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http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
Um levantamento histórico das pesquisas
sobre linguagem no ensino de ciências no
Brasil
RESUMO
Tabatta Cristina Fritzen da Silva
Lavarda
tabattacristina@gmail.com
http://orcid.org/0000-0002-3879-1843
Universidade Federal do Paraná (UFPR),
Curitiba, Paraná, Brasil
Patrícia Barbosa Pereira
patriciapereira@ufpr.br
http://orcid.org/0000-0002-2984-2872
Universidade Federal do Paraná (UFPR),
Curitiba, Paraná, Brasil
O presente artigo apresentará um breve levantamento histórico sobre as pesquisas em
Linguagem no Ensino de Ciências no Brasil. Em busca da identificação das necessidades e
do ponto de partida dessas pesquisas, recorreu-se a uma importante pesquisadora, com o
intuito de compreender a constituição da linha temática de Linguagem no Ensino de
Ciências, suas principais tendências e características, seus mais relevantes teóricos, suas
metodologias de pesquisa e de análise, bem como seus rumos futuros. Para tanto, foi
realizada uma entrevista semiestruturada com uma doutora, professora e pesquisadora da
Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Utilizando como suporte teórico-
metodológico a Análise de Discurso de linha francesa, procurou-se compreender alguns
aspectos do discurso da pesquisadora sobre fatores relevantes para a constituição da linha
de pesquisa de Linguagem no Ensino de Ciências.
PALAVRAS-CHAVE: Linguagem. Pesquisa. Ensino de Ciências.
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INTRODUÇÃO
A área de Ensino de Ciências no Brasil é bastante nova, quando comparada
a outras áreas de produção de pesquisas. Sua emergência se caracteriza por um
movimento de busca pela melhoria do ensino das ciências exatas, também
conhecidas como ciências duras, nas universidades e nas escolas, a partir da
necessidade de se repensar o ensino tradicional. Segundo pesquisas de Nardi
(2005), diversos foram os fatores considerados favoráveis à constituição dessa
área a partir de 1970, entre eles: a criação do Instituto Brasileiro de Educação e
Cultura, a área 46 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), os Centros de Ciências, o início dos cursos de pós-graduação em
Ensino de Ciências, além de movimentos para melhorias no ensino, que
culminaram com a criação de uma disciplina chamada Instrumentação para o
Ensino de Física” que hoje temos em todos os cursos de graduação em
Licenciatura (cada uma intitulada conforme o curso).
Outros fatores importantes e determinantes foram a criação de eventos
para a interação entre pesquisadores e divulgação de seus trabalhos, além das
reestruturações curriculares ocorridas na Educação Básica, de extrema
importância para o início das preocupações com o Ensino de Ciências, uma vez que
essas produziram mudanças de alcance amplo, como a presença mais forte das
disciplinas de Ciências, Física, Química e Biologia no currículo, aumentando assim
suas cargas horárias e, consequentemente, o número de professores necessários
para ministrá-las. Tudo isso fomentou a preocupação de órgãos públicos e,
especialmente, das universidades, com a preparação de professores e com a
expansão de pesquisas na área.
Um dos eventos mais importantes para a interação entre pesquisadores e a
divulgação das pesquisas no Ensino de Ciências no Brasil é o Encontro Nacional de
Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), um evento bienal, promovido pela
Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC). Esse
evento tem como objetivo reunir e favorecer a interação entre os pesquisadores
das áreas de Ensino de Física, de Biologia, de Química, de Geociências, de
Ambiente, de Saúde e áreas afins, com a finalidade de discutir trabalhos de
pesquisa recentes e tratar de temas de interesse da ABRAPEC.
Em relação à pesquisa sobre Linguagem no Ensino de Ciências, esse evento
pode estimar a importância dessa articulação, quando em 2005 passou a inserir
entre as suas temáticas o eixo “Linguagens, cultura e cognição” (NICOLLI;
OLIVEIRA; CASSIANI, 2011). Nesse eixo temático os pesquisadores podem
submeter trabalhos que discorram sobre as abordagens discursivas na Educação
em Ciências; argumentação na Educação em Ciências; interações discursivas na
Educação em Ciências; além de leitura e escrita na Educação em Ciências.
As pesquisas sobre Linguagem no Ensino de Ciências se intensificaram de
forma significativa a partir dos anos 1990, especialmente após a incorporação, pela
comunidade de pesquisadores em educação, das abordagens teóricas
estabelecidas pelo psicólogo soviético Lev Vygotsky e seus discípulos. Desde então,
muitos foram os pesquisadores brasileiros que se aproximaram dessa linha
investigativa, apresentando como objeto as abordagens e enfoques de interesse
sobre a linguagem e Educação em Ciências dentre alguns deles podemos citar
Mortimer (1996); mozena e Almeida (1998); Oliveira, Nicolli e Cassiani (2014);
Giraldi e Souza (2005).
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A palavra linguagem é bastante polissêmica, ou seja, ela pode produzir
vários e diferentes sentidos, então, dentre os trabalhos apresentados no ENPEC,
na linha temática anteriormente, mencionada podem ser encontrados os que
abordam a capacidade humana para aquisição e utilização de sistemas de
comunicação e aprendizagem, podem haver trabalhos que se baseiam na
linguagem de sinais, na linguagem escrita e até os que se embasam na linguagem
de computadores.
O objetivo deste trabalho é relatar um breve histórico da pesquisa sobre
Linguagem no Ensino de Ciências, compreender a origem dessa temática, perceber
os caminhos percorridos pelos seus pesquisadores, bem como, suas filiações
teóricas e metodológicas, além de propor um olhar para a importância da
linguagem nos processos de ensino-aprendizagem. Como ponto norteador, e na
tentativa de articulação da produção e pesquisas e reflexões sobre as questões da
linguagem na Educação Científica, partiremos de uma entrevista realizada com
uma relevante pesquisadora da área, a professora doutora Suzani Cassiani, da
Universidade Federal de Santa Catarina UFSC.
GRANDES PENSADORES DA LINGUAGEM
Para nos situarmos sobre as origens dos estudos da linguagem,
apresentaremos, a seguir, algumas concepções de linguagem dos principais
filósofos e psicólogos da área. Os estudos da linguagem são relativamente
recentes, tendo como marco inicial a fundação da disciplina Linguística, a partir da
publicação do curso de Linguística Geral, em 1916, cuja autoria é atribuída a
Ferdinand de Saussure (1857-1913) que se iniciou na área ao ministrar aulas de
linguística em 1907, em Genebra, Suíça.
Aiub (2009) retrata que Saussure, em uma tentativa de definir o objeto da
Linguística, propõe a separação língua/fala. Dessa forma, seus estudos não
abordariam a fala e sim a língua. Ele teria feito isso porque acreditava que a língua
é um sistema abstrato de regras e a fala é o uso que se faz dessas regras. Ao fazer
isso, Saussure, separa o que para ele é social, passível de descrição, a língua, do
que é individual, a fala.
Porém, nem todos os importantes leitores de Saussure seguiram esta ideia
dicotômica. Bakhtin (2006) valoriza, juntamente com a fala, a enunciação, e afirma
sua natureza social, não individual. Para ele, a fala está indissoluvelmente ligada às
condições da comunicação que, por sua vez, estão sempre ligadas às estruturas
sociais.
Para Vygotsky (1998) a linguagem determina o desenvolvimento do
pensamento. Ou seja, é pelos instrumentos linguísticos do pensamento e pela
experiência sociocultural que a criança se desenvolve. Assim, a linguagem se
constitui então como sendo o principal processo de interiorização das funções
psicológicas superiores.
Foucault (1999) faz uma discussão sobre a linguagem que se coloca em
movimento pelo discurso. O “falar sobre” é que constitui o referente e, por isso,
somos, segundo o autor, seres de linguagem e não seres que possuem linguagem.
Bastante expressivo do círculo de intelectuais que fundou a linha conhecida
como Análise de Discurso na segunda metade do século passado na França,
Pêcheux (1997) defende que a linguagem está materializada na ideologia e essa se
manifesta na linguagem. Ele considera a linguagem como um sistema capaz de
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ambiguidade e define a discursividade como a inserção dos efeitos materiais da
língua na história, incluindo a análise do imaginário na relação dos sujeitos com a
linguagem.
Dentre os autores brasileiros que contribuem com o estudo da Linguagem
no Ensino de Ciências os que traduziram para a língua portuguesa obras dos
pensadores supracitados e se embasaram neles para produzir novos
conhecimentos na área como, por exemplo, a professora de Linguística Eni Orlandi,
que traduziu obras de Michel Pêcheux, bem como os professores Eduardo Fleury
Mortimer e Isabel Martins, que são da área de Ensino de Ciências, traduziram as
obras de Mikhail Bakhtin, e destacam seus interesses nas pesquisas sobre a relação
entre a elaboração de conceitos científicos e o uso da linguagem em sala de aula
de Química e Ciências.
Esses representam as correntes da Análise de Discurso no estudo da linguagem,
que coloca no centro da reflexão o sujeito da linguagem, suas condições de
produção do discurso, sua ideologia, o seu social, as relações de sentido
estabelecidas entre os interlocutores, a argumentação, a intenção e a historicidade
da língua. E tudo isso é levado em conta nas pesquisas sobre o Ensino de Ciências
no Brasil.
A PESQUISA SOBRE LINGUAGEM NO ENSINO DE CIÊNCIAS
A necessidade de pesquisas voltadas para a articulação entre a linguagem e
o Ensino de Ciências emergiu da preocupação dos professores com alunos que
tinham dificuldades de leitura e interpretação de textos e imagens. Essas
dificuldades para aprender conteúdos de Ciências eram, muitas vezes, atribuídas
à falta de aprendizado de outras disciplinas - pensava-se que o ensino da leitura
era apenas obrigação do professor de Língua Portuguesa ou que os alunos o
aprendiam Física por não saberem Matemática. Assim, as pesquisas que estavam
sendo realizadas no âmbito das questões de linguagem se limitavam a procurar
compreender questões relacionadas ao ensino escolar (ALMEIDA, 2014).
Para compreender o início das pesquisas em Linguagem no Ensino de
Ciências recorremos ao pesquisador Mortimer (1996) que relata que a partir de
1990 inicia no Brasil o surgimento de um grande número de pesquisas envolvendo
as ideias dos alunos em relação a conceitos científicos aprendidos na escola, as
concepções alternativas ou concepções prévias dos estudantes. Nesse contexto,
os pesquisadores começaram a criticar a excessiva ênfase ao desenvolvimento das
estruturas lógicas propostas por Piaget, que não dava importância para a rica
variedade de ideias apresentadas pelos estudantes. Isso levou a cada vez mais
pesquisadores focarem seus estudos nas ideias dos alunos e menos nas estruturas
lógicas subjacentes.
O autor destaca que o resultado dessas pesquisas contribuiu para fortalecer
uma visão construtivista do ensino-aprendizagem, porém, após algum tempo
começaram a surgir algumas críticas em relação a esse modelo de ensino, no
sentido de que ele não resulta necessariamente em um modelo construtivista de
aprendizado. O movimento de concepções alternativas entrou então em crise, pois
a comunidade de pesquisadores percebeu que não bastava olhar para o sujeito
isolado, mas era necessário levar em conta o contexto histórico, cultural e social
desse indivíduo.
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A respeito das mudanças ocorridas no âmbito da Educação Científica, em
virtude desse novo olhar lançado ao sujeito que aprende, Cassiani e Flôr (2012)
afirmam que as pesquisas sobre linguagem e discurso no Ensino de Ciências se
intensificaram de forma significativa no Brasil a partir dos anos 1990 e 2000. Em
grande parte, esse aumento ocorreu devido à incorporação dos trabalhos de Lev
S. Vygotsky às pesquisas sobre o Ensino de Ciências e, geralmente, essas pesquisas
são caracterizadas pela busca em se compreender como se dá o aprendizado dos
conceitos científicos através das interações sociais mediadas pela linguagem.
Assim, esse breve panorama denota que as pesquisas sobre linguagem no
Ensino de Ciências iniciaram após as crises e o esgotamento daquelas que tratavam
sobre concepções alternativas, nas quais os pesquisadores da época perceberam
que não havia como olhar para o sujeito isolado sem considerar sua interação com
o mundo.
Nas pesquisas de Souza et al. (2014) sobre a produção acadêmica de teses e
dissertações entre os anos 2000 e 2011, obtidas no banco de teses e dissertações
da CAPES por meio das palavras chave “Ensino de Ciências” e ‘Linguagens" é
notável que o número dessa produção apresenta uma tendência de crescimento,
principalmente a partir de 2009, quando a produção um salto quantitativo
saindo de uma média de aproximadamente cinco trabalhos por ano entre 2000 e
2008 para uma média de 17 entre os anos 2009 e 2011. Sendo a concentração
dessas produções em instituições públicas, em que a região sudeste abarca 71%
da produção.
Os autores ainda mostram que quanto à área disciplinar da produção, pouco
mais da metade dos trabalhos identificam sua pesquisa associada às Ciências
(51%), enquanto o restante se distribui entre Biologia (20%), Física (18%) e Química
(11%) o que aponta, assim, para uma lacuna em trabalhos sobre linguagem na área
de Química e Física, disciplinas que possuem maior grau de complexidade para a
maioria dos estudantes. Ainda se evidencia, nessa investigação, que a grande
concentração de pesquisas sobre linguagem, é realizada no Ensino Fundamental,
com representatividade de 56%, e isso poderia justificar a baixa produção nas
disciplinas de Química e Física, que elas são encontradas apenas no Ensino
Médio.
no trabalho Oliveira, Nicolli e Cassiani (2014), desenvolvido a partir de
pesquisa nos anais do ENPEC, no eixo temático de “Linguagem, cultura e cognição,
com objetivo de entender como os pesquisadores vêm lidando com a relação
linguagem e Ensino de Ciências e delinear algumas características dessas
pesquisas, é perceptível que a grande maioria das pesquisas divulgadas, quanto ao
nível de ensino, são realizadas no Ensino Médio e a área de conhecimento mais
contemplada é Ciências, com 37 trabalhos. No entanto, as áreas de Química com
23 e Física com 27 trabalhos, respectivamente, se configuram com considerável
frequência, talvez pelo fato dessas disciplinas estarem inseridas no Ensino Médio
nível mais investigado. A área de Biologia teve um leve aumento, com 16 trabalhos,
o que talvez possa ser explicado pela maior presença dessa área de conhecimento
associada aos trabalhos da área de Ciências, que tiveram um índice maior nesse
estudo. Em relação à natureza das pesquisas, a predominância é da pesquisa
empírica, envolvendo basicamente questões de sala de aula e a motivação dos
pesquisadores é promover uma problematização do espaço educacional, muito
mais do que questionar teorias consolidadas. As autoras também puderam
apontar que as maiores concentrações de trabalhos estão nas temáticas
“Discurso” e “Interações Discursivas”.
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Quantos às filiações teóricas as autoras observaram que Bakhtin é o
referencial mais adotado para os estudos da Linguagem (32%), seguido por
Vygotsky (19%) e depois Pêcheux (11%) e, ao analisarem as pesquisas com
vertente bakhtiniana, as autoras perceberam que pouco mais da metade estão
apoiados no próprio autor, os demais adotam autores que realizam
desdobramentos dos estudos de Bakhtin, em especial aqueles que investigam a
temática “Discurso”, como Eduardo Mortimer, Jean Paul Bronckard, Philip Scot,
Isabel Martins, dentre outros.
De acordo com as abordagens da palavra “Linguagem” nas pesquisas em
Ensino de Ciências, Oliveira, Nicolli e Cassiani (2014) destacam: 1) a Linguagem e
Relações de Poder, em que as pesquisas enfatizam a posição do aluno ou do
professor perante a atividade de leitura, de escrita ou, ainda, nos diálogos
estabelecidos na aula, questionando essas posições ou pelo menos as
considerando; 2) a Linguagem como produto do pensamento, em que os
pesquisadores tomam a linguagem como algo intrínseco ao sujeito, isto é, ela é a
expressão do pensamento, então, enfatizam a importância de analisar a fala, pois
ela indicaria a metacognição, sendo que os estudos que envolvem argumentação
adotam essa postura; 3) a Linguagem como possibilidade de interações discursivas,
em que as pesquisas prezam pela tomada da palavra, priorizando a interação
professor-aluno investigando estratégias ou aulas que tem como foco o diálogo e
a negociação de significados na sala de aula e, por último, 4) a Linguagem como
ferramenta de aprendizagem, abordagem em que se encontram as pesquisas que
enfocam principalmente a argumentação, ou diferentes estratégias de ensino
como leitura, escrita, experimentação, analogias, metáforas, dentre outras, para
observar sua contribuição para a aprendizagem.
LINGUAGEM E ENSINO DE CIÊNCIAS ALGUNS APORTES METODOLÓGICOS
PARA A COMPREENSÃO DESSA RELAÇÃO
Ao levar em conta seus objetivos, esse artigo foi pensado em uma
perspectiva de pesquisa qualitativa que, segundo Bogdan e Biklen (1994), se
caracteriza pelo investigador ser o instrumento principal da pesquisa e a fonte de
dados ser o ambiente natural - rica em dados descritivos, recolhidos em forma de
palavras ou imagens, e não números. Essa perspectiva de tratamento das
informações possibilita que seja examinado o todo, no qual nada é trivial e tudo
tem potencial para construir uma pista que permita estabelecer compreensões
esclarecedoras do objeto de estudo, as quais se concentram mais no processo que
simplesmente nos resultados ou produtos. Para tal, os investigadores tendem a
analisar seus dados de forma indutiva, na qual as abstrações são construídas a
medida que os dados constituídos vão se agrupando, em que o significado é de
importância vital.
Para a realização de um trabalho de conclusão de disciplina de mestrado da
primeira autora e por seu interesse sobre os estudos da Linguagem no Ensino de
Ciências foi convidada para uma entrevista a professora doutora Suzani Cassiani,
da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC, que nos atendeu prontamente.
A fim de se constituir os dados, foi utilizada como instrumento de pesquisa
uma entrevista parcialmente estruturada que, segundo Gil (2010), caracteriza-se
por ser guiada pela relação de pontos de interesse que o entrevistador vai
explorando ao longo de seu curso.
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A entrevistada foi escolhida, por ser pesquisadora na área de Linguagem no
Ensino de Ciências e Análise de Discurso há mais de 10 anos, estar atuando como
professora na graduação, na Licenciatura em Ciências Biológicas, e na pós-
graduação em Educação Científica e Tecnológica, como orientadora de
mestrandos e doutorandos na área de Ensino de Ciências.
As questões da entrevista foram relacionadas ao histórico de pesquisa da
entrevistada dentro do Ensino de Ciências, bem como, sua trajetória acadêmica,
os avanços por ela observados nas pesquisas na área de Ensino de Ciências, as
linhas temáticas as quais se dedica em suas pesquisas, as tendências que ela tem
observado sobre as pesquisas no Ensino de Ciências nos últimos anos, a
constituição da linha temática que se dedica a pesquisar atualmente e a sua
contribuição nesse processo, além dos questionamentos quanto aos autores e
metodologias que utiliza como referenciais teóricos em suas pesquisas e a
contribuição da sua linha temática para o Ensino de Ciências.
A entrevista ocorreu por meio do aplicativo Skype, devido a distância de
residência da entrevistada e da entrevistadora. Contudo, isso não inibiu a livre
expressão de ambas, muito pelo contrário, uma vez que a entrevistada estava
falando sobre seu trabalho nos últimos anos, mostrou-se bastante interessada nas
questões, procurou contribuir da melhor forma com suas respostas e se
manifestou, a todo tempo, grata pelo fato de ter sido escolhida para fazer parte
deste trabalho.
Em relação a obtenção e registro dos dados, tal entrevista foi gravada em
áudio com o consentimento da entrevistada que relatou que não era necessário o
uso do anonimato na transcrição da entrevista para este artigo.
Os dados registrados em áudio foram transcritos e analisados de acordo com
técnicas e procedimentos da Análise de Discurso (AD) de linha francesa, proposta
por Michel Pêcheux, na França, e tem como principal norteadora no Brasil a
professora pesquisadora Eni Orlandi.
A Análise de Discurso, como seu próprio nome indica, não trata a língua, não
trata a gramática, embora todas estas coisas lhe interessem. Ela trata o
discurso. E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso,
de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em
movimento, prática de linguagem: como o estudo do discurso observa o
homem falando. (ORLANDI, 2007, p. 15).
Ainda de acordo com a AD a fala em si não pode ser analisada, pois não
consiste em um discurso, ela precisa estar situada em uma posição que depende
de vários fatores como, por exemplo, o momento histórico, a posição do sujeito, a
ideologia, o dito e o não dito, as histórias de vida e leituras e a sociedade.
Nesse sentido, a partir dessa entrevista, teve início a construção do nosso
corpus de análise. De acordo com Charaudeau e Maingueneau (2008)
Nas ciências humanas e sociais mais particularmente, corpus designa o
conjunto de dados que servem de base para a descrição e análise de um
fenômeno. Nesse sentido, a questão da constituição do corpus é
determinante para a pesquisa, pois trata-se de, a partir de um conjunto
fechado e parcial, analisar um fenômeno mais vasto que essa amostra.
(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 137)
Ainda para essas autoras, em AD, assim como em outras Ciências Sociais,
geralmente é o corpus que define de fato o objeto de pesquisa, pois ele não é
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preexistente ao mesmo. “Mais precisamente, é o ponto de vista que constrói um
corpus, que não é um conjunto pronto para ser transcrito” (Ibidem, 2008, p. 138).
Para realizar as análises, segundo a AD, devemos levar em conta as relações
de sentido que o discurso possui, ou seja, as suas condições de produção, a
hierarquização da fala - que consiste nas relações de força. Dessa forma, o local de
onde o sujeito fala é constitutivo do que ele diz e ele poderá se expressar de
diferentes formas para diferentes pessoas. Também o mecanismo de
antecipação, que é a capacidade que o locutor tem de se colocar no lugar de seu
interlocutor e tentar compreender o que ele compreende sobre o que se está
falando, para buscar a melhor maneira de se falar.
Para fins de sistematização dos dados e composição de nosso corpus,
fizemos um recorte dos trechos, na articulação de uma rede de sentidos de maior
significância, em relação ao roteiro pensado antecipadamente. Em nossas análises,
dispostas na subseção a seguir, os trechos serão designados, sequencialmente,
como T1, T2, T3 e etc.
Tendo então uma definição do que é a AD e o que deve ser levado em
consideração para suas análises, como deve proceder o analista de discurso? O
analista precisa construir um dispositivo de análise ou interpretação, que tem
como características colocar o dito em relação ao não dito, o que o sujeito diz em
um lugar com o que é dito em outro lugar, o que é dito de um modo com o que é
dito de outro, procurando ouvir, naquilo que o sujeito diz, aquilo que o sujeito não
diz, mas que constitui igualmente os sentidos de suas palavras (ORLANDI, 2007,
p.59).
Segundo Orlandi (2007) a AD não procura o sentido “verdadeiro”, mas o real
do sentido em sua materialidade linguística e histórica. Procura-se então, analisar
o que é dito no discurso do sujeito, o que é dito em outras situações, em outras
condições e em outras memórias.
Ainda segundo a autora, não se objetiva, nessa forma de análise, a
exaustividade da interpretação em extensão, nem a completude, ou exaustividade
em relação ao objeto empírico, pois ele é inesgotável, uma vez que todo discurso
se estabelece na relação com um discurso anterior e aponta para outro, dentro de
uma rede discursiva, constituindo os interdiscursos.
SENTIDOS SOBRE A ARTICULAÇÃO ENTRE LINGUAGEM NO ENSINO DE CIÊNCIAS
ANÁLISE DE UMA ENTREVISTA
Serão destacados, a seguir, fragmentos da fala da professora Suzani Cassiani
no que concerne às suas respostas às questões formuladas sobre o seu histórico
de pesquisa dentro do Ensino de Ciências, bem como, sua trajetória acadêmica, os
avanços observados nas pesquisas na área de Ensino de Ciências, as linhas
temáticas nas quais se inserem suas pesquisas, as tendências que tem observado
sobre as pesquisas no Ensino de Ciências nos últimos anos, a constituição da linha
temática que se dedica a pesquisar atualmente e a sua contribuição para esse
processo, os autores e metodologias que utiliza como referenciais teóricos em suas
pesquisas e a contribuição da sua linha temática e suas pesquisas para o Ensino de
Ciências.
Nas análises de alguns trechos da entrevista optou-se por compreender as
condições de produção da fala da entrevistada e a posição de onde fala. Isso posto,
buscamos, no início da entrevista, conhecer a trajetória acadêmica da professora