdica e motivacional para alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental;

c) a importância de uma formação cidadã para os alunos, que devem se ver como cidadãos planetários e que podem modificar o mundo a partir de sua realidade;

d) a importância de uma formação crítica e problematizadora para efetivação de transformações sociais pelos alunos;

e) a importância da Alfabetização Científica como base teórica dessas transformações.

Os documentos analisados tendem a orientar em direção à abordagem CTSA onde consideramos esse fator determinante para o entendimento de que há uma orientação sobre Alfabetização Científica presente nos documentos.

A abordagem CTSA faz-se necessária no cenário mundial atual, uma vez que a maior parcela da sociedade faz uso das tecnologias e dos produtos oriundos de pesquisas científicas, ao mesmo tempo em que a minoria das pessoas tem consciência do funcionamento e das implicações sociais, ambientais e econômicas desses produtos, ou seja, falta, para a maioria das pessoas, o entendimento crítico das implicações das políticas tecnológicas em suas vidas (OLIVEIRA, 2019). A partir dessa formação crítica cidadã, os alunos atuais serão indivíduos capazes de interferir nas decisões políticas futuras, sendo agentes atuantes das próprias vidas e das comunidades.

Além disso, a abordagem CTS tem como foco central o estudante e sua realidade social, com o objetivo de dar sentido às experiências cotidianas vividas por ele (OLIVEIRA, 2019). Nos trabalhos de Oliveira (2019) e de Palmieri, Silva e Lorenzetti (2017), a Alfabetização Científica efetiva-se a partir da abordagem CTS, atrelando-se intimamente com a tecnologia e sendo denominada de Alfabetização Científica e Tecnológica (ACT).

Nos cinco documentos analisados, observamos a orientação para uma flexibilidade curricular diante de variadas opções de trabalho em sala de aula, respaldadas por princípios norteadores amplos.

Apenas na BNCC encontramos o termo Letramento Científico como um compromisso a ser alcançado ao longo do Ensino Fundamental. Tal conceito presente nesse documento vai ao encontro do que já mencionamos nesse trabalho: entendemos por letramento a condição social atingida pelo indivíduo ao dominar a leitura e a escrita. É o uso da leitura e da escrita em seu contexto social. Em conexão com o que Chassot (2016) nos apresenta, o indivíduo letrado desenvolve um senso crítico aguçado e será capaz de atuar no mundo de forma consciente, melhorando o lugar onde vive.

Flôr e Trópia (2018) analisam o discurso presente na BNCC e interpretam que o conceito de Letramento Científico presente no documento encontra-se de forma autoritária, ao silenciar opiniões diferentes sobre esse termo. Ou seja, a forma com que a BNCC apresenta o termo Letramento Científico parece ser a única, desmerecendo outras leituras sobre o assunto.

Com relação aos aspectos curriculares observados para o Ensino Fundamental, temos, nos dois primeiros documentos (DCN e DCM), uma organização curricular bem definida, porém ambos enfatizam a importância da interdisciplinaridade na escola. Os outros dois documentos, por terem um aspecto mais específico, apresentam orientações gerais, sem se deterem a delimitações disciplinares, pois um trata do ciclo de alfabetização (Direitos de Aprendizagem) e outro trata do ensino de Ciências (Caderno de Ciências da Natureza no Ciclo de Alfabetização do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa). Para o documento Direitos de Aprendizagem, destacamos o caráter lúdico das aulas e o conhecimento acerca do mundo físico e social como pontos relevantes e ligados a abordagem CTSA. No Caderno de Ciências da Natureza no Ciclo de Alfabetização do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, destacamos a presença do conceito de Alfabetização Científica, o que consideramos relevante para a prática do docente em sala. Na BNCC, a estrutura curricular é bem geral e divide-se em unidades temáticas para cada componente curricular apresentado. A Educação Integral é bastante enfatizada nesse documento, com o objetivo de considerar aspectos biológicos, psicológicos, sociais e emocionais dos estudantes, além de englobar aspectos como autonomia, respeito à diversidade e Direitos Humanos, considerando os alunos como indivíduos com participação ativa na escola, aspecto que também se aproxima da abordagem CTSA.

Sobre o currículo para os anos iniciais, as DCM e os Direitos de Aprendizagem apresentam eixos temáticos para o trabalho com Ciências, o que consideramos norteador para o trabalho interdisciplinar na escola, como o desenvolvimento de projetos na escola que englobem as várias disciplinas. As DCN e os Direitos de Aprendizagem incluem a orientação de trabalho com textos de disciplinas diversas para um trabalho de leitura e escrita, enquanto o documento Caderno de Ciências da Natureza do PNAIC enfatiza a importância do trabalho de Ciências envolvendo a abordagem Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA). A BNCC cita rapidamente a importância da relação Ciência e Tecnologia para a formação de um cidadão crítico, sem apresentar, especificamente, o eixo CTSA. O documento aponta, ainda, para ludicidade na aprendizagem e articulação entre a sistematização das experiências vividas nessa etapa da Educação Básica, com o desenvolvimento de novas formas de se relacionar com o mundo (usos sociais da Linguagem e da Matemática, a afirmação de identidade diante do coletivo e a valorização das diferenças). Para a BNCC, os interesses das crianças devem orientar o trabalho escolar, porém o documento orienta, como foco para os dois primeiros anos do Ensino Fundamental, a alfabetização (leitura e escrita na língua materna).

Flôr e Trópia (2018) apresentam críticas à BNCC sob outras óticas: a adequação do documento aos interesses de organismos internacionais que priorizam as ideias de avaliações de larga escala (para quantificação de rendimentos de discentes e de docentes) e responsabilização dos profissionais de educação, além de apresentar discurso silenciador de sujeitos envolvidos com a educação e de ausência de subsídios para o entendimento do que se espera para o ensino de Ciências.

A análise documental traz a possibilidade de um comparativo com o que encontramos nos documentos oficiais e o que encontramos na realidade escolar. Assim, no geral, os documentos apresentam-se com fundamentos bastante abrangentes e essenciais, como os de interdisciplinaridade, desfragmentação curricular, ludicidade, eixo CTSA, Alfabetização Científica e formação crítica, cidadã e global.

Defendemos a interdisciplinaridade com o entendimento do trabalho CTSA atrelado aos conceitos de transdisciplinaridade e transversalidade em um enfoque investigativo e reflexivo, perpassando, assim, as questões sociais, éticas, econômicas e ambientais (SILVA; MORAES; FECHINE, 2013). Ressaltamos, ainda, que se faz necessário coragem para obtenção de mudanças curriculares interdisciplinares nas escolas em geral (CHASSOT, 2013).

Em relação à desfragmentação curricular, defendemos a superação da visão fragmentada e linear dos conhecimentos, para integração do homem com a sociedade e com o meio ambiente. Além disso, a simples transmissão de conteúdos das disciplinas restringe demasiadamente o ensino (SOUSA; MOURA; CARNEIRO, 2013; MORIN, 2003).

Apresentamos o eixo CTSA nas aulas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, quando integra Alfabetização Científica e Tecnológica com a sociedade e com o ambiente, contribuindo para desmistificação de visões fatalistas e ingênuas da realidade e para leitura de mundo, para além da leitura das palavras e contribuindo para a formação crítica do educando (AULER; DELIZOICOV, 2001).

Apesar dos documentos analisados defenderem uma Alfabetização Científica encharcada desses conceitos – interdisciplinaridade, desfragmentação curricular, ludicidade e eixo CTSA –, devemos observar constantemente se a realidade escolar se distancia ou se aproxima do idealizado nos documentos oficiais e nos textos científicos.

CONSIDERAÇÕES CONSTRUÍDAS

Diante das análises realizadas dos documentos oficiais sobre os anos iniciais do Ensino Fundamental, consideramos que os documentos Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental do Sistema Público Municipal de Ensino de Fortaleza – DCM – (TEIXEIRA; DIAS, 2011a e 2011b) e Caderno de Ciências da Natureza no Ciclo de Alfabetização do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (BRASIL, 2015) apresentam-se de forma democrática em relação à distribuição de conteúdos nos currículos escolares, ou seja, uma carga horária mais igualitária, sugerindo o trabalho escolar em torno da abordagem CTSA, para um ensino cidadão e global que propicie a formação de sujeitos conscientes de seus direitos e deveres e que respeitem o meio ambiente. É possível que tais documentos sejam bem aceitos pelos professores, por se aproximarem mais da realidade escolar, com sugestões de atividades mais diretas para uso mais simplificado pelos professores. O Caderno de Ciências da Natureza no Ciclo de Alfabetização do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (BRASIL, 2015) se configura com uma proposta diferenciada, ao apresentar artigos científicos seguidos de sugestões de atividades relacionadas às Ciências.

Os documentos Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica – DCN – (BRASIL, 2013) e Direitos de Aprendizagem (BRASIL, 2012) se apresentam com textos ambíguos, que ora sugerem um trabalho de formação cidadã, de divisão democrática das disciplinas, de respeito ao meio ambiente, de inserção da abordagem CTSA de forma interdisciplinar e de reconhecimento das crianças como seres sociais; ora sugerem priorização e foco na leitura e escrita da língua materna.

A BNCC (BRASIL, 2018b) aborda a importância da formação em Ciências e tecnologias, porém sem se deter ao conceito CTSA, como também sem trazer a questão interdisciplinar como foco. A apresentação dos componentes curriculares (disciplinas) encontra-se de forma antidemocrática, priorizando-se as orientações para a Língua Portuguesa. No documento, também surge ambiguidade no texto, uma vez que, ao mesmo tempo em que o documento nos propõe a formação crítica e integral dos alunos, também propõe o foco na leitura e escrita da língua materna.

O documento oficial Caderno de Ciências da Natureza no Ciclo de Alfabetização do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa é uma alternativa de trabalho para as formações continuadas em relação ao ensino de Ciências, pois apresenta o conceito de Alfabetização Científica e sugestões interessantes para a realização do trabalho docente nas escolas. Esse documento faz parte de um programa nacional de incentivo à alfabetização - PNAIC (BRASIL, 2017). O uso desse material nas formações continuadas dos professores é defendido na nossa concepção, pois consideramos que se trata de um documento com contribuições que se aproximam da realidade escolar. Além disso, o documento põe as Ciências em local democrático diante das demais disciplinas, em prol de uma formação global do estudante além de apresentar sugestões de atividades lúdicas e aplicáveis para os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Portanto, observamos ambiguidades nos textos oficiais em um cenário de cobranças externas e internas à instituição escolar, que impedem um processo de formação global do aluno e que viabilizam, por vezes, apenas a mecanização do ensino-aprendizagem. O sistema atual de educação no Brasil encontra-se orientado por indicadores construídos pelas avaliações de larga escala, que interferem diretamente no trabalho docente em sala de aula. Dessa forma, os docentes se situam em um sistema contrário às suas convicções e que, muitas vezes, as cerceiam através de formações continuadas que não democratizam a diversidade de disciplinas sugeridas pelos documentos oficiais. Portanto, a Alfabetização Científica é prejudicada pelo pouco tempo que os professores têm disponível para trabalhar conteúdos de Ciências em um currículo não inspirado em documentos oficiais e construído com o objetivo de atender as prioridades de políticas públicas externas que, muitas vezes, são estranhas ao ambiente escolar e suas especificidades (ARAÚJO, 2017).

Assim, sugerimos que o ensino de Ciências seja mais valorizado nas escolas por meio de políticas públicas que atendam aos cursos de formações de professores, pois acreditamos que as Ciências são estimuladoras de uma formação de cidadãos críticos e conscientes nos âmbitos social, histórico e de convívio com outros seres. Tal formação propicia mudanças sociais e ambientais no mundo, pois se trata também de uma formação global e de um trabalho interdisciplinar com a contribuição de textos de Ciências no aprendizado de leitura e escrita para a formação cidadã.

Scientific literacy in the early years of elementary school: what the official documents tell us

ABSTRACT

This work aimed to investigate the conceptions of Scientific Literacy in 5 official documents, seeking to reflect on the importance of this formation in the life of students as planetary citizens. Taking as a starting point the question: how is the term Scientific Literacy addressed in official education documents based on the pedagogical guidelines of the documents themselves?, a qualitative research was carried out based on the analysis of documents considered as guiding principles of the teacher training,. The analyzes carried out indicate ambiguities in the official texts in a current context of external and internal collections to the school, through large scale evaluations. In the same sense, sometimes the documents suggest the democratization of the teaching of the various disciplines in an interdisciplinary way, sometimes suggest the prioritization of Portuguese and Mathematics teaching for the first years of Elementary School. One of the documents about Natural Sciences in literacy at the right age shows itself as a good alternative work for continuing training in science education, conceptualizing scientific literacy and bringing suggestions for teaching practice. We suggest, therefore, a higher appreciation of Science Teaching through public policies that attend the courses of teacher training, since we defend that the sciences are precursors of a citizen, social, historical and human formation for the student.

KEYWORDS: Scientific Literacy. Early years of Elementary School. Official Educational Documents.

NOTAS

1 Fonte: http://intranet.sme.fortaleza.ce.gov.br/index.php/ensino/category/63-expectativas-de-aprendizagem?download=752:expectativas%20de%20aprendizagem

2 A interdisciplinaridade é considerada uma abordagem epistemológica que questiona o currículo fragmentado e linearizado em disciplinas não comunicantes. A transversalidade, no mesmo sentido, aparece como um recurso pedagógico que favorece a compreensão crítica da realidade pelo aluno, por meio do desenvolvimento de temas transversais e da participação das várias disciplinas do currículo de forma harmonizada. Tais conceitos transpõem conceitos de gênero, sexo, classe e religião. E surgem de forma política e anti-individualista no ambiente escolar (MORAES, 2005).

3 A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) apresenta do 1º ao 5º ano como os anos iniciais do Ensino Fundamental e do 6º ao 9º ano como os anos finais.

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Recebido: 15 ago. 2019

Aprovado: 16 out. 2019

DOI: 10.3895/actio.v4n3.10428

Como citar:

ARAÚJO, M. A. O. A. de; LEITE, R. C. M. Alfabetização científica nos anos iniciais do ensino fundamental: o que nos dizem os documentos oficiais. ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 3, p. 165-184, set./dez. 2019. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX

Correspondência:

Maria Alina Oliveira Alencar de Araújo

Rua Pedro Cabral, n. 1131, Parque Presidente Vargas, Fortaleza, Ceará, Brasil.

Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0 Internacional.

 

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– Estudo e ensino – Periódicos. 6. Matemática – Estudo e ensino – Periódicos.
I. Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Programa de Pós-graduação
em Formação Científica, Educacional e Tecnológica.

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