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ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 1, p. 184-204, jan./abr. 2018.
http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
Tecendo a constituição identitária do
professor de matemática narrado nos
memoriais
RESUMO
Vanessa Suligo Araújo Lima
vanessa.lima@unemat.br
orcid.org/0000-0003-4651-3752
Universidade do Estado de Mato Grosso
(Unemat), Barra do Bugres, Mato Grosso,
Brasil
Maria Elizabete Rambo Kochhann
beterambo@gmail.com
orcid.org/0000-0003-0216-7800
Universidade Federal do Sul e Sudeste do
Pará (UNIFESSPA), Santana do
Araguaia, Pará, Brasil
Este trabalho é parte de uma pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Ensino de Ciências e Matemática PPGEM, da Universidade do
Estado de Mato Grosso-UNEMAT, Campus de Barra do Bugres-MT. A investigação teve
como objetivo investigar, na formação inicial de Professores, o processo de constituição da
identidade docente, que emerge a partir da produção dos Memoriais de Formação dos
Licenciandos de Matemática da UNEMAT, Campus de Barra do Bugres - MT; desenvolvidos
durante os Estágios Curriculares Supervisionados I e II, realizados nos períodos 2016/02 e
2017/01. A metodologia apoiou-se na abordagem qualitativa, de cunho interpretativo,
adotando-se o método (auto)biográfico, com ênfase nas narrativas das histórias de vida,
tendo como instrumento de produção de dados os Memoriais de Formação produzidos
pelos licenciandos. O trabalho apoiou-se nos contributos teóricos de autores que discutem
temas relativos à formação, identidade e Memorial, como Marcelo Garcia (1999), Fiorentini
e Castro (2003), Silva, Woodward e Hall (2004), Nóvoa (1992, 2009), Nóvoa e Finger (2014),
Passeggi (2006), dentre outros. Os resultados evidenciaram vários elementos em contato,
influenciando a constituição da identidade docente dos licenciandos pesquisados. Dentre
eles, podemos destacar: família, amigos, escola, contextos sociais, professores; os discursos
produzidos pelos licenciandos; marcas (positivas ou negativas) de formação deixadas por
professores etc. Concluímos que o Memorial pode ser um valioso instrumento no processo
de formação inicial dos licenciandos, podendo contribuir para a formação de sujeitos
reflexivos que compreendam seu próprio processo de formar-se professores.
PALAVRAS-CHAVE: Formação Inicial de Professores, Identidade Docente, Memorial de
Formação.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 1, p. 184-204, jan./abr. 2018.
INTRODUÇÃO
Os a formação inicial de professores tem passado por inúmeras mudanças e
tem sido alvo de diversas pesquisas na área de Educação, muitas dessas investigam
o processo de constituição da identidade docente dos licenciandos.
Segundo Nóvoa (1992), a formação, entre outros aspectos, pode:
Estimular o desenvolvimento profissional dos professores, no quadro de uma
autonomia contextualizada da profissão docente. Importa valorizar
paradigmas de formação que promovam a preparação de professores
reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento
profissional e que participem como protagonistas na implementação de
políticas públicas (NÓVOA, 1992, p. 13).
Entretanto, promover a preparação de professores reflexivos requer
instrumentos que possibilitem ao sujeito essa reflexão e autonomia em sua
formação, em seu processo de formar-se professor. Assim, as pesquisadoras
acreditam que um dos caminhos se ao permitir, ao futuro professor, refletir
sobre sua história, seus percursos e as experiências vividas.
Nesse sentido, com o intuito de promover essa reflexão, a pesquisa utilizou e
investigou os Memoriais de Formação, produzidos pelos licenciandos de
Matemática, buscando compreender a constituição da identidade docente dos
licenciandos ainda em formação. Acredita-se que o Memorial constitui-se como
instrumento de reflexão e prática de autoformação dos futuros professores.
Segundo Passeggi (2010), o Memorial de Formação é um:
Texto acadêmico autobiográfico no qual se analisa de forma crítica e reflexiva
a formação intelectual e profissional, explicitando o papel que as pessoas,
fatos e acontecimentos mencionados exerceram sobre si. Adota-se a hipótese
de que nesse trabalho de reflexão autobiográfica, a pessoa distancia-se de si
mesma e toma consciência de saberes, crenças e valores, construídos ao
longo de sua trajetória. Nesse exercício, ela se apropria da historicidade de
suas aprendizagens (trajeto) e da consciência histórica de si mesma em devir
(projeto) (PASSEGGI, 2010, p. 1).
Essa definição conduziu a pesquisa ampliando o desejo de utilizar e investigar
o Memorial de Formação, como instrumento de reflexão na formação dos futuros
professores, a fim de promover momentos de reflexão, análise e compreensão dos
processos de constituição da identidade docente que os licenciandos passam e
expressam nas narrativas e escritas de si.
Nesse contexto, a motivação e justificativa para realização da pesquisa surgiu
de minhas experiências como licencianda do curso de Licenciatura em
Matemática, na Universidade do Estado de Mato Grosso-(UNEMAT), Campus de
Barra do Bugres MT; realizadas a partir da escrita de Memoriais de Formação
produzidos durante a disciplina de Estágio Curricular Supervisionado I-(ECS-I), em
que foi o primeiro momento que me encontrei como educadora.
Nesse sentido, o problema de pesquisa que buscou-se responder foi: Como se
constitui a Identidade Docente emergida a partir da produção de Memoriais de
Formação de licenciandos em Matemática da Universidade do Estado de Mato
Grosso-(UNEMAT), Campus de Barra do Bugres-MT, desenvolvidos durante os
Estágios Curriculares Supervisionados I e II do período de 2016/2 e 2017/01?
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Dessa forma, buscando responder a essa questão, a pesquisa teve como
objetivo geral: Investigar, na formação inicial de professores, o processo de
constituição da identidade docente, que emerge a partir da produção dos
Memoriais de Formação dos licenciandos de Matemática, da Universidade do
Estado de Mato Grosso-(UNEMAT), Campus de Barra do Bugres MT,
desenvolvidos durante os Estágios Curriculares Supervisionados I e II, realizados,
respectivamente, nos períodos de 2016/02 e 2017/01. Para tal atividade, foram
traçados os seguintes objetivos específicos:
- Identificar, nas narrativas escritas, as possíveis marcas/influências deixadas por
professores, e como estas estão sendo ressignificadas pelos licenciandos, e os
elementos/momentos do processo de constituição da identidade docente, que
emergem a partir da produção dos Memoriais.
- Analisar se os Memoriais de Formação podem ser instrumentos de reflexão do
processo de formar-se professor, na perspectiva dos licenciandos.
Assim, buscou-se na pesquisa, explorar a constituição da identidade docente,
a partir da produção de Memoriais de Formação na formação inicial dos
licenciandos.
METODOLOGIA
A metodologia apoiou-se na pesquisa qualitativa de cunho interpretativo,
voltada para o método (auto)biográfico, inserindo-se no gênero das narrativas
(auto)biográficas, que adotam as histórias de vida e (auto)biografias dos sujeitos.
Isso porque o método (auto)biográfico tem, nas escritas dos sujeitos, o referencial
para investigar o objeto de estudo. Este, por sua vez, foi analisado a partir da
produção dos Memoriais de Formação, com características que possibilitam o
desenvolvimento de uma investigação dessa natureza.
Segundo Bogdan e Biklen (1994), a abordagem da investigação qualitativa
exige que o mundo seja examinado como ideia de que nada é trivial, que tudo tem
potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão
mais esclarecedora do nosso objeto de estudo. Nesse caso, pequenos elementos
puderam apresentar pistas ou indícios de elementos/momentos de constituição
da identidade docente expressos nos Memoriais.
O método utilizado na pesquisa foi o autobiográfico, com ênfase nas técnicas
de narrativas das histórias de vida, a partir dos Memoriais de Formação, pois
acreditou-se- serem apropriados para o desenvolvimento da investigação, que
consolida a análise das experiências de formação vivenciadas pelo sujeito, uma vez
que, conforme salienta Moita (2007, p. 116), “[..] uma história de vida põe em
evidência o modo como cada pessoa mobiliza os seus conhecimentos, os seus
valores, as suas energias, para ir dando forma à sua identidade, num diálogo com
os seus contextos”.
Segundo Portugal (2016):
A Pesquisa (auto)biográfica vem se constituindo e se consolidando, ao longo
das últimas décadas, como uma abordagem da pesquisa qualitativa, bastante
utilizada no contexto da formação e da profissão docente, no cenário nacional
e internacional, caracterizando-se como uma metodologia de investigação,
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ao desvendar modos singulares de investigar a formação, a prática docente
(docência), a vida, os saberes e a carreira/trajetória profissional dos
professores (PORTUGAL, 2016, p. 211).
Diante da consolidação das pesquisas que utilizam o método (auto)biográfico,
compreendeu-se esse método como possibilidade de compreensão dos percursos
de formação e das experiências vividas, no contexto de formação de professores.
Nesse cenário, as compreensões da pesquisa, no âmbito da investigação,
apoiaram-se nas ideias de autobiografia apresentadas por Nóvoa e Finger (2014) e
Passeggi (2008), entre outros.
Para Nóvoa e Finger (2014) a (auto)biografia se apresenta como uma das
alternativas de formação: os sujeitos serão estimulados a autoformar-se, à medida
que forem explicitando suas trajetórias de vida. E, Passeggi (2008. p. 27)
complementa que autobiografar é “[...] aparar para si com suas próprias mãos”,
em que aparar é ajudar a nascer no sentido de “[...] cuidar de si e renascer de outra
maneira pela mediação da escrita.
Logo, optou-se pela escolha desse método, devido à possibilidade de
compreensão da formação do sujeito que, ao narrar suas experiências e histórias
de vida em Memoriais, faz uma reflexão sobre os percursos vividos que podem
apresentar e instigar elementos/momentos de constituição da identidade
docente.
Dessa forma, investigou-se na pesquisa os percursos de formação vividos e
narrados pelos licenciandos sobre suas histórias de vida, na perspectiva dos
próprios sujeitos, autores dessa formação. Assim, para analisar esses percursos de
formação, a pesquisa utilizou, como instrumento de produção de dados, os
Memoriais de Formação, produzidos pelos licenciandos do Curso de Licenciatura
em Matemática da UNEMAT de Barra do Bugres-MT, durante as disciplinas de
Estágios Curriculares Supervisionados - (ECS) I e II, realizadas, respectivamente,
entre os períodos de 2016/02 e 2017/01, os mesmos continham eixos orientadores
para a escrita.
Segundo Passeggi (2003, p. 6), o “Memorial é um ato de linguagem que se
materializa sob a forma de narrativa (auto)biográfica. O sujeito, ao
escrever/narrar, mobiliza processos cognitivos, socioafetivos e metacognitivos
para dar unidade ao que relata. Essa mesma dimensão contribui para o
redimensionamento das representações de si e da trajetória percorrida em sua
vida.
Assim, a pesquisa buscou explorar a constituição da identidade docente
emergida a partir da produção de Memoriais de Formação dos licenciandos, no
sentido de perceber que indícios podem ser encontrados nas narrativas
autobiográficas da história de vida e de formação desses sujeitos.
Os sujeitos que compuseram esta pesquisa foram, inicialmente, 6 (seis)
licenciandos do Curso de Licenciatura em Matemática da UNEMAT de Barra do
Bugres-MT. Esses licenciandos produziram o primeiro Memorial de Formação,
durante a disciplina de ECS-I, realizada no período 2016/02. Destes, apenas 5
(cinco) deram continuada ao estágio e produziram o segundo Memorial no ECS-II,
realizado no período de 2017/01. Os licenciandos foram orientados e
acompanhados durante a realização dos dois estágios.
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A análise dos dados foi realizada pelas pesquisadoras por meio da abordagem
qualitativa, com base no método autobiográfico das narrativas da história de vida,
que consolida a análise de cunho interpretativo das experiências de formação dos
sujeitos. Considerou-se que a utilização desse método produziu uma quantidade
considerada de dados qualitativos.
Por fim, para preservar a identidade dos licenciandos participantes, foi
utilizado um pseudônimo escolhido por eles próprios, de acordo com sua história
de vida e formação, conforme apresentado a seguir:
Figura 1: Quem são os licenciandos que produziram o Memorial-I ?
Fonte: Autoria própria (2017).
Destes licenciandos apresentados, apenas Indecisão não participou da
segunda análise do Memorial.
Assim, considerou-se na pesquisa que pelos Memoriais de formação dos
licenciandos investigados pudessem encontrar pistas e indícios que permitiram
compreender o processo de constituição da identidade docente dos mesmos.
Portanto, o Projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética da
UNEMAT, inicialmente como o nome Ser ou não Ser: o processo de formar-se
professor de Matemática narrado nos Memoriais, em 14/09/2016 pelo número do
protocolo 60187116.6.00005166 e aprovado na data do dia 22/10/2017.
RESULTADOS E ANÁLISES
Considerando o instrumento de pesquisa utilizado, procurou-se na pesquisa
analisar os licenciandos em sua trajetória de vida e seus processos de formação,
expressos nos Memoriais, entendendo como um “movimento” de análise para
compreender o processo de constituição da identidade docente.
Nesse movimento de análise, encontrou-se vários elementos de formação que
emergiram a partir da produção dos Memoriais de Formação dos licenciandos do
curso de Matemática da UNEMAT, Campus de Barra do Bugres-MT. Acredita-se
que esses indícios de constituição da identidade docente puderam fazer
compreender melhor esse processo de formar-se professor, mostrando algumas
pistas que deram alguns caminhos.
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Começando o movimento de análise, lançou-se um olhar subjetivo sobre o
primeiro Memorial de Formação produzido pelos licenciandos, fazendo um
exercício reflexivo sobre suas narrativas, conforme a orientação da escrita, ou seja,
dividida por eixos, sendo eles:
- Eixo 1: Trajetória de Vida Pessoal e Familiar;
- Eixo 2: Trajetória da Educação Básica; e,
- Eixo 3: Trajetória do formar-se professor de Matemática.
Com relação ao Eixo 1: Trajetória de Vida Pessoal e Familiar.
Esse eixo apresentou elementos de formação relacionados com a formação
de vida pessoal e familiar dos licenciandos. De modo geral, os licenciandos
evidenciam uma infância feliz e marcada pelo prazer de ir à escola, de aprender,
ensinar e interagir com os colegas, que compreendemos como elementos de
formação da identidade pessoal do sujeito sendo produzida nas relações. Podemos
verificar isso na sequência discursiva de Indecisão (2016) que evidencia esse gostar
de ir para a escola, quando narra que:
[Narrativa 1]: Mamãe fala que eu sempre gostei da escola e chorava quando
ficava doente e não podia ir, até as brincadeiras lembrava a escola, gostava
de brincar de escolinha sempre ensinando os amiguinhos (INDECISÃO, 2016).
Compreendeu-se que o ato de ensinar e aprender já se fazia presente em sua
infância, pois a licencianda gostava, desde cedo, desse processo de ensino e
aprendizagem e do ato de ensinar seus colegas na escola.
Entretanto, apesar dos relatos de uma infância feliz, os licenciandos também
evidenciaram marcas negativas relacionadas a esse período, conforme pode-se
verificar na sequência discursiva de Guerreira (2016), quando evidencia que:
[Narrativa 2]: Tínhamos uma infância com certa liberdade, mas também com
traumas, meu pai era alcoólatra, bebia quase todos os dias, era difícil a noite
que ele não bebia, era agressivo com minha mãe, mulher guerreira, tenho na
lembrança o que nos consolava era saber que logo amanheceria e voltaríamos
a ter a liberdade pelo menos no decorrer do dia estaríamos soltos, iriamos
para escola estudar, aprender, brincar, conviver e conversar com os colegas,
rir, e assim estaríamos livres de ver nosso pai alcoolizado.(GUERREIRA, 2016)
Compreendeu-se pela sua narrativa que a escola era um dos refúgios de
Guerreira, que sentia liberdade em estudar, em conhecer o novo e interagir com
outros, que na escola ela sentia liberdade quando aprendia e se relacionava com
os colegas, e que mesmo com as experiências traumatizantes de sua formação,
isso a constitui enquanto uma aluna que gostava de estudar.
De forma geral, entendeu-se que todas essas “experiências” vivenciadas pelos
licenciandos, influenciaram a constituição de suas identidades, produzindo suas
identidades. Pois, para Larrosa (2002, p. 27), a “experiência” pode ser
compreendida como “aquilo que nos acontece”, “o que nos toca”, e que “os
sentidos que damos a esse acontecido em nós” produzem também a nossa
identidade.
Nesse cenário, compreendeu-se que as relações com a família e com os
contextos sociais; e as representações e produção dos sentidos dessas
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experiências, influenciaram a constituição de quem estes sujeitos se formaram e
estão se formando, e entendeu-se esse movimento de constituir-se, nessa
interação da pessoa e os contextos, e que tais contextos produzem identidades a
partir do sentidos e significados que cada indivíduo atribui ao que o acontece, ao
que o toca, ao que o forma e o transforma de alguma forma, produzindo assim
novas identidades.
Com relação ao Eixo 2: Trajetória da Educação Básica.
Para melhor compreensão da trajetória da Educação Básica dos licenciandos,
foi subdividido esse eixo em duas etapas: Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Com relação ao Ensino Fundamental, o que emergiu das narrativas dos
licenciandos foi que eles tiveram marcas positivas e negativas de professores que
os influenciaram em sua formação. Sobre as positivas, alguns professores, em
especial, destacam-se aqueles que os ensinaram a gostarem de estudar, a
gostarem da disciplina de Matemática, e a quererem se tornar um professor de
Matemática. Pode-se verificar alguns desses aspectos na narrativa de
Perseverança (2016), quando relata que:
[Narrativa 3]: Na série tive a oportunidade de estudar com o Professor
Edvagner de matemática, a sua simplicidade, a forma com que ele dava aulas,
transmitia o conteúdo com mais clareza, de fácil entendimento, seu jeito de
vir até mim tirar minhas dúvidas a respeito do conteúdo, são pontos que me
fizeram despertar o interesse pela matemática e por ser um professor de
matemática. (PERSEVERANÇA, 2016)
Compreendeu-se que esse professor teve grande influência na formação de
Perseverança, despertando-lhe, inicialmente, o gosto pela Matemática e por ser
um professor de Matemática. Assim, acredita-se que esses são alguns
elementos/pistas de como a identidade desse licenciando começou a ser
constituída na escolaridade, na relação com o outro, neste caso, o professor.
Nesse movimento de compreender como o outro se constitui, verificou-se na
pesquisa, a partir das análises dos excertos, que emergem nas narrativas dos
licenciandos o elemento “influência do professor, em seu processo de formação,
em que alguns evidenciam marcas negativas que ainda não foram ressignificadas,
e outros evidenciando marcas positivas que influenciaram a constituição de suas
identidades, bem como na direção de uma identidade docente sendo constituídas.
Essa construção pode ser compreendida, nas palavras de Nóvoa (1992), quando
evidencia que:
A identidade não é um dado adquirido, não é um produto. A identidade é um
lugar de lutas e conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e
estar na profissão. Por isso, é mais adequado falar em processo identitário,
realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se
sente e se diz professor (NÓVOA, 1992, P. 10).
Nesse sentido, a pesquisa acredita que a constituição da identidade docente
passa por processos em que cada sujeito produz um sentido, um significado, e que
essa constituição se inicia na própria maneira como o sujeito se sente ou se diz
professor, conforme evidenciado pelo autor e expresso nas palavras da
licencianda, quando enuncia que sentiu a vontade de ser professora, ainda no
Ensino Fundamental, pelo fato de ver a maneira como era o seu próprio professor.
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Esses elementos presentes no discurso da licencianda, fizeram as pesquisadas
compreenderem que, nesse período, a identidade docente vem sendo
constituída, quando a licencianda se sente e se diz querer ser uma professora de
Matemática.
Em relação à etapa do Ensino Médio, percebeu-se que os licenciandos narram
que passaram por várias dificuldades, pois era outra realidade, outro
comprometimento. Tinham de ser mais responsáveis com as atividades escolares,
e, ainda, alguns deles tinham de trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Os
licenciandos ainda relatam que era um período marcado pela preparação para
ingressar em uma universidade e essa preparação, segundo Perseverança (2016),
o fazia “ter mais vontade de entrar em alguma Universidade.”
Foi nesse período do Ensino Médio que os licenciandos começaram a traçar
alguns caminhos a percorrer na trajetória educacional no Ensino Superior, cada um
se formando, se transformando e se constituindo de uma forma singular.
Percebeu-se assim, que no Ensino Médio, período de preparação para o
ingresso no Ensino Superior, a maioria dos licenciandos narra que não queria ser
professor, ou, não sabia o que queria ser. Apenas 2 (duas) licenciandas
investigadas relatam que queriam ser professoras de Matemática, pela influência
de professores de Matemática e porque já haviam se identificado com a profissão
de ensinar. O quadro a seguir mostra de forma mais clara essa afirmação:
Quadro 1 Quadro de escolhas do Ensino Médio
Licenciandos
Escolhas do Ensino Médio
Perseverança
Gostava de matemática, mas, queria ser engenheiro civil.
Indecisão
Queria ser médica, por influência da mãe.
Guerreira
Não sabia o que queria ser, mas queria continuar estudando, um
dos motivos pela motivação de seu diretor e professor de
matemática.
Persistência
Tinha afinidade com a matemática, gostava de estudar, mas não
sabia o que queria ser, mas queria cursar o ensino superior.
Sonhadora
Já não tinha dúvidas que queria ser professora de matemática,
pela influência de professores de matemática.
Futuro
Decidiu ser professora de matemática, pela influência de
professores de matemática
Fonte: Autoria própria (2016).
Percebeu-se assim que, embora a maioria dos licenciandos ainda não queiram
ser professores, duas licenciandas já tinham decido pela profissão de professoras
de Matemática, influenciadas pelos professores, em especial de Matemática, que
tiveram ao longo de sua formação. O que foi compreendido como elementos
importantes no processo de constituição da identidade docente dos sujeitos.
Dessa forma, acredita-se que essas identidades estão sendo produzidas
dentro dos e nos discursos em que as licenciandas se posicionam, pois conforme
destaca Woodward (2004, p. 55), “as posições que assumimos e com as quais nos
identificamos constituem nossas identidades”. Assim, estas identidades vão sendo
produzidas dentro dos e nos discursos, bem como nas relações com o outro, neste
caso, o professor de Matemática, em cuja imagem positiva se espelham e a partir
da qual desejam tornar-se professoras.
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Com relação ao Eixo 3: Trajetória do formar-se professor de Matemática.
Nessa etapa de início do Ensino Superior, percebeu-se que alguns licenciandos
começam a mudar as escolhas de sua profissão, para a de professores de
Matemática, em sua maioria, influenciados por professores, em especial de
Matemática, que tiveram no Ensino Fundamental e Médio. E, as 2 (duas)
licenciandas, que queriam ser professoras de Matemática, mantiveram suas
decisões, também influenciadas pelos professores ao longo de suas formações.
Podemos verificar no quadro a seguir:
Quadro 2 Mudanças de escolha para o Ensino Superior.
Licenciandos
Mudanças de escolha
Perseverança
Fez engenharia civil por 4 semestres e percebeu que não era o
que queria, trocando de curso para o de matemática, devido à
influência de um antigo professor de matemática.
Indecisão
Queria ser médica, mudou de opção para engenharia civil, por
medo de não passar e também por influência de sua professora
de matemática e amiga. fez matemática. posteriormente,
complementou com farmácia, relatando ser suas duas paixões e,
embora queira ser professora, ainda não sabe que área seguir.
Guerreira
Queria continuar estudando, mas casou-se e seu marido não a
deixou estudar, ficando 18 anos fora da sala de aula. após a
separação, decidiu fazer matemática pela afinidade, por ser um
bom campo de trabalho e pela influência do professor e diretor.
Persistência
Decidiu fazer matemática, pois tinha afinidades com a disciplina.
Sonhadora
Manteve a decisão de ser professora de matemática, por
influência de professores de matemática.
Futuro
Manteve a decisão de ser professora de matemática, por
influência de professores de matemática
Fonte: Autoria própria (2017).
Assim, nesse exercício subjetivo percebeu-se que, nessa etapa de início do
Ensino Superior, alguns licenciandos começaram a mudar as escolhas de sua
profissão, para a de professores de Matemática, influenciados por professores de
Matemática que tiveram no Ensino Fundamental e Médio, e as 2 (duas)
licenciandas que queriam ser professoras de Matemática mantiveram sua decisão,
que também foi influenciada pelos professores, em especial de Matemática, ao
longo de sua formação.
De acordo com Marcelo Garcia (2009, p. 4), é preciso compreender o
conceito de identidade como uma realidade que evolui e se desenvolve, tanto
pessoal, quanto coletivamente”, pois não podemos possuir a identidade. Ela vai
sendo desenvolvida durante a vida, não sendo algo fixo e determinado para uma
pessoa, mas um movimento que ocorre nas relações com o outro e com os
contextos onde os sujeitos se inserem.
O que complementa Hall (2004, p. 108), quando afirma que a identidade tem
a ver nem tanto com a questão “quem nós somos?”, mas muito mais com as
questões de “quem nós podemos nos tornar?”, sinalizando que o sujeito pode, ao
questionar-se desse ponto de vista, produzir novas identidades.
Dessa forma, o que se percebeu é que os licenciandos começam a querer se
tornar professores de Matemática, em especial, pela influência exercida pelos
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professores de Matemática que tiveram ao longo de história de vida e de
formação. Isso nos auxilia a compreender melhor os elementos que influenciam a
constituição do ser professor.
Compreendeu-se, assim, que os professores começam a marcar a vida dos
licenciandos e que essa influência pode ser um dos elementos que nos deu pistas,
elementos de constituição da identidade docente dos futuros professores, pois, ao
olharam para seus professores, almejam tornarem-se como eles. Conforme
destaca as pesquisas investigadas por Marcelo Garcia (2009, p. 114), “a identidade
profissional envolve tanto a pessoa, como o contexto”, e portanto, o contexto de
formação no qual os sujeitos estão inseridos sofre influência da família, dos
contextos sociais, dos professores e de sua história de vida e formação.
Com relação a que identidade os licenciandos procuram constituir, de modo
geral, pode-se compreender este aspecto presente na narrativa de Persistência
(2016), quando narra que “como identidade docente procurar sempre ser uma
ótima educadora. Eu analiso esse processo de ser um professor de matemática em
me dedicar ao máximo de mim e me aperfeiçoar sempre para levar o máximo de
conhecimento aos meus alunos” (PERSISTÊNCIA, 2016).
Neste sentido, entende-se que a constituição da identidade dos licenciandos
possa ser compreendida, conforme evidencia Marcelo Garcia (2009, p. 112),
quando afirma que a identidade não é algo que se possua, mas sim algo que se
desenvolve durante a vida”. Assim, percebeu-se que os licenciandos estão
produzindo e desenvolvendo uma identidade docente, de modo geral, ao longo de
sua formação, e que ela se relaciona com os aspectos da influência da família, dos
amigos, dos professores que tiveram, em especial os de Matemática, e dos
contextos nos quais estão ou estiveram inseridos, formando uma teia que
contribui em sua formação e desenvolvimento e produção de suas identidades.
Desse modo, compreendeu-se que os licenciandos procuram constituir uma
identidade docente que contribua para a formação de seus alunos, que possam se
dedicar para realizar um bom trabalho docente
Sonhadora (2016), ainda complementa que, com a orientação de sua
professora de estágio I, conseguiu compreender melhor o sentido do Memorial de
Formação:
[Narrativa 4]: Antes eu via como um documento que iria contar apenas minha
história pessoal, porém não iria me ajudar na minha formação, mas, agora
vejo que o Memorial é um instrumento para a reflexão da constituição da
minha identidade docente, pois ao reescrevê-lo pude perceber traços de
minha formação que passaram despercebidos esses anos todos e inclusive na
primeira vez que o escrevi, e que influenciaram minha escolha do curso de
licenciatura em matemática. (SONHADORA, 2016)
Pela narrativa desta licencianda, verificou-se que escrever e reescrever as
narrativas autobiográficas, expressas no Memorial, evidenciaram para ela
aspectos de sua formação que antes haviam passado despercebidos, mas que
influenciam na professora que ela quer se tornar.
De forma geral, todos os licenciandos na produção dos Memoriais,
destacaram a importância da produção destes instrumentos de reflexão para a
constituição da identidade docente.