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http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
Diferentes encaminhamentos para um
mesmo tema em atividades de modelagem
matemática
RESUMO
Elida Maiara Velozo de Castro
elidamaiara.vc@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-2310-1774
Universidade Estadual do Paraná
(UNESPAR), União da Vitória, Paraná,
Brasil
Michele Regiane Dias Veronez
miredias@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-9464-1498
Universidade Estadual do Paraná
(UNESPAR) Apucarana, Paraná, Brasil
Pesquisas sobre modelagem matemática na educação matemática têm apresentado
contribuições relevantes para o ensino, bem como têm provocado reflexões acerca da
utilização do recurso como meio didático voltado para a compreensão de situações do
cotidiano ou do interesse dos alunos. O presente estudo tem como objetivo discutir como
diferentes atividades de modelagem matemática podem surgir de um mesmo tema de
interesse. Assim, apresentamos os encaminhamentos adotados por dois grupos de alunos,
do 8
o
ano do Ensino Fundamental, destacando a dinâmica proporcionada por atividades de
modelagem matemática no contexto das aulas de matemática. Este trabalho segue
orientações da abordagem qualitativa, uma vez que utiliza dados que requerem
interpretação: observações em sala de aula, transcrições das gravações em áudio, registros
escritos e demais produções dos alunos. Os resultados apontam que uma mesma temática,
estudada por grupos distintos, embora possa apresentar alguns aspectos tratados de
maneira semelhantes, se diferencia em vários outros aspectos. Em ambiente de modelagem
matemática a aplicação do tema comum varia, por exemplo, nos conceitos matemáticos
utilizados no desenvolvimento de cada atividade, trazendo à tona diferentes
conhecimentos matemáticos e não matemáticos dos alunos.
PALAVRAS-CHAVE: Atividades de modelagem matemática. Fases da Modelagem
Matemática. Encaminhamentos.
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INTRODUÇÃO
A crítica ao modelo de ensino tradicional e conteudista nos remete a pensar
na necessidade de metodologias, alternativas e práticas pedagógicas capazes de
incentivar o aluno a desenvolver capacidades de criar, de construir e de aprender
conceitos que permitam a leitura e compreensão do mundo real.
A ideia de formação de indivíduos aptos a aprender por meio de atividades
que envolvam fenômenos de seu cotidiano, da sua realidade, buscando explicá-los
matematicamente, agindo e decidindo em determinadas circunstâncias, pode ser
proporcionada pela Modelagem Matemática.
Embora existam diversas concepções e abordagens que tratam da Modelagem
Matemática na Educação Matemática, Tortola, Rezende e Santos (2010) destacam
que elas possuem ideias comuns; como o fato de que sinalizam o uso de situações
cotidianas para o ensino e aprendizagem da Matemática. O desenvolvimento de
atividades de modelagem matemática em sala de aula possibilita trabalhar
diversas potencialidades e conhecimentos dos alunos ao mesmo tempo em que é
favorecido explorar situações que os levem a mobilizar seus conhecimentos e
complementá-los à medida que se envolvem com o tema que originou a atividade
de modelagem e buscam uma resposta para o problema identificado a partir do
tema em estudo.
Dessa forma, o tema de investigação que orienta a atividade de modelagem
matemática pode gerar inúmeras possibilidades de estudo e atender a diferentes
propósitos pedagógicos. Nesse trabalho olhamos para os diferentes modos que
dois grupos de alunos trataram um tema que originou, portanto, duas atividades
de modelagem. Esse fato nos remete a considerar e refletir sobre o modo como
um mesmo tema pode conduzir os alunos a diferentes problemas,
encaminhamentos e estratégias, elucidando o caráter “aberto” e flexível de
atividades de modelagem matemática. Este artigo é derivado de um trabalho
apresentado no XIV Encontro Paranaense de Educação Matemática (EPREM).
Assim, temos por objetivo discutir acerca dos encaminhamentos assumidos
por dois grupos de alunos de um 8
o
ano ao desenvolverem atividades de
modelagem matemática a partir de um mesmo tema. Para tanto, abordamos as
fases da Modelagem Matemática, apresentamos os aspectos metodológicos do
estudo, elucidamos a análise realizada com base nos encaminhamentos assumidos
pelos alunos em cada fase da atividade e, por fim, tecemos algumas considerações
sobre o estudo realizado.
A MODELAGEM MATEMÁTICA E SUAS FASES
De modo geral, uma atividade de modelagem matemática, segundo Veronez
e Veleda (2016, p.1238) “parte de um problema da realidade, sendo que na busca
por soluções para esse problema utiliza-se conhecimentos matemáticos”. A
Modelagem Matemática consiste, portanto, em partir de uma situação inicial,
também conhecida como problemática, e chegar a uma situação final, que
corresponde à solução para a problemática, que vem associada a uma
representação ou modelo matemático
¹
(ALMEIDA; SILVA; VERTUAN, 2013).
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Nesta transição da situação inicial para a final há mobilização de um conjunto
de procedimentos. Tais procedimentos compreendem o entendimento da situação
por parte dos alunos e são manifestados por eles na organização das informações,
no levantamento de hipóteses, nos conceitos matemáticos, ou seja, nos
encaminhamentos que assumem enquanto investigam o problema que se
propuseram estudar.
Na intenção de amparar, orientar e, de certo modo, organizar o
desenvolvimento de atividades de modelagem matemática, Almeida, Silva e
Vertuan (2013) sugerem algumas fases para a Modelagem Matemática: inteiração,
matematização, resolução, interpretação de resultados e validação. Entretanto,
segundo os autores, como atividades dessa natureza têm caráter aberto e flexível,
a ordem em que essas fases aparecem pode variar, bem como o tempo destinado
a cada uma delas, de acordo com a dinâmica que demanda cada situação e com o
movimento de “ida e vinda” entre as fases
2
.
A fase inteiração refere-se ao primeiro contato com a situação-problema,
definida como o ato de inteirar-se. Significa que nessa fase é momento de
informar-se, tornar-se ciente, tomar conhecimento a respeito da situação. Essa
fase da atividade de modelagem matemática acontece a partir da escolha do tema
e tem como foco a busca por informações, com vistas a conhecer características
da situação em estudo. Nesta fase é o momento de tornar alguns aspectos
conhecidos e conduzir a formulação ou identificação do problema matemático, ao
mesmo tempo em que se definem metas para a sua resolução.
Se o momento é de tornar o tema conhecido, faz-se necessário consultar
fontes como livros, sites, revistas, entrevistas com pessoas especialistas no assunto
e pesquisa de campo, que embasem e auxiliem a compreensão da situação.
Conhecer aspectos da situação em foco sugere pesquisar, registrar e discutir
informações e coletar dados qualitativos e/ou quantitativos sobre o tema, que
sirvam de respaldo para desenvolver a atividade de modelagem matemática.
Como ao longo do desenvolvimento da atividade de modelagem matemática
pode surgir a necessidade de novas informações relativas ao contexto do tema
escolhido, a inteiração, embora seja uma fase inicial, pode estender-se durante
todo o desenvolvimento da atividade.
A situação-problema identificada na fase inteiração geralmente se apresenta
em linguagem natural, isso evidencia a necessidade da transição da linguagem
natural para a linguagem matemática, momento que Almeida, Silva e Vertuan
(2013, p.16), denominam matematização e definem como
a busca e elaboração de uma representação matemática são mediadas por
relações entre as características da situação e os conceitos, técnicas e
procedimentos matemáticos adequados para representar matematicamente
essas características. Daí que a segunda fase da Modelagem Matemática é
caracterizada por “matematização”, considerando esses processos de
transição de linguagens, de visualização e de uso de símbolos para realizar
descrições matemáticas.
Essa fase, matematização, prioriza a descrição matemática do problema,
requer a seleção de variáveis, o levantamento de hipóteses e o encaminhamento
da elaboração do modelo matemático, levando em consideração aspectos da
situação inicial, entendidos como relevantes para o problema investigado
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(VERTUAN, 2013). A descrição matemática da situação, nesse sentido, possibilita
atribuir significado matemático à organização da realidade, ou seja, a
matematização pode ser descrita como uma tradução de linguagens que permite
retratar a realidade por meio de regras, métodos e teorias matemáticas. A fase
matematização, de modo geral, evidencia técnicas e procedimentos matemáticos
a serem utilizados na fase de resolução.
A resolução é a fase que consiste na elaboração de um modelo matemático
com o objetivo de descrever e analisar aspectos relevantes da situação, responder
às questões e à problemática admitida na situação inicial, sendo possível, em
alguns casos, realizar previsões para o problema em foco.
Nessa fase o sujeito utiliza conceitos, técnicas, métodos e representações
matemáticas, põe em uso seus conhecimentos prévios, busca padrões,
recorre a ferramentas computacionais, coordena diferentes representações
dos objetos matemáticos, busca conhecer conceitos novos e ressignifica os já
conhecidos [...] (VERTUAN, 2013, p.35).
Nessa compreensão o modelo matemático, construído nessa fase, é
reconhecido como uma estrutura matemática que representa alguma coisa cuja
finalidade pode ser “prever o comportamento de um fenômeno, ser demonstrativo
de algo (como uma maquete), ter um fim pedagógico (auxiliar na ilustração de um
conceito), ser descritivo de algo, entre outras coisas” (ALMEIDA; SILVA; VERTUAN,
2013, p.13). Ao utilizar-se de um conjunto de símbolos e relações matemáticas,
que retratam de alguma forma a situação em estudo e direcionam para uma
solução para o problema advindo dessa situação é que o modelo matemático pode
ser evidenciado. Além de expor e explicar características matemáticas da situação,
o modelo matemático carrega características dela.
A obtenção do modelo, dessa forma, é sempre uma aproximação conveniente
da realidade analisada, mas que, segundo Bassanezi (1999), não garante a
resolução do problema, nem conclui uma verdade definitiva. Assim, se um modelo
não atinge a determinados objetivos ou é inadequado para representar a situação
em estudo, é natural a busca por novos caminhos que permitam construir outro
melhor ou analisá-lo admitindo como referência um modelo já conhecido.
Nesse sentido Veronez (2013), descreve que
a elaboração de modelos matemáticos não tem um fim em si mesma; visa
incentivar a busca por uma solução para o problema evidenciado na situação
inicial, alicerçada por atitudes interpretativas. Essa busca também conduz a
uma leitura da situação ou à retomada de alguns aspectos não considerados
em momento anterior. Além disso, no contexto de sala de aula, favorece
discussões sobre conceitos, notações e/ou procedimentos matemáticos
(p.24).
A autora deixa claro que a elaboração do modelo não garante a solução do
problema, mas que dela decorre a necessidade de interpretar as respostas e
verificar se esta satisfaz a situação inicial. Caso contrário, é necessário retomar a
situação e adotar outros possíveis encaminhamentos para a resolução do mesmo
problema.
Analisar a solução no contexto da situação inicial constitui um processo
avaliativo realizado pelos envolvidos com a atividade. Segundo Almeida, Silva e
Vertuan (2013), a fase caracterizada como interpretação de resultados e validação,
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leva em consideração os procedimentos matemáticos e a resposta obtida no
sentido de analisar se ela é adequada. É também nessa fase que se avalia o
processo de construção de modelos e se valida o(s) resultado(s) para o problema,
para, posteriormente, avaliar a resposta quanto a sua validade e importância.
Vertuan (2013, p.36), afirma que caso os alunos que lidam com a situação
entendam que a resposta é adequada, eles devem comunicar “a resposta do
problema para os outros alunos de modo a argumentar e convencer o outro de que
a solução apresentada é razoável e consistente, tanto do ponto de vista
matemático quanto do ponto de vista da situação inicial”. Ainda segundo o autor,
se a resposta obtida não for aceitável é necessário buscar novas informações,
reestruturar as hipóteses e reiniciar o processo, sendo pertinente retornar à
situação inicial e rever escolhas e procedimentos.
De modo geral, as fases relativas a uma atividade de modelagem matemática,
segundo Almeida, Silva e Vertuan (2013), evidenciam alguns aspectos relevantes
em atividades dessa natureza que podem ser descritos como: a situação-problema
que início à atividade; os procedimentos de resolução e as soluções, ainda
alheios ao conhecimento dos envolvidos; o processo de investigação de um
problema; os conceitos matemáticos utilizados e; a análise interpretativa da
solução. No Quadro 1 destacamos as principais características de cada uma das
fases que tornam esses aspectos evidentes.
Quadro 1 -As fases da Modelagem Matemática e suas características.
Fase
Principais características
Inteiração
- Inteiração do assunto.
- Consulta a diferentes fontes de pesquisa.
- Conhecimento de aspectos relativos ao tema.
-Coleta, discussão, registro e seleção de informações.
- Formulação ou identificação de um problema a resolver.
- Definição de metas para a resolução do problema.
Matematização
- Tradução do problema da linguagem natural para a linguagem matemática.
- Seleção de variáveis.
- Levantamento de hipóteses.
- Evidência de técnicas e procedimentos matemáticos que podem auxiliar na
resolução do problema em estudo.
Resolução
- Utilização de conceitos, técnicas, métodos e representações matemáticas.
- Recorrência a ferramentas tecnológicas e/ou computacionais.
- Construção e/ou utilização de modelos matemáticos.
-Respostas às questões e à problemática admitida na situação inicial.
Interpretação
de Resultados e
Validação
- Análise do(s) resultado(s) obtido(s).
- Verificação dos métodos e/ou procedimentos matemáticos utilizados,
analisando se foram adequados para responder ao problema em estudo.
-Certificação de que a(s) solução(ões) encontrada(s) satisfaz(em) o problema
identificado.
Fonte: adaptado de Castro (2017).
Convém destacar que não necessariamente todas essas características vão
acontecer em uma mesma atividade, nem mesmo uma ordem para que elas
aconteçam. Contudo, os aspectos supracitados, inerentes a uma atividade de
modelagem matemática, são o que, de fato, ficam evidentes no desenvolvimento
de uma atividade de modelagem e estão associados às fases da Modelagem
Matemática.
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Isso implica reconhecer que tão importante quanto a solução para o problema
são os encaminhamentos e procedimentos que medeiam a transição da situação
inicial para a situação final.
A resposta para o problema depende, de modo geral, dos encaminhamentos
e procedimentos adotados pelos alunos e de seus conhecimentos e das
intervenções realizadas pelo professor. Todavia, é importante que tais
intervenções e a independência dos alunos mantenham certo grau de
equilíbrio, de forma a garantir autonomia dos alunos frente ao problema em
estudo e em relação às estratégias de resolução adotadas (VERONEZ, 2013,
p.27).
A ação do professor em atividades de modelagem matemática é de mediador
entre o conhecimento matemático dos alunos e os encaminhamentos por eles
assumidos. Na busca por responder ao problema identificado, decorrente da
situação a ser investigada, é que as intervenções docentes acontecem. Porém, elas
devem oportunizar a autonomia do aluno na tomada de decisões, na escolha de
estratégias e na adoção de procedimentos e encaminhamentos que visam
construir soluções para o problema que originou a atividade.
Segundo Vertuan (2010, p.2), atividades de modelagem matemática
evidenciam uma representação da realidade sob a ótica daqueles que investigam
a situação. Isso implica no fato de que diferentes grupos de alunos podem construir
representações distintas de uma mesma realidade, ou seja, de uma mesma
situação”. Dessa maneira, cada situação pode ser vista sob diferentes ângulos e
admitir inúmeras possibilidades de problemas a serem explorados, o que suscita
também diversos resultados, válidos ou não.
Nesse contexto Veronez (2013, p.21), escreve que se o ponto de partida de
uma atividade de modelagem matemática é uma situação, diversas são as
possibilidades de investigação a seu respeito”. Para esta autora são inúmeras as
possibilidades de encaminhamentos que podem ser assumidos para uma mesma
situação, que após realizar “um recorte” de tal situação os problemas
evidenciados podem ser distintos, conduzindo diversas formas de investigações.
A partir do propósito desta investigação, que considera dois
encaminhamentos dados a um mesmo tema que origina, portanto, duas atividades
de modelagem matemática, apresentamos nossas opções metodológicas na seção
a seguir.
ASPECTOS METODOLÓGICOS
Para a presente investigação, que segue orientações da abordagem qualitativa
na medida em que se preocupa com a compreensão interpretativa do fenômeno
e das experiências do sujeito no contexto em que foram evidenciadas
(GOLDENBERG, 2004), consideramos os registros dos sujeitos envolvidos na
pesquisa, as anotações e observações feitas pela professora e as transcrições das
gravações em áudio dos diálogos desses sujeitos. Todos esses materiais referem-
se ao desenvolvimento de duas atividades de modelagem matemática, por dois
grupos de alunos de turmas distintas.
As atividades de modelagem matemática abordadas neste trabalho foram
desenvolvidas, durante 15 aulas, por alunos de duas turmas de 8
o
ano do Ensino
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Fundamental, denominadas 8
o
A e 8
o
B, de uma escola da rede pública de ensino,
em uma comunidade rural, em que a primeira autora era também professora da
disciplina de Matemática nas turmas referidas. Nessas atividades a escolha do
tema ficou a critério dos alunos a partir do convite da professora aos grupos,
solicitando que escolhessem um tema de seu interesse ou que apresentassem
alguma relação com sua realidade. Assim, cada grupo teve a oportunidade de optar
por um assunto de seu interesse, ou seja, cada grupo trabalhou com um tema
diferente do outro. Na turma A, por exemplo, os temas escolhidos foram: música,
milho, futebol, feijão, dinossauros, planetas do sistema solar e fumicultura.
Enquanto que na turma b, os alunos definiram como tema de estudo WhatsApp,
maracujá, motos, erva-mate e fumicultura.
Neste estudo, apresentamos algumas reflexões sobre o tema fumicultura, ou
seja, cultivo de tabaco/fumo, pelo fato de que ambos os grupos de alunos, um da
turma A e outro da turma B, optarem pelo mesmo tema. Essa escolha em comum
instigou nosso interesse por discutir acerca dos diferentes encaminhamentos
assumidos pelos alunos ao desenvolverem atividades de modelagem matemática
distintas, a partir do mesmo tema.
Tendo esse objetivo, organizamos os dados coletados de modo a facilitar a
compreensão e argumentação que aqui apresentamos. Essa organização nos
auxiliou na análise dos registros dos alunos, das transcrições dos áudios e do
recorte dessas transcrições trazidos em forma de Episódios. Tais Episódios
retratam os diálogos, do grupo A, constituído por três meninos aos quais
trataremos como A1, A2 e A3 e do grupo B, formadas por três meninas, nominadas
B1, B2 e B3. Todos esses alunos têm idade entre 13 e 14 anos.
A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa (COMEP) da
Unicentro, por meio da Plataforma Brasil, que apresenta o CAAE
(47576815.5.0000.0106) e cujo parecer de aprovação (número1.213.285) foi
gerado em 03 de setembro de 2015.
DIFERENTES ENCAMINHAMENTOS PARA UM MESMO TEMA EM MODELAGEM
MATEMÁTICA
A justificativa para a escolha do tema fumicultura, de ambos os grupos, foi
amparado no fato de que os pais, da maioria dos alunos desses grupos,
trabalhavam no cultivo de tabaco. Sendo membros de famílias de fumicultores, a
maioria das informações coletadas pelos alunos foi obtida com os pais e/ou com
representantes de indústria fumageira.
A opção por um tema próximo da realidade dos alunos se aproxima da
assertiva de D’Ambrósio (2016, p.2), ao enfatizar que a ação resulta de estratégias
motivadas pela necessidade e/ou desejo que tem cada indivíduo de explicar,
conhecer, entender, lidar, manejar, conviver com a realidade, e obviamente resulta
da informação que o indivíduo dela recebeu”. Fato que também se evidencia
nesses relatos dos alunos: “nós achamos que fosse ser fácil”, “porque sei sobre o
tema” e “porque tem muita matemática”.
No grupo A, partindo da situação inicial “processos de produção de fardos de
fumo”, a fase inteiração consistiu em obter informações a partir de entrevistas
com familiares, de pesquisa de campo. Os dados coletados se relacionaram a
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conhecimentos diversos como: importância econômica da fumicultura para a
região, perigo dos agrotóxicos, uso dos Equipamentos de Proteção Individual
(EPI’s), malefícios do tabaco, processo de produção, entre outros. A partir disso, os
alunos selecionaram as informações relacionadas ao tamanho da folha,
quantidade de folhas por boneca
3
, quantidade de bonecas em um fardo,
quantidade de cabinhos que cabem em uma estufa, entre outras de conhecimento
cotidiano.
O Quadro 2 ilustra algumas dessas informações.
Quadro 2 - Informações sobre produção de fumo.
Fonte: registros dos alunos - Grupo A (2015).
Ao analisar os elementos obtidos na pesquisa que realizaram, ainda na fase
inteiração, o grupo foi encaminhando a estruturação do problema. Essa
estruturação iniciou-se com discussões acerca das informações obtidas e da
afirmação levantada por um dos alunos, quando disse que, quanto maior for o
tamanho (comprimento) das folhas, menos bonecas serão necessárias para encher
a enfardadeira. Ele completou ainda que a quantidade de 120 bonecas que são
necessárias para fazer um fardo (conforme registro no quadro 2) pode variar.
Diante disso, o grupo discutiu que, embora a quantidade de bonecas varie, o
tamanho do fardo é sempre igual, pois se utiliza a enfardadeira para, nas palavras
deles, “apertar” o fumo e amarrá-lo em fardos. Esse termo “apertar” foi discutido
com a professora e demais colegas, passando a substituir seu uso por pressionar
ou prensar. Outro aluno desse grupo ressaltou que, ao prensar o fumo na
enfardadeira, ele diminui de tamanho, ou seja, como há esse processo de prensar
as bonecas, independentemente da quantidade inicial elas perdem “tamanho” e
os fardos ficam sempre muito parecidos (em dimensões). A questão do “tamanho”
dos fardos, tornou-se também motivo de discussão e estudo, que após várias
indicações, questionamentos e esclarecimentos da professora, compreenderam se
tratar do volume. Assim, eles encaminharam o seguinte problema: “Qual o volume
que as bonecas de fumo diminuem ao serem prensadas na enfardadeira?”
Enunciado esse problema, os alunos passaram às fases matematização e
resolução, que os levou a considerar as dimensões da enfardadeira utilizada pelos
familiares de um dos alunos do grupo como hipótese, reconhecendo que podem
existir outros tamanhos. Também definem as variáveis e dados considerados para
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o desenvolvimento da atividade, com ênfase nas dimensões de uma caixa
enfardadeira. Sendo assim, os alunos identificaram as medidas da “caixa de
enfardar”, a qual é utilizada para prensar o fumo formando fardos. Essa medida foi
obtida pelos alunos, quando eles fizeram a medição da enfardadeira que um deles
tinha em casa. A partir disso, eles conheciam a medida do comprimento e da
altura, 60 cm e 1 m, respectivamente, porém, para calcular o volume eles ainda
precisavam da medida do comprimento da enfardadeira. O Episódio A1 retrata a
dificuldade em chegar a um consenso, vivenciada pelos alunos.
Episódio A1
A1: É 45 cm.
A2: Da onde? Não é essa medida![sic]
Professora: Vamos pegar duas réguas para ver. Olhem, 45 cm é mais ou menos
desse tamanho aqui.
A2: Está vendo. Falei que é maior.
A1: A nossa enfardadeira é desse tamanho! Vamos usar essa medida?
Após chegar ao consenso de usar as medidas apresentadas por A1, os alunos
esboçaram o desenho da enfardadeira conforme Figura 1.
Figura 1 - Desenho do formato da enfardadeira de fumo
Com essa representação os alunos assumiram as dimensões da caixa como
sendo 1m de altura, 60 cm de comprimento e 45 cm de largura e passaram a buscar
maneiras sobre como realizar o cálculo do volume. Depois de debaterem acerca
de alguns questionamentos e de uma breve explicação da professora, os alunos
conseguiram compreender o conceito de m
3
e, a partir de então, construírem a
ideia de volume. Ou seja, compreenderam o que significa o volume enquanto
grandeza ao calcular o volume de um paralelepípedo retângulo a partir da
expressão: v=c.l.a, em que v é volume; c comprimento; l largura e; a altura.
Porém, eles estavam trabalhando com unidades diferentes (cm e m) e
deveriam fazer a transformação de unidade de medidas para, posteriormente,
realizar o cálculo de volume. Para realizar a transformação de unidades (cm para
m) os alunos se utilizaram de regra de três simples após reconhecer que 1 m é
constituído de 100 cm. Os resultados expressos no Quadro 3 ilustram o cálculo do
volume realizado pelos alunos.
Quadro 3 - Cálculo do volume da enfardadeira cheia de bonecas de fumo.
Em cm
3
:V= c.l.a
V= 60.45.100
V= 270.000 cm
3
Em m
3
: V = c.l.a
V = 0,6 .0,45 .1
V = 0,27 m
3
Fonte: registros dos alunos - Grupo A (2015).
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Ao conhecer o volume da caixa de enfardar, os alunos calcularam o volume do
fardo de fumo prensado (Quadro 4), para isso, a professora questionou-os sobre
quantos cm consegue-se prensar o fumo, ou seja, quanto diminui ou abaixa” o
fardo ao ser prensado. Os alunos relataram que diminui em média 50 cm, ou seja,
mas que às vezes pode diminuir um pouco menos. Portanto, o fardo do fumo teria
dimensões iguais a 50 cm de altura, 60 cm de comprimento e 45 cm de largura,
visto que, pelas colocações dos alunos, as medidas de comprimento e de largura
não sofrem alteração.
Quadro 4 - Cálculo do volume das bonecas de fumo prensadas.
Em cm
3
: V = c.l.a
V = 60.45.50
V = 135.000 cm
3
Em m
3
: V = c.l.a
V = 0,6 .0,45 . 0,5
V = 0,135 m
3
Fonte: registro dos alunos.
Um fato interessante nesse momento da atividade de modelagem foi que os
alunos perceberam que uma das medidas sendo reduzida à metade, teria o volume
das bonecas também diminuído à metade, confirmando isso, inclusive pelo cálculo
em porcentagem. Quando eles relataram que essa redução nem sempre acontece
nessa proporção, porque ao passar pelo processo de compressão para fabricação
de fardos de fumo, o volume das bonecas de fumo classificado e seco, depende da
classe de fumo enfardada, fizeram novos cálculos para quando as bonecas
prensadas diminuem menos (45, 40 e 38). O que os permitiu concluir que o fardo
pode diminuir entre 40% a 50%, dependendo da classe de fumo enfardada. No
primeiro caso estudado, o volume diminuiu de 0,27 m
3
para 0,135 m
3
, ou seja, a
metade, porque foi considerado uma diminuição de 50% no processo de
compressão. Assim, escreveram as seguintes fórmulas V
t
= c. l. a 50%(c. l. a) e V
t
=
c.l.a
2
, isto é, o volume total (V
t
) pode ser calculado, ao invés de passo a passo como
eles fizeram inicialmente, por meio de uma única forma: a diferença entre o
volume total (c.l.a) do volume prensado (“x”% .c.l.a) o que depende da medida que
a altura das bonecas reduz.
Na fase interpretação e validação de resultados os alunos passaram a conferir
as medidas reais da enfardadeira e do fardo de fumo pronto, bem como a verificar
se os cálculos realizados estavam corretos, para então validar os resultados, com
vista à possível aceitação dos resultados obtidos.
Os alunos elaboraram um cartaz com informações que consideraram
relevantes e construíram uma réplica da enfardadeira, utilizando papelão e tinta,
como elemento auxiliar visual para facilitar o entendimento do trabalho e expor a
situação final, que se apresentava como o cálculo do volume de uma enfardadeira
cheia de bonecas de fumo e volume do fardo com as bonecas de fumo
prensadas.
Ao comunicar os resultados os alunos focalizaram as dimensões utilizadas
para descrever o tamanho da enfardadeira, porém as medidas utilizadas pelo
Grupo A foram contestadas por um aluno (A4) de outro grupo, que também tinha
conhecimento sobre o tema em estudo, conforme diálogo apresentado no
Episódio A2.
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Episódio A2
A4: Mas desse tamanho é muito pequena. A nossa é maior.
A1: Mas a nossa é desse tamanho mesmo.
A2: Eu também achava que era maior.
A5: Mas é que existem tamanhos diferentes gente! Depende de onde compra
ou encomenda para fazer sob medida. Nós temos da grande e da pequena. [sic]
O aluno A5 que, assim como A4, pertencia a outro grupo, apresentou a
possibilidade de existirem caixas de enfardar de diferentes tamanhos, o que levou
os alunos a concluir que os cálculos realizados estavam corretos para a situação
específica colocada por A1. Sendo assim, finalizaram a argumentação da validade
dos resultados e deram a atividade por concluída.
Por sua vez, o grupo B partiu da situação inicial “Produção das colheitas
baixeira e ponteira do fumo” e, na fase inteiração, realizaram a coleta dos dados
por meio de entrevista com familiares, entrevista com funcionário de indústria
tabageira (chamado por eles de “instrutor de fumo”), análise de notas de produtor
rural e pesquisa em sites relacionados. As informações obtidas atendiam a
conhecimentos diversos tais como: produção, consumo e estoque de fumo ao
longo dos anos, exportação e consumo mundial de fumo, trabalho infantil na
produção de fumo, vantagens do cultivo de fumo em relação a outras culturas,
histórico da introdução da fumicultura na região e as etapas de cultivo. No Quadro
5 aparecem algumas das informações coletadas pelos alunos.
Quadro 5 - Informações sobre produção de fumo.
Fonte: Registro dos alunos - Grupo B (2015).
A definição de um problema a resolver causou muitas divergências e
indecisão. Por ser um tema muito amplo, as alunas tiveram dificuldade em
delimitar um problema para ser explorado, conforme aparece no Episódio B1.
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Episódio B1
Professora: Olha, pensem que vocês podem escolher algum aspecto que vocês
conhecem em parte e que gostariam de aprender mais sobre ele.
B1: Eu queria pesquisar sobre preço ou a quantidade produzida em cada
colheita.
B2: Pois é, mas a gente sabe os preços das classes.
B3: Eu não entendo muito.
B2: E se nós estudássemos sobre o lucro de cada colheita?
B1: Baixeiro dá menos e ponteira dá melhor!
Professora: Primeira e última colheita é isso?
B2: Sim. Vamos pesquisar a diferença entre elas?
Ainda na fase inteiração, depois de muito diálogo e com o auxílio da
professora, as alunas optam por estudar o seguinte problema: “Em uma colheita,
qual é a produção estimada de fumo (considerando ele seco, sua classe e a
produção em Kg)? Qual a diferença de produção do baixeiro e da ponteira?”
Após a definição do problema, as alunas passaram às fases matematização e
resolução. Nas referidas fases, primeiramente, começaram por identificar os dados
a serem considerados e as variáveis que precisariam definir para ajudar a resolver
o problema, sendo elas: quantidade de fumo cultivada durante um período/ano
(90 mil pés, médio porte), produção de fumo seco na primeira colheita da safra
(baixeira), produção de fumo seco na última colheita da mesma safra (ponteira),
classificação das folhas de fumo seco, preço pago ao agricultor por kg e por classe
de fumo seco
4
. Uma das alunas, B1, ficou encarregada de levantar informações
complementares com seus pais, enquanto B2 falaria com uma pessoa de seu
conhecimento que trabalha como instrutor em uma indústria de fumo.
Com base em algumas informações, as alunas simularam situações (conforme
estabelecida na identificação de dados e variáveis) que lhes permitiram elaborar
os Quadros6 e 7que, juntamente com as observações e argumentações finais,
tende a responder ao problema evidenciado no início da atividade de modelagem.
Quadro 6 Estufada de fumo de ponteira (90 mil pés).
Classe
Preço Médio
por Kg (R$)
Quantidade
de Fardos
Peso dos
fardos
(Kg)
Total
(R$)
BO1
9,70
6
300
2.910
BO2
8,43
4
180
1,517,40
CO3
7,12
3
129
918,48
----
-----
13
509
5.345,88
Fonte: registros dos alunos (2015).
Quadro 7 Estufada de fumo de baixeiro (90 mil pés).
Classe
Preço Médio
por Kg (R$)
Quantidade
de Fardos
Peso dos
fardos
(Kg)
Total
(R$)
CO2
6,50
5
210
1.365
KL
3,42
2
80
273,60
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MN
3,40
1
39
132,60
KM
2,63
2
74
194,62
10
403
1.965,82
Fonte: registros dos alunos (2015).
Olhando para as duas fases de colheitas, as alunas realizaram outros cálculos
que permitiram inferir que a diferença entre as duas fases foi de 3 fardos, 106 kg
e R$ 3.380,06. Isso significa que a produção de fumo baixeiro corresponde, em
média, a aproximadamente 36,77% do valor total pago pela produção de fumo
ponteira.
Apesar de aceita a resposta, as alunas enfatizaram alguns pontos importantes
a serem considerados acerca do resultado. Tais considerações podem ser
observadas no Quadro 8.
Quadro 8 - Restrições à solução construída.
- Os resultados obtidos são válidos para determinada safra. Os resultados não valem
para todos os anos.
- Os preços variam todos os anos, ou seja, a valorização pode ser maior em um ano e
menor em outro. Isso depende da Companhia e do mercado do tabaco.
- A produção depende de vários fatores como: condições de tempo, preparo da terra,
forma de secar, entre outros.
- Nem tudo é lucro. Parte é para pagar os gastos com a produção (insumos, agrotóxicos,
mão de obra, luz, etc.).
Fonte: diálogo dos alunos (2015).
Com o intuito de verificar a validade dos resultados encontrados, as alunas
confrontaram suas respostas com notas de produtor rural e certificaram as
soluções com fumicultores, para então, o resultado ser interpretado e validado.
Essa fase da atividade de modelagem matemática pode ser descrita como
interpretação e validação de resultados. Após aceitar a resposta como válida e
próxima do que acontece na realidade e realizar as observações necessárias, as
alunas realizaram argumentação e comunicação dos resultados aos demais colegas
de classe.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Nesse estudo, a escolha do tema fumicultura, a qual os alunos tinham
familiaridade e entendiam ser mais fácil buscar informações, além de permitir
compreender e descrever situações reais utilizando conhecimentos matemáticos,
viabilizou o desenvolvimento de duas atividades de modelagem matemática com
o mesmo tema: fumicultura.
Daí a proximidade do estudo realizado com o que Barbosa (2001) expõe
quando afirma que conceitos e ideias matemáticas exploradas dependem do
encaminhamento que se sabe à medida que os alunos desenvolvem a atividade
(p.5). Também se aproxima da ideia de que se a Modelagem Matemática pode ser
entendida como uma oportunidade para os alunos indagarem situações da
realidade ou de seu interesse por meio da matemática, sem procedimentos pré-
estabelecidos, havendo possibilidades diversas de encaminhamentos para isso.
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Porém, no ambiente de modelagem matemática em que se vise possibilitar
aos alunos a escolha de um tema de seu interesse e/ou de sua realidade e criar
possibilidades para que realizem suas investigações, é a ação do professor que
favorece diferentes olhares para um mesmo tema. É a dinâmica instaurada na aula
que possibilita que os alunos, mesmo escolhendo um mesmo tema, conduzam
diferentes encaminhamentos e assumam diferentes procedimentos, dependendo
do interesse de cada grupo.
O estudo do tema “fumicultura” contribuiu para a aprendizagem de conceitos
matemáticos ao mesmo tempo em que situações de sua realidade eram discutidas
e analisadas, que os alunos tinham interesse em investigar sobre tal tema. Sendo
a fumicultura um tema amplo, o problema a ser definido poderia tomar diferentes
rumos, e foi o que de fato aconteceu. A característica de uma atividade de
modelagem ser aberta e permitir diferentes olhares para determinado tema se
ratifica neste estudo e sugere inclusive como isso pode acontecer em um contexto
de sala de aula. Embora as atividades de modelagem abordadas sejam distintas,
inferimos que há algumas semelhanças na forma como os alunos conduziram tais
atividades. Na fase inteiração, por exemplo, a busca por informações se deu, em
ambos os grupos, por meio de entrevistas com pessoas que trabalhavam na
produção do fumo. Além disso, existem aspectos semelhantes nas perguntas
elaboradas pelos alunos como a quantidade de bandejas que cabem em um
túnel/canteiro. Talvez o que fez com as atividades de modelagem tomassem rumos
diferentes tenham sido as respostas obtidas pelos alunos, que elas diferem de
um grupo para outro. Daí o entendimento de que os dados coletados são
determinantes para a definição de um problema a resolver, principalmente se este
não for evidenciado antes de tal coleta e, de que a base de referência da coleta de
dados pode sugerir caminhos distintos para a atividade de modelagem
matemática.
Essas atividades revelam diferenças e semelhanças na definição do problema
e no direcionamento da sua resolução pelos alunos. Assim, os conceitos
matemáticos requeridos para resolver o problema de cada uma das atividades de
modelagem são diferentes e exigem dos alunos também competências distintas,
mesmo que em ambas as atividades os conceitos utilizados sejam de
conhecimento de alunos de 8
o
ano do Ensino Fundamental. Ou seja, na
matematização e resolução, enquanto o Grupo A utiliza conhecimentos de
geometria, por meio do cálculo de volume e transformação de unidades, o Grupo
B fez uso de conhecimentos de operações com números racionais, média
aritmética e porcentagem.
Também cabe destacar que os encaminhamentos assumidos pelos alunos na
fase interpretação de resultados e validação novamente são diferentes. Enquanto
o Grupo A busca discutir e validar os resultados por eles obtidos entre os alunos
do grupo e com os colegas de turma, os alunos do grupo B validaram suas soluções
conferindo-as com informações contidas em documentos e com os pais para, a
partir de então, apresentar os resultados à turma.
Outra constatação importante obtida a partir da análise das atividades é sobre
o modelo, o qual, de fato, denotou uma representação simplificada que os alunos
construíram sobre descrever fenômenos da realidade. Isso vem ao encontro do
que Barbosa (2009) afirma ao escrever que o modelo é um “retrato aproximado
da realidade”. Tal como retrato, ele apresenta apenas uma parte específica da
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realidade, que é muito mais ampla. Por exemplo, na atividade do grupo A, o
modelo obtido retrata uma percepção capaz de responder àquela questão em
particular.
Em ambas as atividades notamos algumas restrições quanto às respostas
obtidas. Isso porque os grupos ao buscar certificarem-se da validade dos
resultados destacam que, embora para a circunstância em particular que estavam
estudando eles eram verdadeiros; não representam uma verdade fixa para outros
casos similares. No grupo A, por exemplo, foi explicitada a existência de
enfardadeira com dimensões de tamanhos diversos, enquanto que no grupo B, as
alunas salientaram o fato de que os dados envolvidos (como preço, peso, classe de
fumo) eram variáveis que dependiam de diversos fatores (econômicos,
ambientais, sociais). Isso evidencia o potencial que atividades de modelagem
matemática apresentam para desencadear o senso crítico do aluno,
desenvolvendo capacidade de argumentar respostas ao passo que confronta seus
conhecimentos matemáticos com conhecimentos relativos à situação em foco, de
apresentar justificativas e de refletir sobre elementos matemáticos presentes em
situações da realidade.
Em suma, atividades de modelagem matemática desenvolvidas a partir de
uma mesma temática podem viabilizar estudo de conceitos matemáticos distintos
e proporcionar olhares abrangentes, que problemas diferentes conduzem a
compreensões amplas do tema em estudo e podem suscitar o estudo de diversos
conceitos matemáticos, necessários à sua resolução. Ainda, os encaminhamentos
assumidos pelos alunos em atividades de modelagem dependem de diversos
fatores, entre eles: a criticidade e/ou a necessidade do aluno, a mediação do
professor e o trabalho em grupo. Esses fatores podem se configurar como fonte
de análise em estudos futuros.
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Mathematical modeling: different
orientations for same theme
ABSTRACT
Research about mathematical modelling have presented relevant contributions to
mathematics teaching. In addition, those researches have motivated reflections about
resource as a teaching method aimed at understanding situations or students’ interest
situations. In this paper, we are analyzing the way that two students groups from eighth
grade of Elementary School developed a modelling activity which theme is tobacco farming.
Both groups chose this theme because they live in a region where tobacco farming in very
common. Our intention is to discuss about different ways to develop a mathematical
modelling activity with the same theme. This way, we present how both students groups
developed the activity, highlighting the modelling activity dynamics in the classroom. To do
this, we have followed qualitative research principles; to use data that is data interpretation,
we have observed the developed activity in classroom, we have done audio recording and
transcriptions, and we have used students’ written productions. Although the results
indicate that in a modelling activity the same theme can be developed in a similar way, other
aspects. In environment of mathematical modeling the application of the common theme
varies, for example, mathematics concepts used in the activity can be different.
KEYWORDS: Mathematical modeling activities. Phases of the Mathematical Modeling.
Orientations.
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AGRADECIMENTOS
1- Modelo matemático, nesse caso, “é o que ‘dá forma’ à solução do problema”
(ALMEIDA; SILVA; VERTUAN, 2013, p. 15). Nessa compreensão o modelo
matemático se apresenta por meio de uma estrutura matemática, podendo ser
uma tabela, um gráfico, uma expressão, uma equação, uma função.
2- Neste trabalho, não é nosso foco mostrar a não linearidade entre as fases.
3- Conjunto de aproximadamente 10 folhas amarrada, depois de secas.
4- O tipo de tabaco exige características de cultivo e cura bem particulares, para
que se alcance a melhor qualidade possível nas folhas, definida a partir de
características como cor, medida de massa, espessura da folha. Essa qualidade,
exigida e definida pelas indústrias fumageiras, é que determina o valor pago pelo
fumo produzido no campo. O valor determinado para cada classe, varia de acordo
com o desempenho do mercado (lei de oferta e procura) o que influencia na
estipulação dos preços por Comissões Técnicas de representação dos produtores
e das empresas.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, L. W.; SILVA, K. P.; VERTUAN, R. E. Modelagem Matemática na
Educação Básica. 1.ed. 1ª reimpressão. SP: Contexto, 2013.
BARBOSA, J. C. Modelagem na Educação Matemática: contribuições para o
debate teórico. In: Reunião Anual da ANPED, 24, Caxambu. Anais. RJ: ANPED,
2001. 1 CD-ROM.
BARBOSA, J. C. Modelagem e Modelos Matemáticos na Educação Científica.
ALEXANDRIA Revista de Educação em Ciência e Tecnologia, v.2, n2, p.69-85, jul.,
2009.
CASTRO, E. M. V. C. Atividades de modelagem matemática desenvolvidas por
alunos de 8º ano de Ensino Fundamental de escola do campo. Produto
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Matemática, Unicentro, PR. 2017.
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matemático. Disponível em: http://vello.sites.uol.com.br/modelos.htm. Acesso
em: 02/02/2016.
GOLDENBERG, M.A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em
pesquisas sociais. Editora Record, 8ªedição. Rio de Janeiro/São Paulo, 2004.
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TORTOLA, E.; REZENDE, V.; SANTOS, T.S. Modelagem Matemática: Contribuições
Para o Ensino e Aprendizagem da Matemática. Anais do X Encontro Nacional de
Educação Matemática Relato de Experiência. X Encontro Nacional de Educação
Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador BA, 7 a 9
de Julho de 2010.
VERONEZ, M. R. D. As funções dos signos em atividades de modelagem
matemática. 2013. 176p. Tese de Doutorado (Pós-Graduação em Ensino de
Ciências e Educação Matemática) Universidade Estadual de Londrina, Londrina,
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VERONEZ, M. R. D.; VELEDA, G.G. Reflexões sobre a Realidade em uma Atividade
de Modelagem Matemática. Revista do Programa de Pós-Graduação Em
Educação Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso Do Sul (UFMS) V
9, n 21, 2016.
VERTUAN, R.E. Modelagem Matemática Na Educação Básica. Modelagem
Matemática: perspectivas interdisciplinares para o ensino e a aprendizagem de
matemática. IV EPMEM Encontro Paranaense De Modelagem Em Educação
Matemática. Maringá PR, 11 a 13 de Novembro de 2010.
Recebido: 15 fev. 2018
Aprovado: 01 jul. 2018
DOI: 10.3895/actio.v3n3.7782
Como citar:
CASTRO, E. M. V. de; VERONEZ, M. R. D. Diferentes encaminhamentos para um mesmo tema em
atividades de modelagem matemática. ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 471-488, set./dez. 2018. Disponível em:
<https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX
Correspondência:
Elida Maiara Velozo de Castro
Rua Ipiranga, 39, Centro, União da Vitória, Paraná, Brasil.
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
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