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ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 133-153, mai./ago. 2018.
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Sentidos de aula de física para o ensino
médio no discurso de licenciandos
RESUMO
Dayvid Bruno Fernandes da Silva
f_dayvid@yahoo.com
orcid.org/0000-0003-2544-5930
Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), Campinas, São Paulo, Brasil
Fernanda Cátia Bozelli
fernandaboz@gmail.com
orcid.org/0000-0002-9985-1475
Universidade Estadual Paulista (UNESP),
Ilha Solteira, São Paulo, Brasil
As concepções de aula de sica de docentes dessa disciplina podem ser questionáveis e,
muitas vezes, dissonantes dos documentos oficiais e das pesquisas na área de Ensino de
Física. Isto posto, busca-se responder à seguinte pergunta: quais os sentidos de aula de
Física para o Ensino Médio no discurso de licenciandos de uma universidade pública do
estado de São Paulo?” Para responder à essa pergunta, formou-se um grupo focal
constituído por licenciandos em Física, no tema Aula de Física no Ensino Médio. Registrou-
se o encontro em áudio e vídeo e estes registros foram posteriormente transcritos para
auxiliar a análise dos discursos sob a égide do referencial de Michel Pêcheux. Os sentidos
interpretados por meio da análise apontam para a concepção, por parte dos licenciandos,
de que a aula de Física para o Ensino Médio deve se constituir em uma mera aplicação da
Matemática. A disciplina, desse modo, não se relacionaria à vida cotidiana dos alunos e não
requereria metodologias de aula que fujam do conteudismo e da memorização de equações
e regras.
PALAVRAS-CHAVE: Licenciandos. Discurso. Sentidos. Aula de física. Ensino médio.
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INTRODUÇÃO
É comum haver aulas de Física no Ensino Médio que se baseiam
majoritariamente em memorizações de regras, equações e leis sem haver
discussões mais substanciais nessa disciplina, com professores que creem que
basta conhecer conteúdos de Física para lecionar essa disciplina naquele nível de
escolarização. Nessa mesma perspectiva, é assinalado pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Médio no Brasil (PCN)
que o ensino das ciências tem-se realizado frequentemente mediante a
apresentação de conceitos, leis e fórmulas, de forma desarticulada,
distanciados do mundo vivido pelos alunos e professores e não só, mas
também por isso, vazios de significado. (BRASIL, 1999, p. 22).
Da mesma forma, o Currículo de Ciências da Natureza e suas Tecnologias do
Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2012, p.15) defende a fuga da estagnação em
modelos arcaicos de aula: “Hoje, mais do que nunca, as transformações
tecnológicas podem atropelar o trabalho de uma escola que se cristaliza em
‘modelos’ estanques”.
As Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN+) (BRASIL, 2002) elencam competências a serem desenvolvidas nas
escolas para preparar os alunos à prática da cidadania. Entre essas competências
estão a utilização de diferentes linguagens e a prática da leitura e da escrita. No
âmbito da aula de Física, O PCN+ (BRASIL, 2002, p. 61, grifos nosso) traz a
prerrogativa de que a Física
procura resolver problemas e prever acontecimentos, isto é, ensina-se física,
no ensino médio, para preparar o aluno para lidar com situações reais de
crises de energia, problemas ambientais, manuais de aparelhos, concepção
de universo, exames médicos, notícias de jornal e assim por diante.
Dessa forma, é razoável dizer que, também é possível desfrutar de outras
áreas do conhecimento em aulas de Física. Como a própria LDB (BRASIL, 1998)
exorta, é importante utilizar-se de diferentes tipos de textos como, por exemplo,
os citados manuais, exames médicos e textos jornalísticos.
É recomendado ainda que haja uma integração cultural e social nas aulas, com
o objetivo de desenvolver competências e habilidades para o exercício da
cidadania (BRASIL, 2002), pois a escola também deve respaldar o desenvolvimento
de atitudes, valores e interesses humanistas e sociais (LEMKE, 1990; JUNIOR, 2002;
LIBÂNEO, 2002). Lemke (1990) considera as ciências como linguagens conceituais
específicas e, para que os alunos possam se apropriar dessas linguagens, eles
precisam falar, ler e escrever utilizando conceitos científicos em diferentes
contextos.
Quando o físico norte-americano Richard P. Feynman (um dos pioneiros da
eletrodinâmica-quântica e prêmio Nobel de Física de 1965) visitou o Brasil na
década de 1950 para lecionar no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de
Janeiro, ficou surpreso com o tipo de ensino por memorização mecânica que era
aplicado, em vez de raciocínio lógico. E decepcionado com a pouca relação que se
faz entre a Física ensinada nas aulas e o mundo cotidiano dos alunos (JÚNIOR,
2002). Pajares (1992) e Barros (1999) apontam que, em aulas desse tipo, resta aos
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alunos decorarem fórmulas para conseguirem notas nas provas e serem aprovados
ao término do ano letivo, enquanto que, as discussões em Física se tornam
anêmicas. Ricardo e Freire (2007) asseveram que, dessa forma, a maior parte dos
alunos termina o Ensino Médio pensando que Física e Matemática são a mesma
coisa ou que Física é uma aplicação daquela outra.
Ademais, esse tipo de aula de Física pode estar ligado a aspectos referentes à
formação docente (VILLANI, 1984; RICARDO; FREIRE, 2007; TARDIFF, 2010). Villani
(1984) alerta sobre o escamoteamento que a Física sofre desde seu berço, entre
os cientistas, até chegar às salas de aula. Segundo Carvalho e Gil-Pérez (2006, p.
10), “não basta estruturar cuidadosa e fundamentadamente um currículo se o
professor não receber um preparo adequado para aplicá-lo”. Além disso, os
mesmos autores explicam que, quando licenciandos são questionados sobre sua
própria prática, eles não têm consciência de suas deficiências como docentes e
apresentam falas reducionistas que “não incluem muitos conhecimentos que a
pesquisa destaca como fundamentais (CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2006, p. 14). Os
mesmos autores citam Briscoe (1991, p. 10), expondo que há
aspectos mais raramente levados em consideração, embora [...] essenciais: o
conhecimento das concepções espontâneas dos docentes (cujo papel na
formação do professor é tanto ou mais relevante que o das concepções
espontâneas dos alunos em sua aprendizagem).
Assim, uma vez que as compreensões de professores de Física em formação
inicial sobre aula de Física para o ensino Médio podem ser diversas, é importante
investigar como compreendem a aula de Física para o Ensino. Essas divergências
se dão pois, de acordo com Pêcheux (1975, apud BRANDÃO, 2002, p. 145),
se uma palavra, expressão, proposição podem receber sentidos diferentes
[...] conforme refiram a tal ou tal formação discursiva, [...] elas não têm um
sentido que lhes seria “próprio” enquanto ligado à sua literalidade, mas seu
sentido se constitui em cada formação discursiva, nas relações que entretêm
com outras palavras, expressões proposições da mesma formação discursiva.
Então, os sentidos (BRANDÃO, 2002; ORLANDI, 2003) de aula de Física para o
Ensino Médio de licenciandos podem variar de acordo com diferentes fatores,
como as suas formações iniciais, seus estágios supervisionados, as teorias
educacionais às quais foram expostos, a educação básica que receberam (o que
inclui os professores que tiveram), entre outros aspectos. Nessa perspectiva,
Tardiff (2010) afirma que os licenciandos sofrem diversas influências desde muito
antes da decisão por uma licenciatura.
Dessa forma, levantou-se o seguinte questionamento: quais os sentidos de
aula de Física para o Ensino Médio no discurso de licenciandos?” Foram então
traçados alguns objetivos: i) formar grupos focais com licenciandos em Física de
diferentes seriações de sua graduação; ii) investigar o discurso desses licenciandos
em Física por meio de Análise de Discurso Francesa, de Michel Pêcheux e iii)
analisar quais são as vozes que influenciam seus discursos; iv) contribuir, por meio
dos resultados desta pesquisa, com a áreas de Linguagem no ensino de Física e de
formação inicial de professores em Física.
Neste artigo, serão privilegiados os dois primeiros tópicos acima
mencionados, tomando como sujeitos de pesquisa os ingressantes de uma
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licenciatura em Física de uma universidade pública do estado de São Paulo. Em
próximos artigos serão trazidas análises de discursos de licenciandos de outras
seriações.
ALGUNS PRINCÍPIOS DA ANÁLISE DE DISCURSO FRANCESA DE MICHEL PÊCHEUX
Uma vez que pretende-se estudar discursos, a teoria da Análise de Discurso
Francesa, de Michel Pêcheux, desempenha fundamental importância. Por esse
referencial teórico, entende-se a Língua além dos limites de suas regras
gramaticais e sintáticas, como um produto social, histórico e cultural:
a Análise de Discurso não trabalha com a língua enquanto um sistema
abstrato, mas com a língua no mundo, com maneiras de significar, com
homens falando, considerando a produção de sentidos enquanto parte de
suas vidas, seja enquanto sujeitos seja enquanto membros de uma
determinada forma de sociedade (ORLANDI, 2003, p.16).
Isso quer dizer que, mais que um código para comunicar informações, a Língua
é concebida como um acontecimento histórico e social. Orlandi (2003) entende o
conceito de discurso como sendo a língua em funcionamento e produzindo
sentidos entre sujeitos. Afirma também que nenhum discurso é fechado e
autônomo, estando circunscrito em um contexto social, político e histórico
específicos e sendo influenciado por outros discursos. No desenrolar de suas
ideias, Pêcheux apregoa que “os processos discursivos constituem a fonte da
produção dos efeitos de sentido no discurso e a língua é o lugar material em que
se realizam os efeitos de sentido” (BRANDÃO, 2002, p.35). Uma vez que o processo
discursivo é o alicerce da produção de sentidos, é no próprio discurso que vêm à
luz os próprios sentidos, fundamentados por ideologias.
O conceito de ideologia pode ser entendido como uma forma de compreender
e interagir com o meio. Além disso, a ideologia é norteadora das relações sociais e
pode ser considerada um fragmento da realidade de quem fala (BRANDÃO 2002,
ORLANDI 2003). Brandão (2002) explica que essa prorrogativa deixa de lado o
entendimento da ideologia como uma falsificação do meio, entendendo-a como
uma forma de pensar o mundo, como produção de sentidos por meio de signos e
materializada no discurso.
Orlandi (2003) elucida que a ideologia se materializa no discurso, assim como
o discurso se materializa na fala, apontando a importância dos conceitos de
formação ideológica e formação discursiva. A mesma autora expende que, pelo
processo de assujeitamento, os indivíduos são interpelados por ideologias e se
tornam sujeitos, passando a ocupar, inconscientemente, seus lugares em certas
formações discursivas. Nesse processo os sujeitos pensam ser donos de suas
próprias ideologias, quando, na verdade, foram socialmente talhados por elas. Tais
posições discursivas dialogam umas com as outras seja por confrontos, alianças ou
relação de dominação. Diz-se então que essas posições ideológicas, com maneiras
diferentes de interpretar o mundo e seus signos, é que de fato constituem a
formação ideológica (BRANDÃO, 2002). Então, uma vez que o discurso é uma
materialidade da ideologia, todo discurso será dominado pela formação
ideológica.
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A formação discursiva, por sua vez, ditará aquilo que deve ou não ser dito,
preservando discursos anteriores, sempre na busca de uma linha limítrofe para seu
domínio discursivo. A esse movimento dá-se o nome de paráfrase e, de maneiras
diferentes, se profere sempre o mesmo. Assim, a formação discursiva condiciona
os ditos dos sujeitos que compreendem o mundo pelo arsenal ideológico. Todavia,
é pela polissemia que esses limites se expandem e se apoderam de novos usos de
ditos anteriores (BRANDÃO, 2002). É por isso que na análise de uma produção
discursiva, deve-se sempre levar em conta aquilo que já está fixo, o interdiscurso,
e o que está em transformação, intradiscurso.
Mas, um mesmo signo pode produzir diferentes sentidos em função do
contexto no qual está significando. Orlandi (2003) explica que, este contexto é
chamado de condição de produção, que compreende
fundamentalmente os sujeitos e a situação. [...] Podemos considerar as
condições de produção em sentido estrito e temos as circunstâncias de
enunciação: é o contexto imediato. E se as considerarmos em sentido amplo,
as condições de produção incluem o contexto sócio-histórico, ideológico
(ORLANDI, 2003, p. 30).
Esse tipo de entendimento é que deu origem à Análise de Discurso, uma vez
que há diferentes formas de estudar a língua: “Na análise de discurso, procura-se
compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do
trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história” (ORLANDI, 2003,
p.15).
Dessa forma, a mesma palavra pode produzir diferentes sentidos em
diferentes ocasiões, épocas e locais. Por seu caráter polissêmico e por ser produto
social e hisrico é que a língua não é considerada neutra e inocente, à medida que
também sempre possui interesses dos sujeitos. Por conseguinte, manobras
discursivas que atendem a essas finalidades. Um enunciador está sempre em uma
formação imaginária da qual fala em seu contexto de produção. Em outras
palavras, ele sempre fala, vestindo, o que chamo aqui, máscara social: o
enunciador pode falar como mãe, como pai ou filho, como estudante ou professor,
como amigo, patrão ou funcionário. Os discursos dessas diferentes formações
imaginárias seguirão regras específicas de acordo com suas condições de
produção. Além disso, ao emitir um discurso, um enunciador pode também
presumir a formação imaginária de quem o escuta e modelar o seu discurso. À vista
disso, os sujeitos usam também o mecanismo de antecipação, que prevê os
sentidos que seu interlocutor terá de seu discurso.
É justamente por essas manobras que, ao enunciar um determinado discurso,
o sujeito, na verdade, traz sentidos implícitos abaixo da superfície textual de seu
dito. Por exemplo, em uma segunda- feira de manhã, um empregado, insatisfeito
com seu serviço, pode dizer, ao chegar à empresa: Como estou animado em
trabalhar aqui!”. Na verdade, este dito possui um não-dito, um dizer implícito: de
fato, o sujeito pode estar dizendo que está desanimado em trabalhar naquele
lugar. Igualmente, os discursos estão sendo manipulados a fim de, por diversos
motivos, produzirem outros sentidos. Da mesma forma, até mesmo um breve
silêncio pode significar algo.
Assim, é função do analista descortinar os discursos, revelando os sentidos e
ideologias por meio dos signos (que podem ser palavras), que não são
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transparentes em sua forma de significar. É justamente por tais prerrogativas da
Análise de Discurso Francesa de Michel Pêcheux, que essa teoria foi escolhida para
essa pesquisa, pois a medida que, por meio da fala pode-se chegar ao discurso, aos
sentidos produzidos por sujeitos discursivos, essa teoria também pode beneficiar
os interesses desse trabalho investigativo.
METODOLOGIA
Esta investigação baseou-se em uma metodologia qualitativa de pesquisa
(BOGDAN; BIKLEN, 1994; FLICK, 2002). Uma vez que esse trabalho ainda está em
andamento, foram selecionados ingressantes de um curso de licenciatura em Física
de uma universidade estadual paulista, pois ainda possuíam pouco contato com os
discursos da área de Ensino de Física, quando comparados a outras seriações do
mesmo curso. O convite aos licenciandos ocorreu de maneira presencial em sala
de aula pelo primeiro autor desse artigo. Sete alunos se voluntariaram para
participarem da pesquisa. Nessa mesma oportunidade, foram anotados os nomes
e contatos de celular dos voluntários, que foram congregados em um grupo em
aplicativo de celular de mensagens instantâneas para futuras informações sobre a
pesquisa. Na oportunidade do convite, o pesquisador apresentou aos alunos, de
maneira superficial, o tema, a metodologia de constituição de dados e a
importância da pesquisa para o Ensino de Física e formação de professores.
O método de constituição de dados escolhido foi o de grupo focal (GATTI,
2005) e o moderador do grupo foi o primeiro autor deste artigo. É importante
ressaltar que o moderador teve o papel de propiciar aos participantes uma
oportunidade de debate sobre o tema aula de Física no Ensino Médio, respeitando
sempre o princípio da não-diretividade, não apresentando opiniões próprias
durante as discussões (GATTI, 2005). O grupo focal foi registrado em áudio e vídeo
no objetivo de ampliar as oportunidades de análise.
Dessa forma, utilizando um aplicativo de mensagens para célula, junto aos
participantes, uma data e um horário foram escolhidos para o encontro, que
ocorreu em uma sala de reuniões na própria universidade. O grupo focal durou
aproximadamente duas horas e aconteceu em um horário noturno em que os
participantes não estavam em aula. No intuito de preservar suas identidades, estes
licenciandos receberam aqui nomes fictícios, que estão dispostos na Tabela 1. As
informações dessa tabela se relacionam com o esquema da Figura 1 que, por sua
vez, apresenta a organização da sala na qual ocorreu o encontro.
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Figura 1 Esquema de organização da Sala onde ocorreu o grupo focal.
Fonte: Autoria própria (2017).
Quadro 1 Indicadores do esquema da Figura 1 e nomenclaturas correspondentes.
Indicador no Esquema da
Figura 1
Nomenclatura
1
Moderador
2
Vênus
3
Baco
4
Minerva
5
Mercúrio
6
Marte
7
Vulcano
8
Juno
9
Mesa
10
Gravador de áudio
11
Câmera filmadora
Fonte: Autoria própria (2017).
No início do encontro do grupo focal, o moderador se apresentou e pediu que
os participantes fizessem o mesmo. Em seguida, foi explicado novamente aos
presentes, de modo superficial, os objetivos da pesquisa e alguns princípios básicos
do funcionamento do grupo focal. O moderador apresentou aos participantes, por
meio de um laptop, um vídeo do Porta dos Fundos
1
. O vídeo exibe de maneira
cômica uma aula matematizada, indicando diversas problemáticas que podem
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estar presentes em aulas do Ensino Médio, inclusive nas de Física. Com o vídeo
assistido nessa atividade inicial como aquecimento das discussões, os licenciandos
iniciaram os debates.
A seguir, outra atividade foi desenvolvida. Folhas em branco foram entregues
para que os participantes escrevessem declarações sobre aula de Física do Ensino
Médio e essas folhas foram redistribuídas de maneira aleatórias para que
debatessem entre si os seus conteúdos. Ao mesmo tempo em que os participantes
debatiam tais declarações, algumas questões de um roteiro, previamente
preparado, foram sendo sugeridas pelo moderador, ao passo que outras questões
do mesmo roteiro foram espontaneamente discutidas pelo grupo, não havendo a
necessidade de serem apresentadas pelo moderador. O roteiro de tópicos
abordados está disposto no Quadro 2.
Quadro 2 Roteiro de tópicos de discussões abordado no grupo focal.
Tópicos para discussão no grupo focal
Por que você escolheu cursar licenciatura em Física?
Fale sobre suas aulas no Ensino Médio.
Fale sobre as aulas que mais chamaram a sua atenção.
Como eram suas aulas de Física no Ensino Médio?
Fale sobre as aulas de Física que mais chamaram sua atenção.
Fale dos professores com os quais você teve aula de Física.
Em relação às aulas de Física que você teve no Ensino Médio, agora que é um
licenciando em Física, como você olha para aquelas aulas de Física que você teve no
Ensino Médio?
Levando em consideração o seu percurso de aulas de Física no Ensino Médio, o que
você pode falar sobre Física? Como poderia falar da relação entre Física e aulas de
Física?
Fonte: Autoria própria (2017).
Logo após à realização do grupo focal, que se resumiu em um encontro, as
gravações de áudio e vídeo foram transcritas para auxiliar no processo de análise,
que seguiu os princípios da teoria da Análise de Discurso Francesa de Michel
Pêcheux (BRANDÃO, 2002; ORLANDI, 2003).
A ANÁLISE DOS DISCURSOS
Nessa seção são apresentados aspectos da teoria da Análise de Discurso de
linha francesa que respalda esse trabalho em termos de interpretação de dados,
bem como a própria interpretação dos discursos.
A fim de compreender os sentidos de aula de Física do Ensino Médio dos
discursos de licenciandos, analisou-se alguns episódios do grupo focal realizado.
As transcrições dos registros formam o corpus bruto; mas foram selecionados
recortes, as unidades de sentido, que compõem o corpus de análise (ORLANDI,
2003). De acordo com Orlandi (2003), o ato de interpretação se inicia já na seleção
dessas unidades e, além disso,
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O texto não é definido pela sua extensão: ele pode ter desde uma só letra até
muitas frases, enunciados, páginas etc. Uma letra “O”, escrita em uma porta,
ao lado de outra com a letra “A”, indicando-nos os banheiros masculino e
feminino, é um texto, pois é uma unidade de sentido naquela situação. [...]
Portanto, não é a extensão que delimita o que é um texto (Ibid. p. 69).
A mesma autora explica que, uma vez que se busca a extensão vertical dos
textos, a análise é feita nas possibilidades de interpretação nas unidades de
sentidos, nas suas formações discursivas e ideológicas, no funcionamento de seus
sentidos e não na extensão horizontal do texto. Ainda, esse processo de seleção
de unidades de sentido é feito quando, em uma primeira leitura, o analista
identifica, no corpus bruto, pistas do discurso que investiga, baseado em seus
referenciais e interesses.
As análises são divididas em três partes (ORLANDI, 2003):
a) na de-superficialização, o analista define as condições de produção de
cada unidade de sentido, identificando traços do discurso sendo
investigado;
b) chega-se no objeto discursivo e são feitas relações com outras formações
discursivas, buscando desfazer os efeitos de ilusão da autonomia do
enunciador, mostrando que o discurso naquela condição de produção é
parafraseado em outras condições;
c) na análise da discursividade chega-se à formação ideológica do discurso,
onde é possibilitada a compreensão dos sentidos nos discursos.
A INTERPRETAÇÃO DOS DISCURSOS
A primeira unidade de análise é proveniente de um episódio do grupo focal
em que um dos participantes estava debatendo sobre como um professor de Física
deveria ministrar sua aula no Ensino Médio:
Marte: [...] a ideia que eu acho, que o professor é assim, que eu tenho, a
concepção que eu tenho, que se eu fosse pro Ensino Médio, sou que nem os
meus, chegar e dar o conteúdo, sem ficar (pausa) de (pausa) meios termos,
chegar e dar o conteúdo, ficar (prolongamento da pronúncia da última
palavra em procura de complementos, mas sem conclusão). é
responsabilidade da galera. Por exemplo, se tem dúvida, pergunta. Se quer
saber mais, corre atrás. Se não quer nada, fica quieto. “Saca”? Eu acho que,
é, não é isso que acontece, obviamente, mas eu acho que isso que é, que é
ser um professor coerente com (pausa) a realidade, “saca”? “Cê” passa o que
“cê” tem que passar, o que “cê” tem programado “pra” passar e, as outras
coisas são externas.
Marte, com um pouco de insegurança (pelo seu tom de voz), ressalta que, o
que está dizendo é baseado em suas convicções: “[...] a ideia que eu acho, que o
professor é assim, que eu tenho, a concepção que eu tenho, que se eu fosse pro
Ensino Médio, sou que nem os meus [...]”. Essa reafirmação pode indicar que ele
não está seguro do que está dizendo e que prevê, por meio do mecanismo de
antecipação, que outras pessoas presentes talvez não concordem com ele. Assim,
Marte deixa claro que seus sentidos de aula são espelhados nos seus professores.
Este discurso é prerrogativa de outros docentes que já lecionam, pois como Tardiff
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(2010) explica, um licenciando tem bastante contato com aulas antes mesmo de
escolher a profissão docente e antes de lecionar de fato, assim, adquirindo
conceitos, sentidos de como as aulas devem ser, espelhando-se nos seus antigos e
atuais mestres.
O aluno continua: “[...] sou que nem os meus, chegar e dar o conteúdo, sem
ficar (pausa) de (pausa) meios termos, chegar e dar o conteúdo, ficar (extensão da
palavra em procura de complementos, mas sem conclusão). Aí é responsabilidade
da galera. Por exemplo, se tem dúvida, pergunta. Se quer saber mais, corre atrás.
Se não quer nada, fica quieto [...]”. Marte faz duas pausas nessa unidade. Pelo tom
de sua voz e olhar pensativo, ele aparenta ponderar suas palavras, talvez ajuizando
sobre a formação imaginária que ele assumiu para seus ouvintes e, também,
antecipando os sentidos produzidos, pensando pensar que as palavras que usaria
pudessem ser inadequadas ou não concordantes com o que pensam os outros
participantes. Todavia, pelo seu tom de voz, Marte aparenta crer fielmente no que
está afirmando: que não ficaria de “meios termos” em aulas que ministrasse. Ele
defende que, para ensinar Física, basta conhecer o conteúdo, que aula de Física
deve ser baseada em acúmulo e memorização de conteúdos. Juntamente com as
falas que trouxe nessa unidade, Marte demonstra crer que a responsabilidade do
professor é a de, apenas, passar o conteúdo. Pode estar indicando também que, o
professor de Física não tem responsabilidade sobre a aprendizagem dos alunos.
Essa também é a formação discursiva de professores do século passado
(JÚNIOR, 2002) e deste, que possuem uma visão mais tradicional de suas aulas,
enfatizam os conteúdos científicos (TSAI, 2002) e outorgam a maior parte da
responsabilidade do aprendizado aos próprios alunos (CORTELA, 2004, apud
BOZELLI, 2005). Essa ideologia que se arrasta pela história é condenada pelos PCN
(BRASIL, 1999), que investem contra aulas que resumem a aula de Física à
memorização de leis, regras e fórmulas e que não concordam com a realidade dos
alunos (LEMKE, 1990), não atuam em favor da formação para a cidadania e que,
consequentemente, não atraem a atenção dos mesmos (BRASIL, 1999), regredindo
a aula para o nível da memorização para provas (BARROS, 1999).
A formação ideológica, nesse discurso, deslegitima qualquer metodologia de
aula de Física que fuja do tradicionalismo, como, por exemplo, debates, que, para
esse licenciando, são aulas de Física não genuínas. Lemke (1990) alerta sobre estes
tipos de aula que não desenvolvem debates, discussões, escritas, leituras,
experimentos e diversas outras atividades em metodologias nas quais os alunos
podem realmente falar, utilizar e aprender o discurso da Física. Além disso, esses
sentidos de aula de Física não dialogam de maneira positiva com as PCN+ (BRASIL,
2002), pois não apresentam a Física como construção cultural, social, econômica,
histórica e política.
O licenciando em questão termina esse trecho reafirmando: “‘Cê’ passa o que
‘cê’ tem que passar, o que ‘cê’ tem programado ‘pra’ passar e, as outras coisas são
externas”. Essa unidade pode apontar novamente que, para ele, a aula de Física
deve evitar metodologias diferenciadas e inovadoras. Esse discurso é semelhante
ao de professores de Física que possuem poucas horas semanais, por turma, para
lecionarem, necessitando preencher suas aulas com o máximo possível de
conteúdos para poderem cumprir com as exigências relacionadas ao conteúdo
programático. Além disso, esse também é o mesmo discurso de professores que
baseiam suas aulas na necessidade de preparar seus alunos para os vestibulares e
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outros tipos de avaliações de larga escala (PEREIRA et al., 2007). Essas formações
discursivas apontam para uma ideologia que considera que as aulas de Física são
um produto necessário para se adentrar nas universidades (TARDIFF, 2010) e não
um promotor de formação para a cidadania (JÚNIOR, 2002; BRASIL, 2002; SÃO
PAULO, 2012). Somando-se a isso, esse discurso denota como as avaliações de
larga escala e de classificação afetam as aulas de Física.
Quando Marte diz que “as outras coisas são externas”, está isolando a Física
de todo contexto social dos alunos (BRASIL, 2002). É o discurso que é produzido
por muitos docentes no ensino de ciências nas escolas (LEMKE, 1990). Esse tipo de
aula de Física se fundamenta em uma concepção de Ciência neutra e isolada das
subjetividades humanas, uma Ciência produzida por homens brancos e de classe
média alta, uma Ciência mística e exotérica. A Física presente nesses tipos de aula
somente é possível ser compreendida pelos superdotados de inteligência
(ALLCHIN, 2004; LEMKE, 1990). Nessa ideologia, na aula de Física, o professor
apenas apresenta fatos incontestáveis da natureza, como se o cientista buscasse
no mundo informações prontas e acabadas, de forma semelhantemente a um
fotógrafo (BRONOSWKI, 1979), não permitindo assim, metodologias de aulas não
tradicionais.
Ao que apresentou Marte na unidade de análise anterior, o diálogo continuou:
Vênus: Ainda mais Física, que é uma coisa exata (ênfase na pronúncia da
última palavra). Tipo, um professor de Sociologia não pode só entrar e passar
matéria porque ele tem que debater, mas Física não, Física você tem que
entrar e passar a matéria porque é aquilo (aumenta o volume da voz para
dizer última palavra).
Marte: Exatamente! (Com bastante ânimo e exaltação).
Vênus: Você não vai “Oi ‘x’, oi movimento, vamos debater?”, não! O
“movimento” ali e vai fazer aquilo (em tom de quem está falando algo
incontestável).
(Mercúrio concorda com a cabeça e olha para Juno compartilhando sua
concordância).
No início desta unidade, Vênus compara duas disciplinas: Sociologia e Física.
Essa aluna caracteriza a Física como uma ciência exata, apresentando indícios de
como deve ser a respectiva aula. O mesmo discurso está presente na compreensão
de alunos e professores em disciplinas científicas, devido aos seus sentidos de
Física e, consequentemente, de aula de Física (TSAI, 2002; LEMKE, 1990). Os
sentidos que os licenciandos têm de Física ditam como devem ser aulas de Física,
incluindo metodologias, materiais didáticos e temas. Assim, o uso de narrativas,
diálogos, filmes, teatros, ficções científicas, poesias, histórias em quadrinhos,
grupos de debate e discussão estão descartados. Lemke (1990) critica esses
sentidos de aulas de disciplinas científicas, dizendo que as mesmas levam à uma
alienação dos alunos sobre Ciência e sobre aulas de conteúdos científicos (aqui a
Física), que a elevam a um patamar de superioridade, objetividade e abstração que
foge das experiências humanas cotidianas.
Marte continua a discussão:
Marte: [...] que nem você falou (se referindo à Vênus), na, na sociologia, cara,
isso é essencial [...] porque é uma questão social, saca?
Vênus: Sim.
Marte: E, independendo do, da “maté...” (pausa para organizar a fala), do
tópico da matéria que ele tá passando, ele tem que saber que “cê” “tá”
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 133-153, mai./ago. 2018.
interagindo certo com o aluno, “sacou”? Porque isso é muita interpretação,
ainda mais em Filosofia e Sociologia, cara.
Este licenciando concorda com Vênus e diz que, no Ensino Médio, em
disciplinas como Filosofia e Sociologia é possível elaborar discussões e grupos de
debate, pois as próprias disciplinas são de natureza social. É feita uma comparação
entre diferentes metodologias de aula: para Sociologia e Filosofia e para Física.
Segundo Marte, os alunos podem trazer suas opiniões nessas aulas. Também
existe um não dito no dito do participante: ao mesmo tempo que diz que em
Sociologia e Filosofia essas metodologias são permitidas, ele aparenta estar
compreendendo que a disciplina de Física não é de cunho social, não engloba a
vida cotidiana dos alunos, a política, a economia, a sociedade e a cultura. Esse
discurso traz o sentido de que aula de Física não promove uma disciplina que faz
parte da cultura e por isso não deve ser debatida: se a Física está fora da realidade
dos alunos, foge de seu escopo de argumentação. Esse discurso entende essa
ciência como uma verdade que deve ser aceita, reproduzida e não contestada
(BRONOWSKI, 1979), não sendo permitidas metodologias presentes em outras
disciplinas (LEMKE, 1990).
Marte então se aventura a explicar que em Sociologia e Filosofia é necessário
que o professor interaja com os alunos e se responsabilize pela forma como seu
discurso chega aos alunos. Todavia, o licenciando fica confuso ao dizer,
primeiramente, “independe da matéria” e depois corrigir sua fala para “tópico da
matéria”. Assim, pretexta alguma confusão entre matéria como disciplina e
matéria como conteúdo. O licenciando parece ter demonstrado um ato falho que
o levaria a uma contradição se usasse a palavra “matéria” significando “disciplina”,
uma vez que o discurso do mesmo traz o sentido de que algumas metodologias
não são permitidas em Física, mas sim em Filosofia e Sociologia. O não dito no dito
dessa unidade é que, as metodologias que exigem mais diálogo entre professores
e alunos não são permitidas em aulas de Física, pois é “chegar e dar o conteúdo,
sem ficar de meios termos.
Marte reforça ainda a questão da interação do professor com o aluno: para
ele, em aulas de Física não é necessário que o professor interaja com os alunos:
Marte: Eles (os professores de Física) “tavam” lá pra dar aula; davam aula,
davam o conteúdo e (prolongamento da pronúncia da última palavra) e
pronto, sabe? [...] A gente não tinha muito contato com eles. que eu
gostava muito disso [...].
Para este licenciando, dar aulas de Física não exige que o professor interaja
em discussões e debates com os alunos; pelo contrário, o professor deve controlar
a fala dos alunos que, quando interagem com o professor, é para responderem
perguntas e receberem uma avaliação (LEMKE, 1990).
Outro participante entra no debate em desenvolvimento:
Vulcano: [...] o que não dá “pra”, tipo, “pra” entender, é por que que ele, por
que eles, eles veem a Física como uma outra parte da Matemática. Eles não
veem que a Física é uma “matemática filosófica”, assim por dizer, entendeu?
Vulcano expressa que percebe a Física sendo considerada, por professores do
Ensino Médio, como uma subdivisão da Matemática. Aqui, o licenciando faz
despontar a formação imaginária que sobreviveu de seus professores de Física
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daquela seriação. Lemke (1990) e Pajares (1992) explicam que, as aulas que
docentes frequentaram, durante a formação básica, continuam vivas em suas
crenças. Continuando, o licenciando indica compreender que a Física é tratada nas
aulas do Ensino Médio, sem meandros, como Matemática. Isto é, naquele nível
escolar, não grandes diferenças entre aula de Física e aula de Matemática. De
fato, a maioria dos alunos termina o Ensino Médio não sabendo distinguir Física de
Matemática (RICARDO; FREIRE, 2007) e seus sentidos apontam para uma Aula de
Física que se resume em Matemática.
Como apresentado anteriormente, Vênus fez uma distinção entre as aulas de
Física, de Sociologia e de Filosofia, em termos de epistemologia, pautando
possibilidades metodológicas. Por sua vez, no trecho considerado, Vulcano
discorda desse sentido de aula de Física tradicional e análoga às aulas de
Matemática e, faz isso buscando elementos para caracterizar as aulas de Física. Ele
diz que a Física é uma “matemática filosófica”. Pode-se interpretar que o sentido
de Física, como sendo Matemática, ainda está presente no discurso de Vulcano, e
essas sãos as vozes daqueles docentes que se limitam ao teor matemático e
conteudista em suas aulas de Física (LEMKE, 1990).
Contudo, como nenhum discurso é autônomo, o sentido de aula de Física no
discurso de Vulcano está sendo transformado polissemicamente, uma vez que o
licenciando também sopesa sobre o caráter filosófico dessa ciência. Isso pode
indicar que ele está sendo interpelado por outras ideologias, agora, entendendo a
Física como um produto cultural, social, político e histórico que, nas aulas, permite
metodologias mais inovadoras. Esse processo polissêmico ocorre porque, ainda
estando no primeiro ano de Licenciatura em Física, Vulcano traz fortemente
marcas dos discursos das aulas de Física que vivenciou no Ensino Médio. Por outro
lado, tendo contato com novos discursos, agora na universidade, passa a ser
interpelado por analogias que consideram que a aula de Física não é apenas
equações, regras e números, mas que é também filosofia, que é desenvolvida por
uma comunidade com ideologias próprias, que permite discussões e debates, que
é cultural, social, política (BRONOWSKI, 1979; LEMKE, 1990; BRASIL, 2002).
O debate estava sendo desenvolvido em relação à forma como a Física é
tratada nas aulas do Ensino Médio e Vulcano apresentou uma contraposição em
relação à Vênus e Marte. Vênus respondeu em tréplica, recebendo apoio de
Mercúrio.
Vênus: Eu acho que a Matemática é a linguagem que a Física utiliza. [...] são
as palavras da Física, no caso. Até porque, tipo, existe vários idiomas, mas
Matemática existe uma só. Tipo, você pode, colocar um texto em inglês, em
alemão, em francês [...], agora a Matemática não. [...] se eu fizer dois mais
dois aqui, e levar, tipo, “pro” Japão, dois mais dois, também vai, vai ser a
mesma coisa, vai ser quatro. E por isso que a Física é tão, perfeita! Porque ela
usa uma coisa que não, não depende da interpretação do vocabulário. Não!
É aquilo (participante bate as mãos na mesa) e pronto! E a Matemática, ajuda
nisso. A Matemática é isso. Eu acho que... (Interrupção de Mercúrio).
Mercúrio: Poderia se dizer então que, fazendo uma associação, a Matemática
seria como uma linguagem de programação; e o resultado final de tudo, de
toda sua codificação, o programa final seria a Física.
Vênus inicia sua explicação caracterizando a Física e utiliza predicados que
julga serem da Matemática. Ela entende que a Matemática é a linguagem utilizada
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 133-153, mai./ago. 2018.
pela Física, a estrutura básica de funcionamento dessa ciência, o meio pelo qual a
Física se expressa e se estrutura. Vênus traz ainda um caráter de universalização
da Física, novamente, por meio da Matemática, uma vez que diz que, apesar de
haver diversos idiomas, a Matemática é única. Todavia, mesmo utilizando adjetivos
que julga serem da Matemática, a licencianda está se referindo à Física: busca
delinear a Física por meio de uma descrição da Matemática.
Então, Vênus diz que a Física é perfeita, porque não é passível de
interpretações “do vocabulário”, da língua; mas quem usa a língua? Os sujeitos.
Assim, a Física estaria blindada da subjetividade dos sujeitos que se expressam e
interpretam, pelo discurso (que é definido como a língua em funcionamento e
gerando sentidos entre sujeitos). Ao mesmo tempo, então, a licencianda exclui
todas as condições de produção (históricas, sociais, políticas, econômicas,
ideológicas, entre outras) que afetam diretamente no desenvolvimento de toda
ciência e produto humanos.
Seguindo, no final da unidade apresentada, Vênus se exalta, aumenta o
volume da voz de maneira incisiva, bate na mesa com as duas mãos e diz que Física
“é aquilo e pronto”, e usa novamente a Matemática como argumento. Logo em
seguida, Mercúrio interrompe Vênus, e aparenta estar completando seu discurso,
trazendo elementos de Ciência da Computação
2
. Ele faz uma analogia para
ressaltar a relação entre Física e Matemática ao explicar que Física seria como um
programa computacional e a Matemática seria a linguagem desse programa.
Quando Mercúrio faz essa analogia, concorda com os argumentos de Vênus,
considerando a Matemática o cerne existencial da Física. Assim, está sendo
considerado que a Matemática é uma condição necessária para a existência da
Física.
A aula de Física para o Ensino Médio defendida nesses discursos recorre à
caracterização da Física por meio de uma suposta paridade entre Física e
Matemática. Esse tipo de raciocínio é comum entre alunos e professores pois, a
forma como se entende a ciência em questão direciona os sentidos sobre como
deve ser a aula correlata (LEMKE, 1990; TSAI, 2002). Ao utilizar elementos do
sentido que se tem de Matemática para explicar a Física, também pode estar sendo
dito, em um não dito, que Física funciona como a Matemática, que Física é
Matemática ou que é Matemática aplicada (RICARDO; FREIRE, 2002). Estes
sentidos mobilizam, por conseguinte, o sentido de aula de Física.
Tendo em vista os discursos aqui analisados, estão elencados abaixo, por meio
de tópicos, os sentidos desvendados nos discursos considerados neste artigo. Para
os licenciandos que participaram dessa pesquisa, as aulas de Física para o Ensino
Médio:
a) devem ser conteudistas, isto é, focar na apresentação do máximo de
conteúdo possível, além do que, basta ao docente conhecer os conteúdos
da Física para ser capaz de leciona-los;
b) se restringir à metodologias tradicionais de aula, onde o professor passa a
matéria e os alunos devem estudar o conteúdo em casa para que possam
aprender de fato, que os discentes devem ser totalmente
responsabilizados pelo sucesso ou fracasso de seus aprendizados;
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 133-153, mai./ago. 2018.
c) não devem abrir espaço para questões de cidadania, política, cultura e
sociedade;
d) devem seguir, estrita e fidedignamente, um conteúdo programático,
focando nos conteúdos, como que transferindo conhecimento;
e) são grandemente influenciadas pelas exigências dos vestibulares, que
viabilizado ingresso dos alunos às universidades;
f) devem ser pautadas por metodologias que se resumem à apresentação de
conteúdos aos alunos, permanecendo em modelos tradicionalistas
estanques de aulas do século passado, jazendo os alunos em uma posição
passiva nas aulas (copiando a matéria para estudarem em casa, sendo que
somente assim podem aprender);
g) compreendem a Física como um conjunto de leis e verdades irrefutáveis;
h) não permitem o uso de narrativas, diálogos, filmes, teatros, ficções
científicas, poesias, histórias em quadrinhos, grupos de debate e
discussões, entre outras metodologias e materiais didáticos que fogem do
tradicionalismo;
i) não possibilitam metodologias que tragam espaço para que os alunos
debatam e se coloquem na aula de maneira mais ativa, pois não é possível
debater os conhecimentos científicos em Física como se faz em Sociologia
e Filosofia, por exemplo;
j) não exigem que o professor interaja e se envolva em discussões e debates
com os alunos, pelo contrário, o professor deve controlar a fala dos alunos
que, quando interagem como professor, é para responderem perguntas;
k) têm a concepção da Física como uma ciência neutra e isolada das
subjetividades humanas, uma ciência distante da realidade da vida dos
alunos e que apenas pode ser compreendida por pessoas dotadas de
superinteligência, os cientistas;
l) não abrem espaço para debates, argumentações, discussões e posição
pessoal ativa dos alunos em relação aos conteúdos estudados;
m) devem primar a memorização de leis, regras e fórmulas e exigem alto teor
matemático para serem validadas, devendo se limitar à resolução de
exercícios e problemas de manipulação de equações, uma vez que se
compreende a Física análoga à Matemática;
n) não abrem espaço para serem trabalhadas competências e habilidades
para a cidadania, como argumentação, escrita, leitura, criatividade, entre
outras;
o) não considerem a Física como um produto social, histórico, político,
econômico, criativo e humanístico.
Percebe-se então que, os sentidos de aula de Física presentes nas unidades de
sentido apresentadas e analisadas, funcionam em um discurso que concebe uma
aula de Física altamente matematizada e conteudista, sendo desenvolvidas
mediante a apresentação de conceitos, leis e rmulas, de forma
desarticulada, distanciados do mundo vivido pelos alunos e professores e não
só, mas também por isso, vazios de significado (BRASIL, 1999, p. 22).
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 133-153, mai./ago. 2018.
Esses sentidos de aulas, por sua vez, não concebem a aula de Física como
sendo uma oportunidade de desenvolver habilidades e competências para a
cidadania, como recomendado por documentos oficiais (BRASIL, 1999; BRASIL,
2002; SÃO PAULO, 2012).
CONCLUSÕES
Com o intento de investigar os sentidos de aula de Física para o Ensino Médio
de licenciandos de uma universidade estadual do Estado de São Paulo, partiu-se
primeiramente para a investigação dos discursos de ingressantes daquela
universidade. O desenvolvimento da presente investigação viabilizou uma situação
de debate, entre os próprios alunos, por meio do método de grupos focais, na qual
os licenciandos discutiram sobre o tema proposto, isto é, aula de Física para Ensino
Médio. Foi possível, por meio do processo analítico proposto, quer dizer, a teoria
da Análise de Discurso Francesa, de Michel Pêcheux, estudar os discursos
registrados.
Os discursos dos participantes do estudo apontam para o sentido de que não
é possível ou desejável trazer metodologias diferenciadas para as aulas de Física.
Isso porque a Física seria uma disciplina exata, impassível de ser argumentada e
questionada. Os licenciandos demonstram alimentar a ideologia segundo a qual os
conhecimentos da Física se assentam em uma verdade irrefutável, e desse modo,
não haveria o que ser discutido. Assim sendo, não haveria razões para se buscar
metodologias que permitam que os alunos se tornem mais ativos nas aulas de
Física do Ensino Médio.
Interpretamos também sentidos de que em aulas de Física apenas que se
aceitar seus conteúdos como verdades absolutas e universais. Além disso, de
acordo com esses discursos, a aula de Física deve primar pelo acúmulo de
conteúdos e pela memorização de leis e fórmulas. Nesse contexto, os alunos são
considerados tábulas rasas e todo seu arsenal de conhecimentos prévios e as suas
potencialidades de participação ativa são ignorados.
Ressaltamos que esses tipos de aula são vazios de significado para os alunos e
resultam apenas em alunos passivos que entendem a Física como mera aplicação
da Matemática e que apenas memorizaram seus conteúdos para poderem ser
aprovados na disciplina. Esse tipo de ensino não coincide com uma proposta que
possibilite uma formação ampla e que vise a prática de habilidades e competências
para a cidadania e, muito menos, para uma formação científica, pois até mesmo
nesse contexto a memorização mecanizada não é adequada. Há, então, uma
necessidade de aproximação entre as vidas dos alunos e a Física, no contexto da
sala de aula.
Também foi possível perceber, em um dos discursos, traços de uma
ressignificação acerca de sentidos de aula de Física. Essa polissemia ocorre porque,
agora na licenciatura, o sujeito é interpelado por novas ideologias que
compreendem a Física como um produto social, histórico, político, cultural,
filosófico e humano, englobando a realidade daqueles que produzem essa ciência.
Justamente por isso, a Física deixa de ser uma ciência estanque, mística e distante
da realidade dos alunos. Assim, há abertura de oportunidades, nas aulas de Física,
para metodologias que envolvem debates, argumentações, uso de filmes, poesias,
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histórias em quadrinhos, entre tantas outras oportunidades que viabilizam a
formação para a cidadania.
Como apontamos no presente artigo, muitos alunos terminam o ensino médio
com concepções equivocadas tanto sobre a natureza da Física quanto sobre aula
de Física. No contexto de nossa pesquisa, os discursos dos ingressantes de um
curso de licenciatura em Física ratificam essa afirmação. Dessa forma,
corroboramos a importância de investigação sobre como estão sendo formados os
licenciandos e como pensam a disciplina com a qual trabalharão nas salas de aula
da educação básica. Assim, no âmbito do ensino em ciências, em especial Física,
ansiamos que a discussão que tecemos possa gerar reflexões produtivas entre os
diferentes agentes da educação básica e da formação inicial de professores.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 133-153, mai./ago. 2018.
Meanings of physics class for high school in
the discourse of teaching degree in physics’
students
ABSTRACT
The conceptions of the Physics class of teachers of this discipline can be questionable and,
often, dissonant of the official documents and the researches in the area of Physics
Teaching. Then, we aimed to answer the following question: "What are the meanings of
Physics class for High School in the discourse of undergraduate students of a public
university in the state of São Paulo?" To answer this question, a focus group constituted by
graduates in Physics was organized on the theme Physics Class in High School. The meeting
was recorded in audio and video and these records were later transcribed to assist the
analysis, of the discourses, under the aegis of Michel Pêcheux's reference. The interpreted
meanings point to the conception, by the undergraduate students, that the Physics class for
the Secondary School must be constituted by mere applications of Mathematics. Thus, this
subject would not relate to the daily life of students and would not require classroom
methodologies to escape from content and memorization of equations and rules.
KEYWORDS: Undergraduate students. Discourse. Meanings. Physics class. High school.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 133-153, mai./ago. 2018.
NOTAS
1. Porta dos Fundos é um grupo que produz vídeos cômicos e os divulgam em
plataformas online, principalmente, de reprodução de vídeo. O vídeo ao qual se
faz referência neste artigo pode ser acessado por meio do link
https://www.youtube.com/watch?v=2vzwOeY9YUY.
2. Mercúrio havia iniciado um curso de graduação, Ciências da Computação,
antes de cursar Licenciatura em Física, tendo, todavia, mudado sua área de
interesse e migrado para a atual licenciatura.
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Recebido: 15 jan. 2017
Aprovado: 19 jul. 2018
DOI: 10.3895/actio.v3n2.7627
Como citar:
SILVA, D. B. F.; BOZELLI, F. C. Sentidos de aula de física para o ensino médio no discurso de licenciandos
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 133-153, mai./ago. 2018. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>.
Acesso em: XXX
Correspondência:
Dayvid Bruno Fernandes da Silva
Rua Santa Isabel, n. 1125, Barão Geraldo, Campinas, São Paulo, Brasil.
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.