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ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 30-47, mai./ago. 2019.
http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
Paradoxos falsídicos: os primeiros
enfrentamentos do conceito de infinito no
contexto da ciência matemática
RESUMO
Gisele de Lourdes Monteiro
E-mail: giselemonteiro@icloud.com
Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (UNESP), Rio Claro, São
Paulo, Brasil.
Fabiane Mondini
E-mail: fabiane.mondini@unesp.br
http://orcid.org/0000-0003-4975-6637
Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (UNESP), Guaratinguetá,
São Paulo, Brasil.
fulano@gmail.com
orcid.org/0000-0001-8327-9147
Instituição (SIGLA), Cidade, Estado, País
Beltrano de Tal
beltrano@gmail.com
orcid.org/0000-0001-8327-9147
Instituição (SIGLA), Cidade, Estado, País
O artigo apresenta resultados de uma pesquisa teórica que objetivou estudar o infinito e a
relação deste conceito matemático com os paradoxos falsídicos a partir de exemplos dados
por Zenão, contrários a concepção atomista de tempo e espaço. Mais especificamente,
estudamos os paradoxos da Dicotomia, de Aquiles, que argumentam contra a hipótese de
o espaço ser dividido infinitamente. Investigamos, também, os paradoxos do Estádio e da
Flecha, que contradizem a hipótese do espaço ser dividido infinitamente e questionam a
possibilidade de um segmento ser formado por uma quantidade infinita de divisões.
Embora, na atualidade, estejamos acostumados a lidar diariamente, mesmo que de modo
intuitivo, com a ideia de velocidade e movimento, esses são, sem vida, conceitos
abstratos e deve-se a isso a importância dos paradoxos de Zenão: por expor um primeiro
pensar sistemático sobre o assumo. O paradoxo da Flecha e o do Estádio são de fato reais
se o tempo for composto por unidades mínimas indivisíveis e o espaço por pontos discretos.
Em contrapartida, se tempo e espaço forem considerados contínuos, surgem os paradoxos
da Dicotomia de Aquiles. Dessa forma, Zenão cerca por todos os lados a ideia de movimento
e de velocidade, mostrando controvérsias contundentes que por vezes passam
despercebidas aos olhos acostumados a observar o movimento. Por meio da dialética,
partindo das premissas aparentemente consistentes e chegando a conclusões absurdas,
Zenão apresentou argumentos para provar a fragilidade dos conceitos de multiplicidade e
divisibilidade, adotados pela escola pitagórica. Esses paradoxos, fundamentados na filosofia
de Parménides, apresentavam situações para sustentar a impossibilidade do movimento,
considerando-o uma ilusão da percepção do mundo sensível e não uma verdade do mundo
inteligível, que caracteriza o ser como único, imutável, infinito e imóvel.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Matemática. História da Matemática. Infinito. Paradoxo.
ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 30-47, mai./ago. 2019.
INTRODUÇÃO
Historicamente, atribuímos aos pré-socráticos as primeiras preocupações com
o infinito. Desde sua origem, as ideias envolvendo o infinito são controversas e
causadoras de perplexidade ao pensamento humano. Considerações dessa ordem
aguçaram a curiosidade sobre o sentido de infinito para a Matemática e,
consequentemente, sobre os chamados paradoxos desta ciência, que são
elaborados a partir desse conceito, tais como os paradoxos de Zenão.
O conceito de infinito na Matemática é abstrato, contrário à intuição, bastante
complexo à compreensão humana e sempre causou um desamparo lógico para os
que se aventuraram na busca por compreendê-lo. Foi tema de intensas reflexões
filosóficas e responsável pelo surgimento de vários paradoxos ao longo da História
da Matemática. O infinito é controverso, tanto na sua forma atual, como potencial,
e é um conceito que percorre todo o desenvolvimento da Matemática, desde o
estudo dos números irracionais no século VI a.C. até os números hiper-reais do
século XXI (MACHADO; SCHUCK; WAGNER, 2013).
Muitos matemáticos se dedicaram a compreender este tema que sempre
suscitou dúvidas e questionamentos. A incompreensão do infinito gerou
problemas inexplicáveis e que permaneceram por muito tempo como desafio.
Com o objetivo de compreender o infinito nos paradoxos falsídicos, elaboramos
este texto com a intenção de apresentar uma discussão sobre a constituição desse
conceito. Trata-se de um estudo teórico, histórico, analítico e reflexivo, que por
meio da leitura atenta de outras pesquisas, discute o assunto e apresenta uma
compreensão sobre a sistematização dessa ideia ao longo da História da
Matemática.
Esclarecemos que compreendemos a história dessa ciência como uma
produção” (VALENTE, 2007, p. 34). Partimos dos rastros deixados por esse conceito
no passado e que permanecem no presente , e sobre eles nos debruçamos
para produzir conhecimento. O papel do historiador consiste em efetuar um
trabalho sobre tais traços para construir os fatos. Desse modo, um fato não é outra
coisa que o resultado de uma elaboração, de um raciocínio, de uma compreensão,
a partir das marcas do passado, segundo as regras de uma crítica (VALENTE, 2007,
p. 34).
Contudo, a história que se elabora não consiste simplesmente na explicação
de fatos. A produção da história tampouco é o encadeamento deles no tempo, em
busca de explicações a posteriori. O ofício do historiador não parte dos fatos como
um dado a priori (VALENTE, 2007, p. 34). Nossa intenção é trazer à comunidade
um estudo histórico, em que o passado não nos é dado a priori, e a história aqui
apresentada é parte de um processo interpretativo e subjetivo, que se expõe ao
diálogo com a comunidade, buscando legitimidade e validação (VALENTE, 2007, p.
36).
O CONTRASSENSO DOS PARADOXOS MATEMÁTICOS
O vocábulo paradoxo é composto, etimologicamente, pelo prefixo grego
para (contra) e pelo sufixo doxa (senso). Ou seja, um paradoxo é uma
afirmação que expressa ou parece expressar uma incoerência lógica, uma
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sequência de pensamentos que leva a um absurdo, uma ideia contrária ao senso
comum. De acordo com o dicionário de Língua Portuguesa, paradoxo “é uma
opinião ou proposição contrária ao senso comum; contrassenso, disparate. Falta
de coerência ou de lógica [...]” (MICHAELIS, 2015, s. p.), ou ainda, “certo tipo de
pensamento que contraria os princípios que costumam nortear o pensamento
humano ou desafia o conhecimento e a crença da maioria dos seres humanos
(MICHAELIS, 2015, s. p.). Segundo Abbagnano (1998), paradoxo também pode ser
definido como um sistema de crenças, contrárias a opinião da maioria.
Aristóteles, em Refutações sofísticas (cap. 12), considera a redução de um
discurso a uma opinião paradoxal como o segundo fim da Sofística (o primeiro
é a refutação, ou seja, provar a falsidade da asserção do adversário). Bernhard
Bolzano intitulou Paradoxos do infinito (1851) o livro no qual introduziu o
conceito de infinito como um tipo especial de grandeza, dotado de
características próprias, e não mais como limite de uma série. [...]. No sentido
religioso, chamou-se Paradoxo a afirmação dos direitos da fé e da verdade do
seu conteúdo em oposição às exigências da razão (ABBAGNANO, 1998, p.
742).
Ainda, de acordo com Dias (1999) em seu livro Compêndios de Matemática e
Lógica Matemática,
Paradoxo é um argumento que produz uma conclusão surpreendente, à qual
é contrária à nossa intuição. Os paradoxos podem ser classificados em
Paradoxos Verídicos (aqueles que apresentam conclusões verdadeiras) e em
Paradoxos Falsídicos (aqueles que apresentam conclusões falsas) (DIAS, 1999,
p. 53).
Como se pode perceber, as definições dadas pela filosofia, matemática e
Língua Portuguesa não estão em contradição, embora cada área apresente sua
especificidade.
No contexto deste trabalho apresentamos o termo paradoxo em sua acepção
que designa uma proposição ou crença contrária ao senso comum e à intuição.
Para efeitos didáticos, vamos utilizar a classificação adotada por Quine (1976), a
saber: paradoxos falsídicos (proposições aparentemente verdadeiras, no entanto
falsas), paradoxos verídicos (proposições aparentemente falsas, no entanto
verdadeiras) e antinomias (afirmações impossíveis de ser classificadas como falsas
ou verdadeiras)
1
.
Os paradoxos foram de suma importância para o desenvolvimento da
Matemática, pois na busca de solução para o desamparo lógico que eles causavam
é que foi desenvolvido o rigor matemático, em especial na área da lógica, bem
como muitas outras ideias matemáticas.
Para identificar um paradoxo é necessário observar características implícitas
ou explícitas do argumento que leva a uma sanção aparentemente falsa ou
inconsistente. Quando a afirmação é falsa ou incoerente, surge a necessidade de
refutá-la. Porém, nem sempre isto é imediato, haja vista que muitas vezes o
argumento é aparentemente consistente. Por exemplo, a declaração “esta
afirmação é falsa” é paradoxal, porque se a declaração for falsa é verdadeira e se
for verdadeira é falsa. Afirmações deste tipo são controversas à ideia de que não
há frases declarativas com valores diferentes de verdadeiro ou falso. Desta forma,
percebe-se que nem sempre é simples verificar que um argumento, ou conjunto
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deles, ocasiona paradoxos. Para resolver tal empasse, deve-se mostrar que o
argumento em que se baseia não é coerente, seja porque é inválido ou porque se
fundamenta em premissas falsas.
Os paradoxos falsídicos, objetos de estudo desta pesquisa, são aqueles cujos
argumentos são aparentemente consistentes, porém, nos levam a conclusões
absurdas. Dentre esses paradoxos estão os de Zenão, que partem de argumentos
a priori consistentes e chegam à conclusão inconcebível da impossibilidade do
movimento. Em suma, os paradoxos falsídicos apresentam conclusões sempre
falsas e a inconsistência se encontra em algum dos argumentos ou em alguma
inferência.
PARADOXOS DE ZENÃO
Durante o século V a.C., as ideias pitagóricas sofreram algumas críticas,
provenientes de outra corrente filosófica, fundada por Parménides
2
de Eleia
3
(515
450 a.C.). A escola pitagórica, mais direcionada para o abstrato, afirmava que o
número, em toda a sua pluralidade, era o constituinte básico de todos os
fenômenos. Este conceito atomístico de número, representado pelos números
figurativos, foi fortemente questionado pelos seguidores da escola eleática. “O
artigo de básico dos eleáticos era a unidade e permanência do ser, visão que
contrastava com as ideias pitagóricas de multiplicidade e mudança” (Boyer, 1996,
p. 51). Zenão de Eleia, um dos discípulos mais conhecido dessa escola, escreveu
um livro contendo 40 paradoxos sobre a impossibilidade do movimento. Essa obra
foi perdida, mas seu trabalho foi transmitido para outras escolas, principalmente
a de Platão e a de Aristóteles, o que possibilitou o conhecimento de seu trabalho
na atualidade. Dentre os paradoxos de Zenão, destacamos: Dicotomia, Aquiles,
Flecha e Estádio, todos paradoxos classificados como falsídicos.
Em seus paradoxos, Zenão apresenta argumentos para provar a fragilidade
dos conceitos de multiplicidade e divisibilidade. Ele adotava a dialética partindo
das premissas aparentemente consistentes e chegando a conclusões absurdas
como, por exemplo, a impossibilidade do movimento (Pessoa JR, 2008, p. 7; Boyer,
1996, p. 51).
Parménides foi o fundador da escola eleática e mentor de três princípios
básicos, a saber: o princípio da identidade, o princípio da unidade e o princípio da
imutabilidade. Todavia, na Matemática, em sua época, havia dois tipos de
concepções que divergiam. Uma delas tratava dos elementos discretos separados
e indivisíveis, ou seja, os números. A outra dizia respeito à continuidade, isto é,
tratava de segmentos de retas e medidas de um modo geral com a propriedade de
serem infinitamente divisíveis. O que é importante observar é que esse fato é
contrário ao princípio da identidade. E foi desse conflito entre discreto e contínuo
que nasceram os paradoxos de Zenão (Rezende, 2003, p. 94-95).
Zenão defendia as ideias de seu mestre, exaltando a unicidade e permanência
em detrimento da pluralidade
4
e do movimento. Seu método consistia em supor
uma tese e, a partir disso, desenvolver uma consequência que fosse contrária à
sua suposição e, dessa forma, chegar ao absurdo (Pessoa JR, 2008, p. 7).
A escola pitagórica acreditava que o espaço e o tempo podiam ser constituídos
de pontos e instantes, respectivamente. Por outro lado, o tempo e o espaço
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também possuem a propriedade conhecida como continuidade. Agora, “suponha-
se que os elementos terminais que constituíam uma pluralidade, de um lado
possuíam as características da unidade geométrica o ponto e por outro
possuíam certas características de unidade numérica” (Boyer, 1996, p. 51). Esse foi
o ponto culminante dos paradoxos e foi contra essa dualidade que Zenão propôs
seus paradoxos.
De acordo com Brolezzi (1996, p. 22), a questão “está em se considerar tempo
contínuo e espaço discreto, ou vice-versa. Os paradoxos de Zenão recolhem essa
sensação de certo desamparo intuitivo, pois relatam uma situação de perplexidade
comum frente à continuidade e ao infinito”.
Com esses paradoxos Zenão queria atacar a existência do movimento, que de
acordo com ele não passava de ilusões provocadas pelos sentidos humano. Porém,
é importe lembrar que Zenão era um eleata e sobretudo filósofo e lógico, portanto,
questões como da impossibilidade do movimento eram abordadas por essa escola
muito mais filosoficamente do que matematicamente. Vale ainda ressaltar que
esses paradoxos contribuíram para o desenvolvimento do raciocínio matemático
em relação ao rigor lógico, pois eles provocaram, desde a antiguidade até os dias
atuais, muitos pesquisadores a buscarem soluções para o impasse gerado. Essas
tentativas de explicação conduziram a muitas reflexões sobre o tema, e tais
paradoxos foram considerados insolúveis até a criação do cálculo e o
desenvolvimento das ideias de continuidade e infinito, conforme aponta Monteiro
(2008),
Para os matemáticos gregos, que não tinham uma real concepção de
convergência em particular para o infinito, estes raciocínios eram
incompreensíveis. Aristóteles considerou-os e resolveu pô-los de parte,
ficando ao “abandono” por quase 2500 anos. Hoje, com o desenvolvimento
da Matemática, nomeadamente no estudo de somas infinitas e de conjuntos
infinitos, estes Paradoxos podem ser explicados de um modo razoavelmente
satisfatório. Mas ainda agora, o debate continua sobre a validade dos
Paradoxos e as suas racionalizações (MONTEIRO, 2008, p.12).
Zenão, em seus paradoxos da Dicotomia e de Aquiles, argumenta contra a
hipótese de o espaço ser dividido infinitamente. nos paradoxos da Flecha e do
Estádio, ele questiona a possibilidade de um segmento ser formado por uma
quantidade finita de divisões. Sem utilizar a ideia de indivisibilidade do tempo, ou
seja, unidade mínima de tempo (instantes), o raciocínio de Zenão não faria sentido.
O paradoxo da Flecha contradiz os defensores da concepção atomista de tempo e
espaço, pois esta concepção é a geradora desse paradoxo.
Embora estejamos acostumados a lidar diariamente, mesmo que
intuitivamente, com a ideia de velocidade e movimento, esses são, sem dúvida,
conceitos bem abstratos. Deve-se a isso a importância dos paradoxos de Zenão. O
paradoxo da Flecha e o do Estádio são, de fato, reais, se o tempo for composto por
unidades mínimas indivisíveis e o espaço por pontos discretos. Em contrapartida,
se tempo e espaço forem considerados contínuos, surgem os paradoxos da
Dicotomia de Aquiles. Dessa forma, Zenão cerca por todos os lados a ideia de
movimento e de velocidade, mostrando controvérsias contundentes que por vezes
passam despercebidas aos olhos já acostumados a observar o movimento.
A atitude mais comum em relação aos paradoxos de Zenão, desde sua origem,
“é a do filósofo que, após ouvir as explicações de Zeno sobre a impossibilidade do
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movimento, ficou um instante pensativo e, levantando-se, disse que a solução de
todos eles era ‘pôr-se a andar’, e foi-se embora” (Brolezzi, 1996, p. 23). A atitude
do filósofo simboliza bem o pensamento grego da época diante das dificuldades
de compreender fenômenos relacionados ao conceito de discreto e contínuo e
com tudo que remetesse à ideia de infinito.
A seguir, vamos enunciar e fazer uma abordagem matemática de cada um dos
quatro paradoxos mencionados (Dicotomia, Aquiles, Flecha e Estádio), sob o ponto
de vista da física e à luz do Cálculo Diferencial e Integral, mostrando o que causa o
paradoxo e buscando resolver o dilema, não como uma proposta de resolução
definitiva, mas uma sugestão de reflexão sobre o paradoxo e o infinito.
DICOTOMIA
O paradoxo da dicotomia afirma que para um determinado objeto percorrer
certa distância deve percorrer a primeira metade desse espaço, mas, antes disso,
precisa percorrer metade da metade desse espaço e, antes disso, a metade da
metade da metade e assim indefinidamente por meio de uma infinidade de
subdivisões. Portanto, o movimento não chega nem a começar (Boyer, 1996, p. 51;
Estrada et al, 2000, p. 240).
O paradoxo da dicotomia ataca o fato do espaço ser infinitamente divisível,
pois apresenta um raciocínio que, partindo dessa ideia, chega-se à impossibilidade
do movimento. Pode-se apontar como falha nesse paradoxo o fato de se tratar
distância infinitamente divisível como distância infinita, isto é, entre dois pontos
não se tem distância infinita, mas sim uma distância que se pode dividir
indefinidamente.
Na continuidade do texto faremos uma análise matemática desse paradoxo
utilizando as ferramentas do Cálculo e respeitando as imposições do problema,
sugerindo uma solução à luz dos conceitos da Matemática e da Física
contemporâneas.
Represente-se por S a distância que o objeto pretende percorrer e seja t um
tempo finito. Consideramos ainda que o objeto percorre o trajeto em velocidade
constante
5
denominada v. No entanto, antes de percorrer a distância total S, o
objeto deverá percorrer a metade da distância, ou seja,
(Equação (1)) e é verdade
que resta
a ser percorrido. Porém, antes de percorrer
, o objeto deverá perfazer
a distância de
. Agora observe que falta
(Equação (2)) a ser percorrido e,
assim, indefinidamente de acordo com a Figura 1 (Balieiro, Soares, 2009, p. 162).
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Figura 1 - Representação esquemática da dicotomia (bissecção sucessiva) de um
segmento de reta
Fonte: Adaptado de Machado; Schuck; Wagner (2013).
Dessa forma, Zenão de Eleia assumiu dividir a distância S a ser percorrida pelo
objeto a um número infinito de segmentos, todos com comprimento diferente de
zero, e, com isso, a distância total S resultaria da soma desses infinitos segmentos
não nulos. Zenão, todavia, não tinha em sua época a ideia de soma de série para
aferir tal fato. No entanto, sua ideia estava correta e hoje pode ser descrita como
a convergência de uma série real, de acordo com a equação (3).
 
  

 


 
 
 
Equação (3)
Talvez pelo fato dos gregos não possuírem um modelo geométrico
conveniente para o tempo, como tinham para a distância, Zenão afirmou que seria
impossível dividir o tempo finito
, que será gasto para perfazer a distância S
em um número infinito de parcelas, todas maiores que zero, e que resultasse numa
soma finita. Entretanto, é verdade que para perfazer o trajeto
, o tempo que o
objeto gastará será
. Observe, ainda, que para percorrer a distância
, o objeto
gastará
, e assim indefinidamente. Assim, é possível dividir o tempo t que o móvel
gasta para perfazer a distância S em infinitas parcelas maiores que zero cuja soma
resultante seja finita, como pode ser observado por meio da Equação (4)
(BALIEIRO; SOARES, 2009, p. 163):
 
  

 


 
 
 
Equação (4)
De acordo com a Equação (3) (soma da série S), respeitando as condições
estabelecidas na proposição de Zenão, fica claro que este partiu a distância a ser
percorrida em partes infinitas e a soma dessas parcelas resulta em uma soma
finita. A série t também evidencia que é possível dividir o tempo de forma
adequada de maneira a perfazer S no tempo
. Esse resultado está em
desacordo com a argumentação de Zenão de que não é possível percorrer infinitos
intervalos num tempo limitado.
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As argumentações de Zenão são aparentemente consistentes. No entanto,
quando investigadas à luz do Cálculo Diferencial e Integral, em particular a
convergência de séries, o quadro defendido por Zenão se mostra falso e evidencia
uma realidade paradoxal, ou seja, este é um paradoxo falsídico.
AQUILES
O paradoxo de Aquiles é semelhante ao primeiro, com a diferença das
bissecções serem progressivas em vez de regressivas: se Aquiles, o corredor mais
veloz da Ática, apostar corrida com uma lenta tartaruga nunca mais conseguirá
alcançá-la, por mais depressa que corra. Com efeito, quando Aquiles chegar ao
local inicial de onde a tartaruga partiu, esta já terá avançado um pouco mais e se
encontrará em outra posição adiante dele e, quando Aquiles cobrir esta distância,
a tartaruga terá realizado novo avanço e assim esse processo continua
indefinidamente. Portanto, conclui-se que Aquiles jamais poderá atingir a lenta
tartaruga.
Nesse paradoxo, têm-se dois corpos que se movimentam com velocidades
distintas. Como o senso comum nos mostra, Aquiles ultrapassa a tartaruga.
Todavia, o raciocínio desenvolvido por Zenão está correto com exceção da
conclusão, que é absurda: Aquiles nunca poderá atingir a tartaruga. Com os
paradoxos da Dicotomia e Aquiles, Zenão buscava ruir a crença da continuidade do
movimento, ou seja, seus paradoxos iam de encontro com a infinita divisibilidade
do espaço. Neste paradoxo, bem como no da Dicotomia, mistura-se a ideia de
distância infinita com distância infinitamente divisível. Isto é, podemos considerar
que, no paradoxo de Aquiles, este deve percorrer infinitos intervalos, que são
aqueles trechos nos quais a tartaruga tem vantagem sobre o corredor.
Para analisar matematicamente o problema, considera-se o seguinte: Aquiles
e a tartaruga são objetos que estão em movimento retilíneo uniforme, na mesma
direção e sentido, e no mesmo instante de tempo. Considera-se ainda que as
sucessivas posições desses objetos sejam determinadas no sentido positivo sobre
um eixo orientado Ox com origem em O.
De acordo com o estabelecido por Zenão em seu paradoxo, a velocidade da
tartaruga (
) é uma fração própria da velocidade de Aquiles (
). Aquiles (que
ocupa a posição
em relação à origem do sistema Ox) está a uma distância
da
tartaruga (posição
em relação à origem do sistema Ox). Dessa forma, pode-se
supor que a tartaruga ocupa a posição dada por 
)kϵN, em que
indica a sua
k-ésima posição. o posicionamento de Aquiles é dado por 
)kϵN, em que
indica a sua k-ésima posição. Considere-se ainda (
)kϵN, em que
indica o k-
ésimo instante de tempo do processo, e seja (
)kϵN a distância entre as posições
ocupadas pela tartaruga,
, e as posições ocupadas por Aquiles,
, sobre o
sistema de eixos Ox (BALIEIRO, SOARES, 2009, p. 164-165).
Posto isso, e de acordo com as condições preestabelecidas pelo paradoxo,
tem-se a seguinte sugestão de resolução: Com efeito, as velocidades de Aquiles e
da tartaruga podem ser expressas pela Equação (05):
, sendo r um
número Real, rϵ]0,1[, portanto, indicando que a velocidade da tartaruga é uma
fração própria da velocidade de Aquiles. Seja
constante num determinado
tempo t. Aquiles perfaz uma distância
e a tartaruga um espaço
. Dessa
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forma, no instante de tempo
tal expressão origem à Equação (06),
. Concomitantemente, do deslocamento da tartaruga de 
para 
,
vem a Equação (07): 
. Substituindo as Equações (05) e (06) na Equação
(07), gera-se a Equação (08): 
. Com isso,
pode-se dizer que nesse instante Aquiles ocupa a posição 
distante 
de 
.
No entanto, nesse mesmo instante, a tartaruga ocupa a posição
distante

de
. Transcorrido o instante
, isso implica a Equação (09):
.
Da mesma forma e ao mesmo tempo, do deslocamento da tartaruga de
para
vem a Equação (10): 
. Substituindo as Equações (05), (09) e (08) na
Equação (10), gera-se a Equação (11): 
.
Podemos observar que Aquiles está na posição 
distante 
de 
.
a tartaruga, nesse mesmo instante, ocupa a posição
distante
de
. Este
processo se repete indefinidamente, ou seja, decorrido um instante

, ter-
se-á a Equação (12),
. Desse fato decorre que a distância entre Aquiles
e a tartaruga diminui paulatinamente, como ilustra a Figura 2. É verdade, e pode-
se comprovar tal fato aplicando o limite na Equação (12), o que resulta na Equação
(13): 





.
Figura 2 Representação das sucessivas posições de Aquiles aproximando-se cada vez
mais da tartaruga
Fonte: Adaptado de Vivan (2014).
Zenão e seus contemporâneos não admitiam uma ideia de infinito que
permitisse aos gregos deste período explicar os fenômenos. Com isso, Zenão
afirmava que para percorrer infinitos trechos não nulos, que separavam Aquiles da
tartaruga, era necessário um tempo também infinito. Ou seja, de fato seria
impossível que Aquiles alcançasse a tartaruga.
Agora, já desenvolvidas as ferramentas do Cálculo, nota-se, entretanto, que a
soma S das infinitas distâncias
que Aquiles percorre para alcançar a tartaruga é
finita, dada pela Equação (14):



.
Como o tempo que Aquiles leva para perfazer a distância
é

,
decorre que para percorrer S, o tempo t que Aquiles gastará também será finito e
é dado pela Equação (15) (BALIEIRO; SOARES, 2009, p. 166):
ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 30-47, mai./ago. 2019.








Equação (15)
A possibilidade de decompor uma grandeza limitada em infinitas partes é a
conclusão absurda que Zenão chega ao considerar esses dois argumentos.
Ainda que questões desse tipo não pudessem, no culo V a. C., ser
compreendidas em profundidade, parece digno de nota que já tão cedo
tenham sido postas de modo bem agudo, criticando os sistemas filosófico-
científicos estabelecidos e estimulando o aparecimento de outros. Mas o
desafio mais sério às concepções da escola de Crotona viria a ter origem na
aplicação à geometria das próprias técnicas da aritmética pitagórica
(ESTRADA et al, 2000, p. 242).
É possível observar, na argumentação de Zenão, que este assume um modelo
geométrico para o espaço infinitamente divisível em partes não nulas e cada vez
menores. Com isso, para percorrer cada uma dessas partes, é necessária uma
quantidade de tempo que também pode ser subdividida em frações cada vez
menores, sendo o tempo total equivalente à soma de todas essas frações.
Portanto, o que Zenão quer dizer quando afirma que Aquiles nunca alcançará a
tartaruga é que Aquiles não a alcançará em tempo finito, ou seja, pode-se inferir
que Zenão de Eleia não estabelece um modelo geométrico para o tempo e, dessa
forma, não pode dividi-lo em um número infinito de partes cuja soma resultante
seja zero.
FLECHA
No paradoxo da flecha, Zenão afirma que, se o tempo é formado por instantes
indivisíveis, então uma flecha voando ao encontro de seu alvo está na verdade
parada. De fato, em cada instante a seta ocupa uma posição fixa, ou seja, em cada
instante a flecha está parada. Sendo isso verdadeiro, a flecha está sempre parada,
como ilustra a Figura 3. O paradoxo da flecha tem por objetivo provar que se o
tempo é composto de instantes e o espaço composto por mínimos indivisíveis,
então um corpo em movimento está, na verdade, sempre em repouso, além de
levantar reflexão acerca da natureza do movimento e a ideia de velocidade
instantânea. Nos dias atuais, define-se o movimento de um corpo pela sua
velocidade e não pela mudança do espaço que este ocupa.
Figura 3 Representação esquemática do paradoxo da flecha
Fonte: Fórum de Discursus.
O conceito de velocidade média convencionalmente é definido pela razão
entre a variação de espaço percorrido e a variação de tempo decorrido num
determinado percurso. Anos mais tarde, por volta da metade do século XVII, com
ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 30-47, mai./ago. 2019.
a descoberta do cálculo infinitesimal essa ideia é generalizada ao nível do instante
fato desconhecido pelos gregos antigos e dessa visão mais alargada nasce o
conceito de velocidade instantânea como consequência da generalização.
“Portanto, no contexto de velocidade instantânea, não faz sentido se falar em
mudança de posição ou em espaço percorrido” (Monteiro, 2008, p. 24).
Para analisarmos o problema matematicamente, fazemos algumas
considerações: supomos que o atirador de flechas esteja a uma distância x (em
metros) do alvo para o qual deseja lançar a fecha, e consideramos que a flecha
percorra uma trajetória retilínea e com movimento uniforme
6
. Seja t (em
segundos) o tempo que a flecha leva para percorrer a distância x e seja a Equação
(16)


 uma função contínua, diferenciável em todos os pontos do
seu domínio e que fornece as posições do objeto em função do tempo t, com a e
b constantes reais positivas.
Posto isso, vamos calcular a velocidade média
(quociente entre variação
do espaço e a variação do tempo:


) desse objeto para dois instantes
distintos
e
, com
Então, de acordo com as condições iniciais do
problema, temos velocidade média definida pela Equação (17)




.
Substituindo
e
em (16) e, depois em (17), obtém-se a Equação (18),






Colocando os fatores a e b em evidência na Equação (18),
obtemos a Equação (19)





, de onde podemos concluir que
é estritamente maior que zero, pois as constantes a e b são maiores que zero
e como
a diferença
 
.
Além disso, é evidente que o quociente entre valores positivos é também um
valor positivo. No entanto, nada ainda nos permite concluir que Zenão estava
errado ao afirmar que em cada instante a flecha está parada. Para poder fazer tal
afirmação, recorremos ao conceito de derivada de uma função num ponto (isto é,
velocidade instantânea) formalizada por Bolzano e Cauchy no século XIX. Então,
vamos calcular a velocidade instantânea do móvel, cujo deslocamento é dado pela
Equação (16). Para isso, temos que calcular o limite da função quando h tende a
zero e esse resultado deve ser estritamente positivo para que possamos concluir a
falha no argumento de Zenão. Assim, por definição, temos que a velocidade
instantânea do móvel é dada por esse limite da Equação (20):


 
 
Equação (20)
Executando as devidas substituições, obtemos a Equação (21):


  
   
 
 
Equação (21)
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Fazendo a distributiva, chagamos à Equação (22):


   
    
 
Equação (22)
Colocando h (fator comum) em evidência, vem a Equação (23):


    
Equação (23)
Portanto, a velocidade instantânea pode ser descrita pela Equação (24):


    
  
Equação (24)
Dessa forma, temos a velocidade instantânea
   estritamente
positiva para qualquer que seja o t, pois a e b são valores positivos por hipótese e
t é referente a tempo e, portanto, sempre positivo, de onde podemos concluir a
falha no argumento de Zenão e afirmar que a flecha não está parada em cada
ponto, pois, como mostrado, a velocidade instantânea é diferente de zero em
qualquer que seja o instante t. Portanto, a flecha está em movimento em todos os
pontos do percurso.
O paradoxo do Estádio
7
é provavelmente o mais complexo de descrever
dentre os paradoxos de Zenão e pode ser enunciado como segue. Considerem-se
três filas de objetos idênticos, uma fileira paralela à outra, como pode ser
observado na Figura 4. Sejam: a primeira fila contendo
corpos
idênticos entre si e imóveis; a segunda fileira contendo
corpos,
também idênticos entre si e aos da primeira fileira, que se move num dos sentidos
(de acordo com a Figura 4) de modo que cada corpo da segunda fileira passa por
um corpo da primeira num instante (unidade de tempo indivisível).
Sejam



também corpos idênticos aos oito primeiros e entre si,
que se movem uniformemente na mesma direção, mas em sentido oposto aos
corpos da segunda fileira (como ilustra Figura 4), de maneira que cada corpo da
terceira fila passa por um corpo da primeira num instante de tempo. Num dado
momento, os corpos ocupam as posições relativas de acordo com a Figura 4. Dessa
forma, decorrido um instante de tempo, cada um dos corpos em movimento
(fileiras 2 e 3) passa por um corpo da fila em repouso (Figura 5) e, portanto, um
corpo de uma fila passa por um corpo da outra fila em metade desse tempo. Então,
a unidade de tempo é igual ao seu dobro. Assim, passado apenas um instante de
tempo, ou seja, decorrida uma subdivisão do tempo, as posições relativas estarão
como mostra a Figura 5:
ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 30-47, mai./ago. 2019.
Figura 4 Posição relativa das filas
Fonte: Adaptado de Boyer (1996, p. 52) e de Brolezzi (1996, p. 23).
Figura 5 Posição relativa das filas após o primeiro instante
Fonte: Adaptado de Boyer (1996, p. 52) e de Brolezzi (1996, p. 23).
Observando as posições relativas das Figuras 4 e 5 podemos perceber que T
9
terá passado pelos corpos T
5
e T
6
. Logo, o instante não serve como unidade mínima
de tempo, uma vez que podemos tomar como um novo instante que seja menor
que o primeiro T
9
leva para transpor T
5
e T
6
e assim indefinidamente, ou seja, não
é possível adotar uma unidade mínima de tempo (Boyer, 1996, p. 52).
Hoje em dia, de acordo com as leis da Física, se dois corpos com a mesma
velocidade e direção, mas em sentidos opostos, passam um pelo outro, a
velocidade do conjunto será considerada igual à soma das velocidades de cada
corpo. Portanto, essa velocidade será igual ao dobro da velocidade de cada um dos
corpos analisado separadamente. O que gera a situação paradoxal, nesse caso, é
considerar que uma fileira ultrapassaria outra sempre ao mesmo tempo, estando
ela parada ou em movimento. O objetivo desse paradoxo, assim como o da flecha,
é questionar os defensores do espaço e tempo composto por um número finito de
unidades indivisíveis, isto é, aqueles que defendiam a concepção atomista de
Demócrito e consideravam espaço e tempo grandezas discretas, pois se
considerarmos a existência dessas unidades finitas e indivisíveis de espaço e
tempo, isto implicaria aceitar que um corpo que viaja a uma velocidade constante
deve passar em cada instante por uma quantidade fixa de pontos (unidades
mínimas de espaço), estando esses em repouso ou não. Em suma, tal paradoxo é
resultado de se considerar que um corpo leva tempo igual para passar por outro
corpo estando este em movimento ou em repouso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nossa proposta com a elaboração deste artigo é promover discussões acerca
do infinito, dada a importância do tema, por meio do estudo dos paradoxos
falsídicos. Pois, o “infinito” tangencia praticamente todos os ramos da Matemática
ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 30-47, mai./ago. 2019.
e, por ser um conceito bastante atual, complexo e contraintuitivo, ainda hoje causa
estranhamento àqueles que querem estudar Matemática.
Dentre os seus paradoxos, percebemos a semelhança entre o da Dicotomia e
o de Aquiles, pois ambos partem da suposição de que o espaço é infinitamente
divisível. Dessa forma, um objeto ou um corredor, na intenção de cruzar a linha de
chegada ou o alvo, precisaria, antes de tudo, percorrer todos os infinitos pontos.
Ou seja, jamais cruzaria a linha de chegada ou alcançaria o alvo. Com esse
argumento, parece-nos que o movimento é impossível e o que vemos é uma
simples ilusão.
No entanto, no paradoxo de Aquiles, por exemplo, nos parece óbvio dizer que
Aquiles atinge a meta de alcançar a tartaruga, tornando a conclusão do eleata sem
sentido, pois foge da realidade e, por esta razão, tal paradoxo deveria ser refutado.
Todavia, não basta constatar a inconsistência com a realidade, faz se necessário
apontar quais as falhas da narrativa de Zenão em cada um de suas quatro aporias
8
,
procedimento típico do pensamento matemático e necessário para validar ou
refutar um argumento.
ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 30-47, mai./ago. 2019.
False paradoxes: the first faces of the infinity
concept in the context of mathematical
science
ABSTRACT
The paper presents the results of a theoretical research that studied the infinity and the
relation of this mathematical concept with the false paradoxes given by Zeno, contrary to
atomistic conception of time and space. More specifically, we studied the paradoxes of
Achilles Dichotomy, who argue against the hypothesis that space is infinitely divided, and
the Stadium and Arrow paradoxes, which question the possibility of a segment being
formed by an infinite of divisions. Although nowadays we are used to deal daily, even
intuitively, with the idea of speed and movement, these are undoubtedly abstract concepts.
This is due to the Zeno’s Paradoxes importance: by exposing a first systematic thinking
about the assumption. The Arrow and Stadium Paradoxes are, in fact, real, if time is
composed of indivisible minimum units and space by discrete points. In contrast, if time and
space are considered continuous, the Achilles Dichotomy arises. Thus, Zeno’s thoughts
surround on all sides the idea of movement and speed, coming up controversies that
sometimes go unnoticed by the eyes already used to observe the movement. Through
dialectics, starting from the apparently consistent premises and arriving at absurd
conclusions, Zeno presented arguments to prove the fragility of the multiplicity and
divisibility concepts, adopted by the Pythagorean School. These paradoxes, based on
Parmenides philosophy, present situations to support the movement impossibility,
considering it an illusion of the perception of the sensitive world and not the truth of the
intelligible world, which characterizes the being as unique, immutable, infinite and
immovable.
KEYWORDS: Mathematics Education. History of Mathematics. Infinite. Paradox.
ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 30-47, mai./ago. 2019.
NOTAS
1
“Quine (1976) e Barker (1976) adotam a mesma classificação para os paradoxos.
Barker (1976) divide os paradoxos em três classes, entretanto não usa
nomenclatura específica para estas classes. Com isso, julgamos conveniente
utilizar a nomenclatura adotada por Quine (1976)” (DORTA, 2013, p. 30).
2
A escola filosófica de Parménides pautava-se na impossibilidade do movimento.
Para essa Filosofia o movimento é uma ilusão da percepção do mundo sensível e
não uma verdade do mundo inteligível, em que o ser é único, imutável, infinito e
imóvel.
3
Deve-se aos pensadores eleatas, como eram conhecidos, a invenção da dialética
e do método de demonstração por redução ao absurdo, um “modo de provar uma
proposição que consiste em aceitar por momentos a sua negação e daí deduzir
uma contradição” (Estrada et al, 2000, p. 240).
4
“O estado de haver muitas coisas distintas, ao invés de uma só” (PESSOA JR, 2008,
p. 7).
5
“Note que, nessas condições, em um tempo finito t, o móvel percorrerá a
distância vt” (BALIEIRO e SOARES, 2009, p. 162).
6
“Percorre espaços iguais em intervalos iguais” (Loura, 2002, p. 34).
7
“O estádio é uma das unidades de comprimento utilizada na Grécia antiga. Como
era habitual na Antiguidade não havia uma medida para o estádio, pois, por
exemplo, o estádio que empregou Erastóstenes para medir a circunferência da
Terra era aproximadamente 158 metros (estádio egípcio), enquanto, o
comprimento do estádio olímpico (estádio ático) era de 192 metros” (Balieiro;
Soares, 2009, p. 164).
8
Aporia é um termo usado no sentido de dúvida racional, isto é, de dificuldade
inerente a um raciocínio, e não no de estado subjetivo de incerteza. É, portanto, a
dúvida objetiva, a dificuldade efetiva de um raciocínio ou da conclusão a que leva
um raciocínio (Abbagnano, 1998, p. 75).
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ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 30-47, mai./ago. 2019.
Recebido: 23 jan. 2019
Aprovado: 13 abr. 2019
DOI: 10.3895/actio.v4n2.9400
Como citar:
MONTEIRO, G. L., MONDINI, F. Paradoxos falsídicos: os primeiros enfrentamentos do conceito de infinito no
contexto da ciência matemática. ACTIO, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 30-47, mai./ago. 2019. Disponível em:
<https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX
Correspondência:
Gisele de Lourdes Monteiro.
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Direito autoral:
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Internacional.