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Diferentes encaminhamentos para um
mesmo tema em atividades de modelagem
matemática
RESUMO
Elida Maiara Velozo de Castro
elidamaiara.vc@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-2310-1774
Universidade Estadual do Paraná
(UNESPAR), União da Vitória, Paraná,
Brasil
Michele Regiane Dias Veronez
miredias@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-9464-1498
Universidade Estadual do Paraná
(UNESPAR) Apucarana, Paraná, Brasil
Pesquisas sobre modelagem matemática na educação matemática têm apresentado
contribuições relevantes para o ensino, bem como têm provocado reflexões acerca da
utilização do recurso como meio didático voltado para a compreensão de situações do
cotidiano ou do interesse dos alunos. O presente estudo tem como objetivo discutir como
diferentes atividades de modelagem matemática podem surgir de um mesmo tema de
interesse. Assim, apresentamos os encaminhamentos adotados por dois grupos de alunos,
do 8
o
ano do Ensino Fundamental, destacando a dinâmica proporcionada por atividades de
modelagem matemática no contexto das aulas de matemática. Este trabalho segue
orientações da abordagem qualitativa, uma vez que utiliza dados que requerem
interpretação: observações em sala de aula, transcrições das gravações em áudio, registros
escritos e demais produções dos alunos. Os resultados apontam que uma mesma temática,
estudada por grupos distintos, embora possa apresentar alguns aspectos tratados de
maneira semelhantes, se diferencia em vários outros aspectos. Em ambiente de modelagem
matemática a aplicação do tema comum varia, por exemplo, nos conceitos matemáticos
utilizados no desenvolvimento de cada atividade, trazendo à tona diferentes
conhecimentos matemáticos e não matemáticos dos alunos.
PALAVRAS-CHAVE: Atividades de modelagem matemática. Fases da Modelagem
Matemática. Encaminhamentos.
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INTRODUÇÃO
A crítica ao modelo de ensino tradicional e conteudista nos remete a pensar
na necessidade de metodologias, alternativas e práticas pedagógicas capazes de
incentivar o aluno a desenvolver capacidades de criar, de construir e de aprender
conceitos que permitam a leitura e compreensão do mundo real.
A ideia de formação de indivíduos aptos a aprender por meio de atividades
que envolvam fenômenos de seu cotidiano, da sua realidade, buscando explicá-los
matematicamente, agindo e decidindo em determinadas circunstâncias, pode ser
proporcionada pela Modelagem Matemática.
Embora existam diversas concepções e abordagens que tratam da Modelagem
Matemática na Educação Matemática, Tortola, Rezende e Santos (2010) destacam
que elas possuem ideias comuns; como o fato de que sinalizam o uso de situações
cotidianas para o ensino e aprendizagem da Matemática. O desenvolvimento de
atividades de modelagem matemática em sala de aula possibilita trabalhar
diversas potencialidades e conhecimentos dos alunos ao mesmo tempo em que é
favorecido explorar situações que os levem a mobilizar seus conhecimentos e
complementá-los à medida que se envolvem com o tema que originou a atividade
de modelagem e buscam uma resposta para o problema identificado a partir do
tema em estudo.
Dessa forma, o tema de investigação que orienta a atividade de modelagem
matemática pode gerar inúmeras possibilidades de estudo e atender a diferentes
propósitos pedagógicos. Nesse trabalho olhamos para os diferentes modos que
dois grupos de alunos trataram um tema que originou, portanto, duas atividades
de modelagem. Esse fato nos remete a considerar e refletir sobre o modo como
um mesmo tema pode conduzir os alunos a diferentes problemas,
encaminhamentos e estratégias, elucidando o caráter “aberto” e flexível de
atividades de modelagem matemática. Este artigo é derivado de um trabalho
apresentado no XIV Encontro Paranaense de Educação Matemática (EPREM).
Assim, temos por objetivo discutir acerca dos encaminhamentos assumidos
por dois grupos de alunos de um 8
o
ano ao desenvolverem atividades de
modelagem matemática a partir de um mesmo tema. Para tanto, abordamos as
fases da Modelagem Matemática, apresentamos os aspectos metodológicos do
estudo, elucidamos a análise realizada com base nos encaminhamentos assumidos
pelos alunos em cada fase da atividade e, por fim, tecemos algumas considerações
sobre o estudo realizado.
A MODELAGEM MATEMÁTICA E SUAS FASES
De modo geral, uma atividade de modelagem matemática, segundo Veronez
e Veleda (2016, p.1238) “parte de um problema da realidade, sendo que na busca
por soluções para esse problema utiliza-se conhecimentos matemáticos”. A
Modelagem Matemática consiste, portanto, em partir de uma situação inicial,
também conhecida como problemática, e chegar a uma situação final, que
corresponde à solução para a problemática, que vem associada a uma
representação ou modelo matemático
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(ALMEIDA; SILVA; VERTUAN, 2013).
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Nesta transição da situação inicial para a final há mobilização de um conjunto
de procedimentos. Tais procedimentos compreendem o entendimento da situação
por parte dos alunos e são manifestados por eles na organização das informações,
no levantamento de hipóteses, nos conceitos matemáticos, ou seja, nos
encaminhamentos que assumem enquanto investigam o problema que se
propuseram estudar.
Na intenção de amparar, orientar e, de certo modo, organizar o
desenvolvimento de atividades de modelagem matemática, Almeida, Silva e
Vertuan (2013) sugerem algumas fases para a Modelagem Matemática: inteiração,
matematização, resolução, interpretação de resultados e validação. Entretanto,
segundo os autores, como atividades dessa natureza têm caráter aberto e flexível,
a ordem em que essas fases aparecem pode variar, bem como o tempo destinado
a cada uma delas, de acordo com a dinâmica que demanda cada situação e com o
movimento de “ida e vinda” entre as fases
2
.
A fase inteiração refere-se ao primeiro contato com a situação-problema,
definida como o ato de inteirar-se. Significa que nessa fase é momento de
informar-se, tornar-se ciente, tomar conhecimento a respeito da situação. Essa
fase da atividade de modelagem matemática acontece a partir da escolha do tema
e tem como foco a busca por informações, com vistas a conhecer características
da situação em estudo. Nesta fase é o momento de tornar alguns aspectos
conhecidos e conduzir a formulação ou identificação do problema matemático, ao
mesmo tempo em que se definem metas para a sua resolução.
Se o momento é de tornar o tema conhecido, faz-se necessário consultar
fontes como livros, sites, revistas, entrevistas com pessoas especialistas no assunto
e pesquisa de campo, que embasem e auxiliem a compreensão da situação.
Conhecer aspectos da situação em foco sugere pesquisar, registrar e discutir
informações e coletar dados qualitativos e/ou quantitativos sobre o tema, que
sirvam de respaldo para desenvolver a atividade de modelagem matemática.
Como ao longo do desenvolvimento da atividade de modelagem matemática
pode surgir a necessidade de novas informações relativas ao contexto do tema
escolhido, a inteiração, embora seja uma fase inicial, pode estender-se durante
todo o desenvolvimento da atividade.
A situação-problema identificada na fase inteiração geralmente se apresenta
em linguagem natural, isso evidencia a necessidade da transição da linguagem
natural para a linguagem matemática, momento que Almeida, Silva e Vertuan
(2013, p.16), denominam matematização e definem como
a busca e elaboração de uma representação matemática são mediadas por
relações entre as características da situação e os conceitos, técnicas e
procedimentos matemáticos adequados para representar matematicamente
essas características. Daí que a segunda fase da Modelagem Matemática é
caracterizada por “matematização”, considerando esses processos de
transição de linguagens, de visualização e de uso de símbolos para realizar
descrições matemáticas.
Essa fase, matematização, prioriza a descrição matemática do problema,
requer a seleção de variáveis, o levantamento de hipóteses e o encaminhamento
da elaboração do modelo matemático, levando em consideração aspectos da
situação inicial, entendidos como relevantes para o problema investigado
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(VERTUAN, 2013). A descrição matemática da situação, nesse sentido, possibilita
atribuir significado matemático à organização da realidade, ou seja, a
matematização pode ser descrita como uma tradução de linguagens que permite
retratar a realidade por meio de regras, métodos e teorias matemáticas. A fase
matematização, de modo geral, evidencia técnicas e procedimentos matemáticos
a serem utilizados na fase de resolução.
A resolução é a fase que consiste na elaboração de um modelo matemático
com o objetivo de descrever e analisar aspectos relevantes da situação, responder
às questões e à problemática admitida na situação inicial, sendo possível, em
alguns casos, realizar previsões para o problema em foco.
Nessa fase o sujeito utiliza conceitos, técnicas, métodos e representações
matemáticas, põe em uso seus conhecimentos prévios, busca padrões,
recorre a ferramentas computacionais, coordena diferentes representações
dos objetos matemáticos, busca conhecer conceitos novos e ressignifica os já
conhecidos [...] (VERTUAN, 2013, p.35).
Nessa compreensão o modelo matemático, construído nessa fase, é
reconhecido como uma estrutura matemática que representa alguma coisa cuja
finalidade pode ser “prever o comportamento de um fenômeno, ser demonstrativo
de algo (como uma maquete), ter um fim pedagógico (auxiliar na ilustração de um
conceito), ser descritivo de algo, entre outras coisas” (ALMEIDA; SILVA; VERTUAN,
2013, p.13). Ao utilizar-se de um conjunto de símbolos e relações matemáticas,
que retratam de alguma forma a situação em estudo e direcionam para uma
solução para o problema advindo dessa situação é que o modelo matemático pode
ser evidenciado. Além de expor e explicar características matemáticas da situação,
o modelo matemático carrega características dela.
A obtenção do modelo, dessa forma, é sempre uma aproximação conveniente
da realidade analisada, mas que, segundo Bassanezi (1999), não garante a
resolução do problema, nem conclui uma verdade definitiva. Assim, se um modelo
não atinge a determinados objetivos ou é inadequado para representar a situação
em estudo, é natural a busca por novos caminhos que permitam construir outro
melhor ou analisá-lo admitindo como referência um modelo já conhecido.
Nesse sentido Veronez (2013), descreve que
a elaboração de modelos matemáticos não tem um fim em si mesma; visa
incentivar a busca por uma solução para o problema evidenciado na situação
inicial, alicerçada por atitudes interpretativas. Essa busca também conduz a
uma leitura da situação ou à retomada de alguns aspectos não considerados
em momento anterior. Além disso, no contexto de sala de aula, favorece
discussões sobre conceitos, notações e/ou procedimentos matemáticos
(p.24).
A autora deixa claro que a elaboração do modelo não garante a solução do
problema, mas que dela decorre a necessidade de interpretar as respostas e
verificar se esta satisfaz a situação inicial. Caso contrário, é necessário retomar a
situação e adotar outros possíveis encaminhamentos para a resolução do mesmo
problema.
Analisar a solução no contexto da situação inicial constitui um processo
avaliativo realizado pelos envolvidos com a atividade. Segundo Almeida, Silva e
Vertuan (2013), a fase caracterizada como interpretação de resultados e validação,
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leva em consideração os procedimentos matemáticos e a resposta obtida no
sentido de analisar se ela é adequada. É também nessa fase que se avalia o
processo de construção de modelos e se valida o(s) resultado(s) para o problema,
para, posteriormente, avaliar a resposta quanto a sua validade e importância.
Vertuan (2013, p.36), afirma que caso os alunos que lidam com a situação
entendam que a resposta é adequada, eles devem comunicar “a resposta do
problema para os outros alunos de modo a argumentar e convencer o outro de que
a solução apresentada é razoável e consistente, tanto do ponto de vista
matemático quanto do ponto de vista da situação inicial”. Ainda segundo o autor,
se a resposta obtida não for aceitável é necessário buscar novas informações,
reestruturar as hipóteses e reiniciar o processo, sendo pertinente retornar à
situação inicial e rever escolhas e procedimentos.
De modo geral, as fases relativas a uma atividade de modelagem matemática,
segundo Almeida, Silva e Vertuan (2013), evidenciam alguns aspectos relevantes
em atividades dessa natureza que podem ser descritos como: a situação-problema
que início à atividade; os procedimentos de resolução e as soluções, ainda
alheios ao conhecimento dos envolvidos; o processo de investigação de um
problema; os conceitos matemáticos utilizados e; a análise interpretativa da
solução. No Quadro 1 destacamos as principais características de cada uma das
fases que tornam esses aspectos evidentes.
Quadro 1 -As fases da Modelagem Matemática e suas características.
Fase
Principais características
Inteiração
- Inteiração do assunto.
- Consulta a diferentes fontes de pesquisa.
- Conhecimento de aspectos relativos ao tema.
-Coleta, discussão, registro e seleção de informações.
- Formulação ou identificação de um problema a resolver.
- Definição de metas para a resolução do problema.
Matematização
- Tradução do problema da linguagem natural para a linguagem matemática.
- Seleção de variáveis.
- Levantamento de hipóteses.
- Evidência de técnicas e procedimentos matemáticos que podem auxiliar na
resolução do problema em estudo.
Resolução
- Utilização de conceitos, técnicas, métodos e representações matemáticas.
- Recorrência a ferramentas tecnológicas e/ou computacionais.
- Construção e/ou utilização de modelos matemáticos.
-Respostas às questões e à problemática admitida na situação inicial.
Interpretação
de Resultados e
Validação
- Análise do(s) resultado(s) obtido(s).
- Verificação dos métodos e/ou procedimentos matemáticos utilizados,
analisando se foram adequados para responder ao problema em estudo.
-Certificação de que a(s) solução(ões) encontrada(s) satisfaz(em) o problema
identificado.
Fonte: adaptado de Castro (2017).
Convém destacar que não necessariamente todas essas características vão
acontecer em uma mesma atividade, nem mesmo uma ordem para que elas
aconteçam. Contudo, os aspectos supracitados, inerentes a uma atividade de
modelagem matemática, são o que, de fato, ficam evidentes no desenvolvimento
de uma atividade de modelagem e estão associados às fases da Modelagem
Matemática.
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Isso implica reconhecer que tão importante quanto a solução para o problema
são os encaminhamentos e procedimentos que medeiam a transição da situação
inicial para a situação final.
A resposta para o problema depende, de modo geral, dos encaminhamentos
e procedimentos adotados pelos alunos e de seus conhecimentos e das
intervenções realizadas pelo professor. Todavia, é importante que tais
intervenções e a independência dos alunos mantenham certo grau de
equilíbrio, de forma a garantir autonomia dos alunos frente ao problema em
estudo e em relação às estratégias de resolução adotadas (VERONEZ, 2013,
p.27).
A ação do professor em atividades de modelagem matemática é de mediador
entre o conhecimento matemático dos alunos e os encaminhamentos por eles
assumidos. Na busca por responder ao problema identificado, decorrente da
situação a ser investigada, é que as intervenções docentes acontecem. Porém, elas
devem oportunizar a autonomia do aluno na tomada de decisões, na escolha de
estratégias e na adoção de procedimentos e encaminhamentos que visam
construir soluções para o problema que originou a atividade.
Segundo Vertuan (2010, p.2), atividades de modelagem matemática
evidenciam uma representação da realidade sob a ótica daqueles que investigam
a situação. Isso implica no fato de que diferentes grupos de alunos podem construir
representações distintas de uma mesma realidade, ou seja, de uma mesma
situação”. Dessa maneira, cada situação pode ser vista sob diferentes ângulos e
admitir inúmeras possibilidades de problemas a serem explorados, o que suscita
também diversos resultados, válidos ou não.
Nesse contexto Veronez (2013, p.21), escreve que se o ponto de partida de
uma atividade de modelagem matemática é uma situação, diversas são as
possibilidades de investigação a seu respeito”. Para esta autora são inúmeras as
possibilidades de encaminhamentos que podem ser assumidos para uma mesma
situação, que após realizar “um recorte” de tal situação os problemas
evidenciados podem ser distintos, conduzindo diversas formas de investigações.
A partir do propósito desta investigação, que considera dois
encaminhamentos dados a um mesmo tema que origina, portanto, duas atividades
de modelagem matemática, apresentamos nossas opções metodológicas na seção
a seguir.
ASPECTOS METODOLÓGICOS
Para a presente investigação, que segue orientações da abordagem qualitativa
na medida em que se preocupa com a compreensão interpretativa do fenômeno