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ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 451-470, set./dez. 2018
http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
A cultura escolar do campo e o ensino da
matemática
RESUMO
Maykon Jhonatan Schrenk
maykon_schrenk@hotmail.com
orcid.org/0000-0001-8327-9147
Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (Unioeste), Cascavel, PR, Brasil
Barbara Winiarski Diesel Novaes
barbaradiesel@yahoo.com.br
orcid.org/0000-0002-7763-7777
Universidade Tecnológica Federal do
Paraná (UTFPR), Toledo, PR, Brasil
Com o objetivo de identificar a presença da cultura escolar do campo no ensino de
matemática (anos finais do ensino fundamental) em uma escola situada na zona rural, a
presente pesquisa foi fundamentada no aporte teórico-metodológico da História Cultural
por meio do conceito de cultura escolar (JULIA, 1990), tendo como fontes: cadernos de
matemática dos estudantes do Ensino Fundamental (anos finais); imagens das atividades
docentes; Projeto Político Pedagógico (PPP); planejamento do professor de matemática;
legislação pertinente; entrevistas com o diretor da escola, com a professora de matemática
do Ensino Fundamental e com a pedagoga. O currículo mostrou-se pronunciadamente
urbanocêntrico especificamente em relação às aulas de matemática. Apesar de uma forte
cultura escolar do campo estar presente na escola investigada, há pouca presença dessa
cultura especificamente no ensino da matemática. Como reflexão final, nos perguntamos
se, em nossas escolas urbanas, não estamos precisando de elementos culturais próprios das
escolas do campo: sentimento de pertencimento, envolvimento da comunidade, formação
de lideranças, interdisciplinaridade, trabalho em grupo e valorização das práticas
matemáticas locais.
PALAVRAS-CHAVE: Educação do Campo. Educação Matemática. Cultura Escolar.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 451-470, set./dez. 2018
INTRODUÇÃO
Em torno das comunidades existentes, historicamente bastante variadas,
cristalizaram-se e generalizaram-se atitudes emocionais poderosas. O campo
passou a ser associado a uma forma natural de vida - de paz, de inocência e
virtudes simples. À cidade associou-se a ideia de centro de realizações - de
saber, comunicações, luz. Também constelaram-se poderosas associações
negativas: a cidade como lugar de barulho, mundalidade e ambição; o campo
lugar de atraso, ignorância e limitação. O contraste entre campo e cidade,
enquanto formas de vida fundamentais, remonta à Antiguidade Clássica
(WILLIANS, 2011, p. 11).
Ao iniciar o texto, refletimos sobre a citação de Raymond Williams do livro “O
Campo e a cidade na história e na literaturaque mesmo se referindo a um caso
inglês do período da revolução industrial nos ajuda a compreender a vida no
campo e alguns entendimentos cristalizados no senso comum pedagógico. Se o
campo é entendido como um lugar de atraso, ignorância e limitação, qual seria o
entendimento para uma Educação do Campo?
A Educação do Campo
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durante muito tempo foi deixada em segundo plano
nos discursos sobre educação no Brasil. Um marco na retomada da luta ensino de
qualidade, pelo respeito a suas raízes culturais e pelo entendimento de suas
singularidades, foi a Primeira Conferência Nacional por uma Educação Básica do
Campo promovida em 1998 pelas instituições Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), a Universidade de Brasília (UnB), a Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e
a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Participaram desse evento educandos e educadores do MST, da agricultura
familiar, dos indígenas, dos povos da floresta, dos ribeirinhos, quilombolas, dos
sindicatos de trabalhadores rurais (ANHAIA, 2011 apud BRASIL, 2014). A
Conferência surgiu como uma alternativa para ampliar a discussão sobre a
educação no meio rural brasileiro (BRASIL, 2014, p. 9).
Em relação a como trabalhar a matemática escolar numa escola do campo,
concordamos com D’Ambrósio (2005, p. 42) quando afirma que: reconhecer e
respeitar as raízes de um indivíduo não significa ignorar e rejeitar as raízes do
outro, mas, num processo de síntese, reforçar suas próprias raízes”. Para Ubiratan
D’Ambrósio a matemática deve ser entendida nas suas várias dimensões:
conceitual, histórica, cognitiva, epistemológica, política, cotidiana, educacional.
Sua teoria permite trabalhar a matemática respeitando as especificidades da
Educação do Campo e suas implicações didático-pedagógicas.
Conforme crescemos, adquirimos saberes por meio de experiências, ou seja,
da nossa vivência na sociedade, na escola, no convívio familiar. Para os alunos que
moram no campo, esses tornam-se importantes para seu desenvolvimento, assim
como para crianças em outros contextos. Esses saberes não podem ser
desprezados, principalmente em uma aula de matemática, embora algumas vezes
isso ocorra. Que matemática pode ser considerada legítima? uma hierarquia
entre a matemática escolar e a matemática do campo? A etnomatemática
considera como conhecimento o que rotineiramente não é reconhecido como tal
e considera a existência de outras matemáticas (BARBOSA, 2014).
[...] para sermos mais precisos, deveríamos dizer que aquilo que chamamos
de Matemática é a Matemática acadêmica. Na perspectiva da
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Etnomatemática, existem outras formas de produzir significados
matemáticos, outras formas que são igualmente Etnomatemáticas, pois
manifestações simbólicas de grupos culturais (KNIJNIK, 2000).
A Etnomatemática, por meio das pesquisas realizadas e do campo que abriu,
deu legitimidade a outros modos de produção de significado para aquilo que se
chama matemática (BARBOSA, 2014; KNIJNIK, 2000).
Sem hierarquias, sem diminuir a legitimidade das especificidades de uma
matemática do campo, percebemos que considerar essas diferenças pode ser rico
para a aprendizagem. Essa bagagem pode contribuir para o desenvolvimento do
aluno, o crescimento da sua confiança e motivação na busca do saber na aula de
matemática.
Bzuneck (2000, p. 9 apud MORAES, VARELA, 2007, p. 3) afirma que “a
motivação, ou o motivo, é aquilo que move uma pessoa ou que a põe em ação ou
a faz mudar de curso” e o fato de utilizarmos a vivência do aluno no ensino da
matemática tende a motivá-lo, dando chance e segurança para ele mostrar o que
sabe. Segundo Moraes e Varela (2007), “se o conteúdo da aula é interessante
para a criança, ela o associa com seus conhecimentos e experiências prévias” (p.
13), e é essa uma das metas de se utilizar a vivência no campo na sala de aula.
Tendo como base a problemática anunciada, os primeiros questionamentos
que nos ocorreram: Seria possível a matemática escolar usufruir do campo para
auxiliar no aprendizado dos educandos? Como utilizar a matemática no campo,
como ensiná-la para alunos que vivem no campo?
A legislação existente sobre a Educação do Campo (BRASIL, 1996, 2002, 2014;
PARANÁ, 2006) desmistifica a escola apenas situada no campo. A Educação do
Campo, além de se encontrar no campo, segundo Antunes-Rocha e Martins (2009),
também significa aprender com a terra, com o campo, os modos genuínos de olhar
para a vida do homem em sintonia com a natureza. Além disso, significa conhecer
diferentes modos de organização da sociedade e das lutas políticas, e ainda
reconhecer o poder dos gestos, das cores, das imagens próprias do campo como
saberes legítimos.
É de extrema importância que as atividades de matemática envolvam o
conhecimento que o aluno possui, porém, segundo o Plano Nacional de
Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), “quando apontamos para a necessidade de
incorporarmos a cultura dos alunos em nossas práticas pedagógicas, não significa
criarmos ‘probleminhas’ ruralizantes” (BRASIL, 2014, p.24). Esses problemas
ruralizantes seriam, por exemplo: realizar uma operação matemática (nesse
exemplo a soma) e, para tal, utilizar laranjas e afirmar que esta atividade envolve
a Educação do Campo. Mas essa atividade poderia ser feita com carros, casas,
celulares, ou algo que se situa em qualquer lugar. Mais do que isso, uma atividade
de matemática de uma escola do campo deve preparar os alunos para a vida deles
no campo ou fora dele, “pois a escola do campo deve ser considerada como espaço
de vida digna, e, sobretudo, de produção de conhecimento para transformação da
realidade” (NAHIRNE; STRIEDER, 2017, p. 5).
Conforme exposto anteriormente, a escola do campo possui suas
especificidades que nem sempre são compreendidas e respeitadas. Quais as
particularidades da escola do campo? Os professores de matemática relacionam a
Educação do Campo com os conteúdos escolares?
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Dessa forma, na presente pesquisa objetivou-se identificar indícios da
presença do campo (vivência dos estudantes, costumes da comunidade, espaço
escolar, organização política, entre outros) na sala de aula, especialmente no
ensino da matemática nos anos finais do ensino fundamental. Para alcançar esse
objetivo, a investigação se baseou na observação do espaço escolar (pátio, salas,
horta, comunidade em geral), em entrevistas semiestruturadas e análise
documental. O trabalho teve uma versão preliminar apresentada no XIV Encontro
Paranaense de Educação Matemática EPREM (SCHRENK; NOVAES, 2017).
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
Somente cerca de meio século após o país ter se transformado em República,
é que uma Constituição brasileira, a de 1934, vai tratar da Educação Rural, ainda
não chamada de Educação do Campo (BRASIL, 2014, p. 6).
Em 1937, foi criada a Sociedade Brasileira de Educação Rural, com o intuito de
expandir o ensino e preservar a cultura do homem no campo, merecendo destaque
o elevado número de analfabetos. Após a Segunda Guerra Mundial, foi criada a
Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais na qual a
educação se desenvolvia com o objetivo de proteção e assistência ao camponês, o
qual era tratado como carente, subnutrido, pobre e ignorante (PARANÁ, 2006, p.
17).
A partir da segunda metade do século XX, começam a surgir movimentos
sociais do campo, que passaram a aprender que a luta pela terra era apenas o início
da mobilização, porque ela poderia garantir sustento e produção de vida. Porém,
outras demandas foram se tornando presentes. Dessa forma a educação e a
escolarização dos trabalhadores do campo e seus filhos passaram a integrar a
pauta dos movimentos sociais do campo (BRASIL, 2014, p. 8).
Em consequência da nova constituição aprovada em 1988, outras leis foram
discutidas e decretadas, como por exemplo, a LDB de 20 de dezembro de 1996.
Essas leis levaram ao repensar sobre a educação dos trabalhadores do campo
(BRASIL, 2014, p. 7) desta forma a educação começou a se destacar como um
direito de todos (PARANÁ, 2006, p. 18).
O artigo 28 da LDB reconhece a especificidade do campo:
Art. 28º. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de
ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades
e interesses dos estudantes da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às
fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL, 1996, p. 11).
Mesmo com esses avanços na legislação educacional, a realidade das escolas
para a população rural continuava precária, seja em condições materiais dentro de
sala, na escola como um todo, transportes, materiais didáticos (PARANÁ, 2006, p.
18).
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Em 1997, houve um marco na retomada da luta por uma Educação do Campo
de qualidade, pelo respeito a suas raízes culturais e pelo entendimento de suas
singularidades. Foi realizado o I Encontro de Educadores e Educadoras da Reforma
Agrária (I ENERA), organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) com apoio de outras entidades, no qual foi lançado um desafio: pensar
a educação pública a partir do mundo do campo (PARANÁ, 2006, p. 19; BRASIL,
2014, p. 8).
Sob influência do contexto de mobilização então vivido, num movimento de
base, as escolas do campo espalhadas nos mais diferentes recantos do país
estavam realizando práticas que buscavam associar o processo educativo aos
interesses dos trabalhadores do campo (BRASIL, 2014, p. 8).
Em agosto de 1997, iniciaram-se as discussões preparatórias para a I
Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, que viria a ser
realizado um ano após o ENERA, em julho de 1998 (PARANÁ, 2006, p. 19; BRASIL,
2014, p. 9).
O debate sobre a compreensão de campo trouxe a perspectiva de que campo
é mais do que lugar de plantar ou de criar animais para suprir a alimentação da
humanidade (BRASIL, 2014, p. 11).
A partir de então, o poder público passou a reconhecer a necessidade de
pensar uma legislação específica de educação aos povos do campo. Foram
aprovadas em 2002 no Conselho Nacional de Educação, por meio da Câmara de
Educação Básica, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do
Campo (PARANÁ, 2006, p. 19; BRASIL, 2014, p. 12). A partir das discussões sobre
as Diretrizes Operacionais, foi proposta a utilização do termo Educação do Campo:
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões
inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios
dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência
e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de
projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade
social da vida coletiva no país (BRASIL, 2002, p. 1).
Ainda no plano das ações em parceria entre os diferentes movimentos e
instituições ligadas aos trabalhadores do campo houve, em julho de 2004, a
realização da II Conferência Nacional por uma Educação do Campo, contando com
mais de mil participantes, representando cerca de 40 entidades (BRASIL, 2014, p.
12).
No estado do Paraná, começou a se pensar na educação para homem do
campo a partir de 1990:
Foi criado pelo governo estadual, na gestão 1992-1994, o Programa Especial
Escola Gente da Terra, que tinha como propósito ‘dar um atendimento
específico e diferenciado’ aos povos do campo, das áreas indígenas, dos
assentamentos e aos assalariados rurais, no nível do Ensino Fundamental e
da alfabetização de jovens e adultos (PARANÁ, 2006, p. 20).
Segundo as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo (DCEC) (PARANÁ,
2006, p. 21), a partir de 2000, após vários encontros e reuniões, foi criada a
Articulação Paranaense por uma Educação do Campo, que definiu uma pauta de
reivindicações para a semana de lutas pela agricultura. Entre as reivindicações,
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estava a criação de um departamento específico para a Educação do Campo, na
Secretaria do Estado da Educação, atendida em 2002 com a criação da
Coordenação da Educação do Campo na Secretaria do Estado da Educação (SEED).
Desde então, a Educação do Campo passou a ter um espaço de articulação
entre o poder público e a sociedade civil organizada. Foram realizados dois
seminários de Educação do Campo no Estado, em que estiveram presentes os
sujeitos coletivos da Articulação Paranaense por uma Educação do Campo, entre
outros (PARANÁ, 2006, p. 22).
Apesar de parecer ter o mesmo significado, o termo “rural” e “campo
possuem concepções diferentes. Segundo as DCEC (PARANÁ, 2006, p. 24), o termo
campo é pensado como um lugar de vida, de trabalho, de cultura, da produção de
conhecimento na sua relação de existência e sobrevivência, valorizando-os como
sujeitos que possuem laços culturais e valores relacionados à vida na terra. O
termo rural, por sua vez, é pensado a partir de uma lógica economicista,
representa uma perspectiva política presente nos documentos oficiais, que
historicamente fizeram referência aos povos do campo como pessoas que
necessitam de assistência e proteção, na defesa de que o rural é o lugar do atraso.
É importante pensarmos em como deve se dar o ensino na sala de aula para
uma escola do campo. As DCEC (PARANÁ, 2006, p. 44) citam que para que efetive
a valorização da cultura dos povos do campo na escola, é necessário repensar a
organização dos saberes escolares, ou seja, os conteúdos específicos a serem
trabalhados.
No caso específico do Paraná, as DCEC (PARANÁ, 2006, p. 44) apresentam duas
formas de como pode se dar essa reorganização. Uma delas ocorre nas disciplinas
da Base Nacional Comum, onde poderemos observar a articulação dos conteúdos
sistematizados com a realidade do campo. Verificar se “os conteúdos culturais dos
povos do campo estão presentes nas disciplinas, se os saberes dos povos do campo
integram os currículos das disciplinas, são formas de investigar” (PARANÁ, 2006, p.
45) se a Educação do Campo está presente na sala de aula da escola do campo.
Sobre a segunda forma, apresentam que:
[...] ocorre pela criação de disciplinas para compor a parte diversificada da
matriz curricular. [...] Porém, é importante salientar que a implementação da
Educação do Campo não vai ocorrer apenas com a criação de várias disciplinas
na parte diversificada, [...] é fundamental garantir que a realidade do campo,
com sua diversidade, esteja presente em toda a organização curricular
(PARANÁ, 2006, p. 45).
Na próxima sessão iremos apresentar os aspectos metodológicos da pesquisa,
bem como as categorias que emergiram da leitura atenta das fontes de pesquisa.
ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
A pesquisa de caráter qualitativo tem como principal característica buscar dar
sentido ou interpretar os fenômenos de acordo com os significados que as pessoas
trazem para eles (DENZIN, LINCOLN, 2006).
Para Duarte (2004) o que o caráter qualitativo não é necessariamente o
recurso de que se faz uso, mas o referencial teórico/metodológico eleito para a
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construção do objeto de pesquisa e para a análise do material coletado no trabalho
de campo.
A modalidade de pesquisa utilizada neste trabalho
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foi o estudo de caso cujo
objeto é uma unidade que se analisa profundamente (TRIVINÕS, 1987). Esse
estudo pode ser simples e específico, como o de uma professora competente de
uma escola pública, ou complexo e abstrato, como o das classes de alfabetização
ou do ensino noturno (LÜDKE; ANDRÉ, 2005).
A pesquisa foi desenvolvida a Colégio Estadual do Campo Teotônio Vilella
3
situado na zona rural do município de Missal.
Concomitantemente às observações, realizamos entrevistas semiestruturadas
com o diretor do colégio (Entrevista A, SCHRENK, 2015), com a pedagoga
(Entrevista B, SCHRENK, 2015) e com a professora de matemática do Ensino
Fundamental, séries finais (Entrevista C, SCHRENK, 2015). Como critério de
inclusão, os entrevistados deveriam estar trabalhando mais de quatro anos na
escola. Foram excluídos da entrevista os professores que estiveram afastados por
mais de seis meses de suas funções no ano da realização da pesquisa. Elaboramos
um roteiro para a entrevista conforme os objetivos da investigação. Segundo
Duarte (2004), entrevistas são fundamentais quando se precisa/deseja mapear
práticas, crenças, valores e sistemas classificatórios específicos, mais ou menos
bem delimitados, em que os conflitos e contradições não estejam claramente
explicitados.
Os principais documentos analisados foram as Diretrizes Curriculares da
Educação do Campo do Estado do Paraná (2006), os documentos do colégio (PPP,
Plano de Trabalho Docente (PTD) da disciplina de Matemática) e materiais dos
estudantes (cadernos de matemática do ano anterior ao estudo). Para fazer a
análise dos cadernos utilizamos os trabalhos de Gvirtz (2009), que discorrem sobre
a relação entre o currículo prescrito e o currículo ensinado por meio da análise dos
cadernos dos estudantes. Para Gvirtz (2009, p.25):
O caderno é um espaço de interação entre professor e aluno, uma arena na
qual se enfrentam cotidianamente os atores do processo de ensino-
aprendizagem e onde, portanto, é possível vislumbrar os efeitos desta
atividade: a tarefa escolar. A favor da eleição deste objeto se encontra o fato
de todos os dias, em quase todas as horas de aula, alunos e professores levam
a cabo um minucioso processo de escrituração cujos âmbitos de registro não
podem desconsiderar o caderno e a lousa. Assim, o caderno constitui um
campo significativo para observar os processos históricos e pedagógicos da
denominada “vida cotidiana da escola”, nem tanto no que tende as relações
de poder interpessoal mas, e sobretudo, no que concerne a produção de
saberes.
Além disso, segundo Gvirtz e Larrondo (2008, p.39) “tal documento [cadernos
escolares] não é considerado em si mesmo, mas tomando como fonte primária
neutra para a aproximação de outras questões, permitindo observar que
conteúdos se ensinam e como se ensinam” o que justifica o cotejamento com as
demais fontes.
Partindo da caracterização de cadernos escolares proposta por Gvirtz (2009),
analisamos cadernos dos estudantes regularmente matriculados no ano de 2014
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,
sendo um do ano, um do ano, um do ano e um do ano do Ensino
Fundamental. Excluímos os cadernos dos estudantes que reprovaram por nota
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e/ou frequência no ano de 2014. Desta forma, este instrumento é fonte
privilegiada para confrontar com as entrevistas e os documentos escolares e
compreender se e como ocorre a Educação do Campo na escola investigada.
A análise foi feita de modo a contemplar algumas categorias pré-estabelecidas
conforme explicitadas nas DCEC (2006) de tal forma que deem sentido à questão
de pesquisa proposta, mas procurando dar “espaço para a emergência do novo”
(DUARTE, 2004) com o objetivo de não excluir um dado relevante que não estava
previsto no projeto.
Partindo desse entendimento, a seguir serão apresentados aspectos da
cultura escolar da escola do campo e as categorias estabelecidas a partir dela para
análise dos dados.
CULTURA ESCOLAR DO CAMPO
De acordo com Julia (2001), a cultura escolar é concebida:
[...] como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e
condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão
desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e
práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas
(finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização).
Normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo
profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e,
portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua
aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores (JULIA,
2001, p.10).
Vidal (2005, p.19), porém, compreende a cultura escolar “como constituída
pela apropriação criativa de modelos, baseada na relação entre determinantes
sociais e históricas e as urgências próprias da organização e do funcionamento
escolares”.
Desta forma, os determinantes sociais e históricos definem normas, práticas e
finalidades que fazem com que exista uma cultura escolar do campo.
Para os estudantes que vivem no campo, é importante que lhes seja permitido
apresentar seus conhecimentos prévios
5
na sala de aula criando “condições para
que o estudante desinteressado se torne motivado e proporcionando um
ambiente que sustente e otimize a motivação dos aprendizes perante as atividades
escolares para que eles as valorizem e desejem nelas se engajar” (CAVENAGHI;
BZUNECK, 2009, p. 10) para que ele se sinta à vontade e seguro em uma aula de
matemática e possa mostrar para todos o conhecimento que ele traz consigo e
como consequência, ter o melhor ensino/aprendizado da matemática possível. Os
professores deveriam ter conhecimento sobre a importância de trabalhar a vida
do campo e a vida que o estudante presencia dentro da sala de aula.
Valorizar um saber local do campo não significa negligenciar um saber
matemático de referência, pois um não exclui o outro. Em entrevista a Barbosa
(2014), Gelsa Knijnik fala com maestria sobre os saberes locais e os saberes
hegemônicos:
É óbvio que eles têm direito de ter acesso aos saberes hegemônicos, só que
o preço a ser pago não é o apagamento dos seus saberes, das suas histórias