Desenvolvimento local a partir da participação comunitária RESUMO Iala Serra Queiroz iala.queiroz@gmail.com Universidade do Estado da Bahia, Salvador, Brasil. Luciane Cristina Ribeiro dos Santos lu.ribeirocrs@hotmail.com Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, Brasil. O presente artigo tem como objetivo contribuir para reflexão sobre o processo de desenvolvimento local, a partir da participação comunitária nos bairros populares do Cabula e entorno mapeados pelo projeto Turismo de Base Comunitária da Universidade do Estado da Bahia (TBC-UNEB). Traçando um panorama histórico da crise ambiental e a discussão estabelecida no cenário internacional no esforço para a elaboração das políticas públicas. Neste trabalho, buscou-se mapear os conflitos socioambientais desta região, tendo como instrumentos metodológicos as rodas de diálogos, as visitas técnicas, e as vivências espontâneas dentro dos bairros. Como resultado, foi perceptível que a comunidade e os grupos sociais estão dispostos a iniciar um diálogo que promova a percepção dos conflitos socioambientais e, a partir disso trazer essa discussão para seus projetos, pautas e ações. Outro ponto de relevância é a questão do lixo, o qual é muito presente nestas discussões, porém quando se parte para a reflexão sobre o modo de produção e consumo pouco se observou nas proposições, concluindo que o processo de desenvolvimento local só se efetuará quando o pensamento alternativo envolver um conjunto de elementos, como por exemplo: a auto-gestão, autonomia e emancipação social desvinculado das questões capitalistas. PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento Local. Conflitos Socioambientais. Diálogo. INTRODUÇÃO Os ajustes macroeconômicos efetuados principalmente na década de 80 impuseram altos custos sociais para toda a sociedade, principalmente a sociedade Latina Americana. Isso gerou uma ampliação da pobreza, o aumento do desemprego e endossou a falta equânime da distribuição de renda travando a promoção do desenvolvimento. Nesse conjunto de fatores sociais negativos é imprescindível pensar na problemática ecológica com a visão de que mudanças apenas serão visíveis se houver um redirecionamento de forças para reequilibrar o ambiente natural e social, com vista na promoção da qualidade de vida de diversas formas de existência, e essas forças são engendradas no âmbito do exercício da cidadania por meio da ampla participação social no plano local. Estas assertivas se justificam na medida em que as ações promovidas pelo capital “em prol” do interesse coletivo, bem como ações ligadas aos diversos setores da sociedade implicam em um grande desequilíbrio ambiental, como é o caso de grandes obras imobiliárias em locais de mata densa, construções de hidroelétricas das quais trazem prejuízos ambientais e sociais, outro exemplo são as implementações de grandes fábricas multinacionais em regiões consideradas de preservação ambiental que trazem profundas e até irreversíveis mazelas socioambientais. Assim, podemos citar inúmeros casos que causam desarranjos ecológicos, uma vez que gera direta e indiretamente a poluição do solo, da atmosfera, a poluição dos rios e mares e os desmatamentos de florestas, deslocamento de famílias, amplia o movimento das migrações climáticas. Assim, foi abordado por este artigo o contexto histórico e a importância da formação da cidadania ecológica na qual perpassa pela mudança de comportamentos diante desse novo contexto emaranhado, que foi criado por nós e, portanto, só nós podemos achar o caminho que nos levará ao processo reverso da atual e histórica crise ambiental. Logo após se faz uma análise de como o mundo mudou o seu posicionamento, até então focado nos assuntos de guerra e nacionalismo para direcionar suas forças em temas sociais, como direitos humanos, pobreza, questões de gênero e meio ambiente, sendo esse último nosso principal foco de discussão, embora não se perca de vista que a questão ambiental é transversal aos temas citados. Com esse objetivo, utiliza-seum conjunto de pensamentos interligando autonomia (FREIRE, 1987), teoria da complexidade (MORIN, 2003), conceito de sujeito ecológico (CARVALHO, 2006), modelos dominantes e contra-hegemonia (SANTOS, 2011),racionalidade ambiental (LEFF, 2006), espaços simbólicos (BOURDIEU, 2011). A base do estudo é evidenciar os conflitos socioambientais existentes no bairro Cabula e entorno, localizado no município de Salvador-Bahia, e, pensar no coletivo, de que maneira as comunidades participam dos processos de engajamento, compromisso e responsabilidade socioambiental e quais benefícios são gerados para as próprias comunidades tendo em vista uma sociedade em transição, uma cultura de paz e de sustentabilidade. O estudo busca apontar alternativa para gerir a crise ambiental, o processo da autogestão comunitária e participação social que prioriza o local uma vez que é nesse espaço que os grupos se organizam para exercerem influência nas decisões concernentes a eles mesmos, e essas decisões implicam numa participação sobre os bens naturais, econômicos, políticos e culturais(LITTLE, 2002). Foi escolhido como espaço de estudo e vivência, os bairros populares do Cabula e entorno mapeados pelo projeto Turismo de Base Comunitária da Universidade do Estado da Bahia (TBC-UNEB). Figura 1- Demarcação Espacial dos Bairros da Poligonal de Estudo do Projeto de Turismo de Base Comunitária - TBC Fonte: SANTOS et.al. (2015) CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIOAMBIENTAL Por séculos, os estudos políticos e filosóficos nos auxiliaram a pensar que o que torna o homem um sujeito político é a sua capacidade de participar das decisões políticas oriundas da sociedade. O não participar implica no inútil conformismo que estanca uma gestão democrática e cidadã, pois dão espaço para que outros, muitas vezes mal intencionados, respondam pela coletividade, acarretando enormes danos para toda a sociedade. “[...] a omissão de muitos impede que se tenha um sistema democrático.” (DALLARI, 1999). Em se tratando de cidadania ecológica esse argumento é procedente. Não adianta pensar em gestão democrática dos recursos naturais e de toda questão social que envolve este tema, sem a inclusão e participação de todos no processo. Muitas vezes as discussões ficam isoladas e isso não ressoa, não ganha vida, não possui capilaridade, uma vez que os sujeitos não conseguem se enxergar como co-participantes, assim é propósito deste estudo sair do âmbito macro/global, sem se desprender totalmente,e, passar a enxergar a dinâmica local como uma das principais estratégias de criar possibilidades para reverter a crise ambiental, que antes de tudo é uma crise de valores sociais e humanos. Com o término da Guerra Friaem meados de 1980, o mundo passou a direcionar sua visão para temas até então não abordados na seara internacional. Temas esses concernentes a fome e a pobreza nos países subdesenvolvidos, direitos humanos, igualdade de gênero, crescimento populacional, migrações, aquecimento global, ameaças nucleares, erosão dos solos, desertificação, os conflitos políticos e étnicos, mudanças climáticas, falta de planejamento e gestão no processo de urbanização, ausência de políticas públicas que contemplem problemas social, ambiental, econômico, bem como a degradação ambiental. Esse último teve grande atenção dos estadistas e dos movimentos sociais, que passaram a estabelecer critérios/formas de como equacionar o problema da poluição dos oceanos e rios, destruição das florestas, extinção da fauna e flora, demanda por água potável, rarefação da camada de ozônio, uso indevido dos agrotóxicos, etc. Conceitos como crescimento zero e desenvolvimento sustentável embalaram essas discussões. Os avanços do processo industrial e da agricultura agro-exportadora, por estarem ancorado na ordem capitalista desprezam a relação entre o homem e natureza. Devida as intensas pressões sociais o mundo foi compelido a sereunir para discutir, dialogar e propor soluções concernentes a proteção do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida. A Organização das Nações Unidas (ONU) realizou várias conferências para discutir e propor soluções para os desmandos ambientais. A reunião, intitulada de Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) – ou Cúpula da Terra (1992), e mais conhecida como Rio 92 – trouxe de volta as esperanças perdidas no contexto de grande degradação ambiental e perda de valores humanos. Portanto, o encontro foi desenhado conforme as necessidades de se criar políticas públicas concernentes a continuação do programa desenvolvimentista dos Estados, porém baseado no modelo sustentável. Nesse formato, a Eco-92 teve como objetivo a criação de estratégias de combate aos danos causados ao meio ambiente – foi o espaço onde essas demandas ambientais tiveram papel de destaque, uma vez que, o mundo iniciou um processo lento, porém continuo de mudança de paradigma civilizacional, cuja mola mestra se fundamenta em uma boa e legítima governança ambiental. Segundo o balanço feito por Philippe Le Prestre: A conferência mobilizou praticamente o mundo inteiro. Reuniu 178 países, oito mil delegados, dezenas e OIGs, três mil representantes de ONGs credenciadas, mais de mil ONGs num fórum paralelo, nove mil jornalistas. [...] Se cada um tirou do evento uma opinião própria, todos estavam conscientes de que viviam um momento de grande simbolismo e que ninguém poderia verdadeiramente predizer a dinâmica que o evento engendraria. (PRESTRE, 2000, p. 201) A Eco-92 surgiu como um espaço onde foram postas todas as esperanças, expectativas e perspectivas de um mundo cujo olhar fosse direcionado para as questões ambientais, transversalizando os seus diálogos e práticas, uma vez que foi nesse encontro que se viu pela primeira vez na história mundial a reunião de líderes estatais, sociedade civil organizada, movimentos sociais, empresas e governos locais juntos, unindo forças para assegurar a proteção do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida, numa atmosfera estruturada na coexistência pacífica, onde todos os atores se reconheciam como peças chaves do grande problema que estava sendo abordado. Foi nesse momento, também, que se viu a ruptura do mainstream das relações internacionais cujos temas fugiam da lógica realista de guerra e nacionalismo – o que podemos chamar de sistema vestfaliano calcado na soberania dos Estados Nacionais – para emergir novos temas ligados aos direitos humanos, questões de gênero e etnia, meio ambiente e dentre outros de caráter social e com ampla democracia, temas esses citados anteriormente. Vinte anos após a Eco-92 realizou-se a Rio+20 (2012) com os seguintes temas: economia verde e erradicação da pobreza, cujos resultados não trouxeram nada de significativo para o combate a crise ambiental, só veio para confirmar que a auto-gestão comunitária se mostra, mais uma vez, como uma valorosa e concreta saída para os problemas socioambientais. PARTICIPAÇÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO CONTEXTO CABULA E ENTORNO Pensar a região do Cabula como espaço que abrange o potencial ambiental do remanescente de mata atlântica é pensar com as forças produtivas socioeconômicas se articulam em torno deste ecossistema para reproduzir um desenvolvimento engendrado numa política econômica capitalista que torna os bens da natureza em meros recursos materiais naturais prontos para serem manipulados e transformados em produtos a serviço da sociedade. O espaço geográfico é um espaço de disputa onde as relações sociais se estabelecem. Os conflitos socioambientais vivenciados na região do Cabula se configuram como conflitos corolários do período da modernidade, que tem como característica a colonização, a conquista de territórios, a integração econômica entre as Nações, a globalização, as políticas neoliberais responsáveis pelo aprofundamento das desigualdades sociais, a destruições dos espaços de produção e reprodução de culturas, a retirada agressiva dos recursos naturais, a lógica desenfreada de produção e consumo disseminadas pelos mercados que geram degradação ambiental, escravizam pessoas com a exacerbação do consumo, minimiza a qualidade de vida e transforma tudo em mercadoria. Outro aspecto importante para ser registrado enquanto conflito socioambiental é a relação que estabelecemos com o nosso modo de produção e consumo. Em muitos espaços educativos notamos que a temática do lixo aparece como o principal problema a ser enfrentado tanto pelos moradores do bairro, pela comunidade escolar quanto peloscomerciantes, no entanto pensar no descarte sem refletir no modo de produção que estamos inseridos e que o mundo adotou para si,corremos o risco de cairmos numa grande armadilha, que é não termos sensibilidade de pensarmos nas alternativas de produções baseadas num projeto contra-hegemônico (SANTOS, 2002)quepode auxiliara desmitificar que o capitalismo não é o único núcleo central de produção. Uma saída é pensarmos na auto-gestão comunitária que está diretamente ligada aos enredos da economia solidária. Voltando ao conflito lixo, os moradores do Beiru, bairro que abrange a poligonal do TBC, apontam esse conflito como o mais preocupante. Para eles é histórico o lixo que fica em frente ao Colégio Estadual Zumbi dos Palmares. Os moradores já o denominam como patrimônio do bairro, de tão permanente que ele é, o tanto que ele altera a paisagem do local. Diante disso, quais seriam as alternativas para esta problemática? Segundo eles é quase inviável retirar o lixo deste local. Onde iremos colocá-lo, afirma os moradores? Trazendo para reflexão, porque os pontos de lixo são em muitos casos em frente às escolas públicas? Qual é nossa relação com esses espaços? Onde está a raiz da questão? O que vem antes do lixo? Como está nossa relação com o consumo? Essa é mais outras questões estão sendo dialogadas com as comunidades do Cabula e entorno numa proposta de criar um espaço de discussão onde essas questões possam ser mais bem debatidas para vislumbramos possíveis soluções. Essa relação dialética e conflituosa entre o homem e o uso que ele faz do seu meio ambiente representa também um fator de transformação socioambiental. Não estamos fazendo campanha a favor da violência, pelo contrário, conflito não é violência. Conflito significa oposição de interesses, sentimentos, ideias e é inerente ao ser humano e suas múltiplas relações. Violência é um ato depredador, agressivo, que causa dor, transtorno e fere o outro com espinhos vis. Se existem conflitos, existem espaços onde eles são discutidos, dialogados com o objetivo de produzir consensos e até mesmo dissensos. Trazendo essa reflexão para a cultura de paz, pode-se afirmar que ela não contribui para romper com o conflito, abafar as discordâncias, "violar" a dialética, mas sim ela surge para romper com os processos violentos que causam danos físicos, morais, sociais, culturais, simbólicos e econômicos aos seres humanos e os elementos não-humanos. Assim Leff (2006), afirma que: A resolução dos problemas ambientais, assim como a possibilidade de incorporar condições ecológicas e bases de sustentabilidade aos processos econômicos – de internalizar as externalidades ambientais na racionalidade econômica e os mecanismos do mercado – e construir uma racionalidade ambiental e um estilo alternativo de desenvolvimento [...]. (LEFF, 2006, p. 111) Esta racionalidade ambiental perpassa por questão políticas, sociais, econômicas e culturais, portanto é um processo político social que entra no espaço de disputa em oposição aos padrões tecnológicos vigentes, as práticas exacerbadas do consumo, o crescimento econômico das grandes empresas, busca daí gerar alternativa de desenvolvimento, criação de nova forma de organização produtiva que está a serviço de solucionar os problemas socioambientais, “[...] no sentindo mais crítico e propositivo, a questão ambiental orienta-se para a construção de uma nova racionalidade produtiva, por meio de processos políticos de conserto e mobilização de um conjunto de processos sociais”. (LEFF, 2006, p. 112). Esta nova racionalidade produtiva precisa estar diretamente relacionada a questão da autonomia e emancipação dos sujeitos que são os elementos, a amálgama fundamental para o funcionamento do desenvolvimento local. Mas que de maneira, os sujeitos moradores dos bairros populares do Cabula e entorno podem alcançar a autonomia e a emancipação? Quais seriam os mecanismos alternativos de enfretamento dos conflitos socioambientais, que por sua vez perpassam pela dinâmica da produção e por fim no desenvolvimento local? Qual desenvolvimento local que queremos? Este desenvolvimento se afina com o conceito de desenvolvimento sustentável? O que está em jogo não é só a capacitação de suporte dos recursos naturais, mas acima de tudo como as pessoas, dentro do contexto Cabula se engajam na luta pela qualidade de vida do ponto de vista ambiental, social, econômico, político e cultural. A problemática ambiental é acima de tudo uma problemática social e como tal é preciso ser enfrentada com instrumentos de percepção reflexiva das ações coletivas, e isso requer uma educação que possibilite o diálogo – a participação crítica e interferências nos processos políticos defendida por Freire (1999) como forma de sabedoria do povo. Paulo Freire, em Pedagogia da Autonomia (1987), nos revela a busca pela humanização que fora roubado do ser. O autornos acena a lutar pela humanização, pelo trabalho livre e pela autonomia. Pedro Demo (2002) em Educação pelo Avesso: Assistência como Direito e como Problema,inicia sua busca na definição do conceito de participação, segundo o qual pressupõe um ato de conquista, que por sua vez constitui-se como competência política. Neste raciocínio, há uma contextualização sobre o papel da assistência como direito, e, a assistência como manipulação de classes ligada à questão do assistencialismo. Dessa forma, ao invés de criar condições para que as pessoas se emancipem e saiam da condição de ser gestado, ajudado e pensado por um sujeito externo, cria-se um contexto de dependência e exclusão. Segundo o autor: No pano de fundo desta discussão está a questão da pobreza política, reconhecida hoje até mesmo em ambientes neoliberais como a questão social mais dura. Garantir a sobrevivência das pessoas é direito radical decisivo, mas ainda mais relevante que isso é gestar a competência política de saber garantir a sobrevivência com as próprias mãos. (DEMO, 2002, p.33) A pobreza política alimenta a opressão, o domínio e a subordinação do sujeito. O autor vai mais fundo quando afirma que o “[...] pobre, mais que tudo, não é quem é destituído de ‘ter’, mas de ‘ser’.” (DEMO, 2002, p.33). A questão do ser se coloca em evidencia o direito de ter vontades próprias, de ter autonomia, de ter emancipação seja econômica, social ou política. É ser visto dentro da sociedade como sujeito capaz de criar sua própria história. Assim, “[...] a carência material continua importante indicador de pobreza, mas ainda mais decisiva é a incapacidade de gestar suas próprias oportunidades”. (DEMO, 2002, p.35). Segundo o autor, o processo de emancipação do sujeito se dará pela via da educação. É com educação que se elabora a consciência crítica e a ideia de pertencimento do sujeito. A necessidade de aperfeiçoar a gestão democrática, e, por consequência ampliar o debate em torno das questões socioambientais geograficamente se orientam por meio da participação de grupos civis organizados ou indivíduos mobilizados pela luta, pelo sonho, pela solidariedade. A partir dessa premissa Santos (2005)nos chama a revisitar o conceito de espaço público: A esfera pública e espaço público são muitas vezes utilizados como sinônimos. [...] A esfera pública pode ser entendida como um campo relacional mais amplo e situado entre a esfera privada, o Estado e o mercado. Essa esfera não possui forma definida, sendo mais uma interseção. Já o espaço público designa a existência de instâncias mais específicas, destinadas a tratar de determinados temas colocados em pauta na esfera pública. Assim, o espaço público está contido na esfera pública de maneira particular e pode assumir formas mais definidas, como conselhos, fóruns, câmaras, comitês, redes, entre outras instâncias. (SANTOS, 2005, p. 55-57) Pierre Bourdieu (2011) toma esses lugares como espaços simbólicos de representação. Os conselhos, comissões, comitês são divididos por segmentos (sociedade civil, povos e comunidades tradicionais, poder público e poder econômico). Ainda para Bourdieu (2011) não são classes no sentido marxista, mas grupos organizados e mobilizados, em determinados momentos por objetivos comuns eoutros por objetivos díspares. Essas divisões construídas pelos sujeitos sociais se configuram com base na cooperação e no conflito, não podendo ignorar as contradições existentes entre os espaços e suas relações. (BOURDIEU. 2011) Para constituir uma inter-relação entre os espaços apoiados em diversos significados em uma expressão polissêmica (TASSARA, 2005), toma-se como requisito “[...] o ato de desvelar, retirar o véu, aquilo que oculta fatos e objetos, ações expressas em palavras, imagens, sentidos e interpretações que os comunicam.” (TASSARA, 2005, p. 204). Nesse sentido, a Educação Ambiental (EA) crítica supera a relação dicotômica entre sujeito e objeto, humaniza os espaços representativos/deliberativos colocando-os em posições de relação mútua formando processos de aprendizagens complexos e inter-relacionados(MORIN, 2003). A relação entre educação e participação social tendo como um terceiro elemento a Educação Ambiental são aportes que nos auxiliam a compreender a relação sociedade e natureza para termos mais instrumentos para intervir nos problemas e conflitos ambientais (CARVALHO, 2006). Assim a EA assume uma postura mais ampla que perpassa pela educação para a cidadania, consolida a ideia de sujeitos atuantes na luta pelos direitos sociais e pela qualidade de vida, nos auxilia a pensarmos em soluções criativas, motivadoras e pacíficas do ponto de vida da cultura de paz. Outros elementos importantes nesta seara são os princípios da alteridade e do diálogo uma vez que esses processos trás a valorização do ser, humaniza as formas de produção, dar voz aos grupos comunitários formando-os enquanto “sujeitos ecológicos” (CARVALHO, 2006),rompe com o monopólio dos poderes semânticos dos discursos, gera múltiplas interpretações e criações argumentativas dentro das próprias comunidades. Reconstrói a história, eleva a subjetividade criativa dos envolvidos e os conduzem para o fortalecimento do diálogo crítico e emancipatório. Para Freire (1987), a palavra verdadeira é práxis que caminha para a transformação do mundo. CONSIDERAÇÕES Pensar num modo alternativo de gerir nossos bens naturais aliados com os aspectos, econômicos, políticos, educacionais, sociais, culturais e ambientais é pensar de como o local pode ser o espaço ideal de fomentar práticas pautadas na cooperação, na solidariedade, no comércio e consumo justo, no uso adequando do espaço ambiente. Assim, o presente artigo não tem a pretensão de esgotar essa discussão nem tão pouco afirmar que essas práticas são as únicas capazes de alavancar o desenvolvimento local das comunidades dos bairros populares do Cabula e entorno. Mas acima de tudo, aintenção foi abrir o diálogo para percepçãodeque os conflitos socioambientais precisam ser evidenciados e posto na pauta dos movimentos sociais que atuam nesta região. Ao longo dos estudos e vivências são descortinadospreconceitos, juízos de valores para afirmação com maturidade que os movimentos sociais que atuam no Cabula e entorno possuem capacidade de diálogo e enfrentamento de conflitos convergentes com outros segmentos.Conforme apontado por Boaventura de Souza Santos, a crise dos modelos dominantes é a síntese de uma pluralidade de condições teóricas e práticas. Nesses espaços se lidam com diferenças, interesses políticos e econômicos, diversidade linguística pela dominação dos discursos. Entende-se que assimé possível com participação social enfrentar os conflitos socioambientais em busca da cultura de paz. Local development from the community involvement ABSTRACT This article aims to contribute to reflection on the local development process, from the community participation in the popular neighborhoods of Cabula and mapped around the project Community-Based Tourism of the University of the State of Bahia (TBC-UNEB). Charting a historical overview of the environmental crisis and the discussion established on the international stage in the effort for the development of public policies. In this work, we sought to map the socio-environmental conflicts in this region, with the methodological tools of the dialogues wheels, technical visits, and spontaneous experiences within the neighbor hoods. As a result, it was notice able that the community and social groups are willing to start a dialogue that promotes awareness of environmental conflicts, and from there bring this discussion to their projects, agendas and actions. Another relevant issue is the issue of waste, which is very present in these discussions, but when part for reflection on the mode of production and consumption little is observed in the propositions, concluding that the local development process will only be effected when the alternative thinking involve a number of factors, such as: self-management, autonomy and social emancipation detached from the capital is issues. KEYWORDS: Local Development. Socio-environmental conflicts. Dialogue. REFERÊNCIAS BANDEIRA, Pedro. Participação, Articulação de Atores Sociais e Desenvolvimento Regional. Disponível em: . Acessado em: 18 ago 2009. BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: Sobre a Teoria da Ação. 11. ed. Papirus, Capinas, SP, 2011 CÂNDIDO, G. A. A Formação de Redes Interorganizacionais como Mecanismo para Geração de Vantagem Competitiva e para Promoção do Desenvolvimento Regional: O Papel do Estado e das Políticas Públicas neste Cenário. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2009. CARVALHO, I. 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