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ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 292-316, set./dez. 2018.
http://periodicos.utfpr.edu.br/actio
Autoria de professores em blogs:
potencialidades para a reflexão e
ressignificação da prática docente de
professores de ciências
RESUMO
Acta Maiara Evangelista Maciel
acta.maciel@gmail.com
Universidade Estadual de Santa Cruz
(UESC), Ilhéus, Bahia, Brasil
Adriane Lizbehd Halmann
adriane_halmann@yahoo.com.br
Universidade Estadual de Santa Cruz
(UESC), Ilhéus, Bahia, Brasil
A autoria na web contemporânea tem sido descrita como potencial para a construção de
diferentes escritas e leituras de mundo, o que foi aproveitado por alguns professores de
Ciências que mantêm blogs sobre suas práticas docentes. Sabe-se que a autoria está
intimamente ligada à reflexão e construção de novos significados para as práticas, mas de
que maneira isso ocorre entre professores de Ciências autores de blogs? Para investigar
este fenômeno foi traçada uma pesquisa de mestrado com o seguinte objetivo:
compreender como a autoria de professores em blogs pode desencadear processos de
reflexão e ressignificação da prática docente. Esta é uma pesquisa qualitativa, netnográfica,
que foi realizada com a inserção das pesquisadoras no lócus do fenômeno investigado: a
blogosfera. Foi possível observar os processos autorais dos professores nos blogs
analisados, o que foi complementado por entrevistas semiestruturadas online. Um dos
aspectos analisados foi em relação ao processo de construção autoral dos conteúdos
postados nos blogs, o que demonstrou ser motivado por inquietações do cotidiano e
também para a divulgação científica. Outro aspecto apontado pelos docentes em seus
relatos foi de que os blogs funcionam como espaços com grandes potencialidades para a
reflexão e ressignificação da prática docente. Por fim, foi analisado o processo de escrita
colaborativa, sendo que os achados da pesquisa demonstram que este processo autoral e
reflexivo nos blogs é importante para a formação continuada de professores, autores e
blogueiros. Conclui-se, assim, que a web pode fomentar a colaboração, com textos
multiautorais, que interagem a partir de diferentes tempos e espaços e que, por sua vez,
repercutem nas formações e práticas docentes cotidianas.
PALAVRAS-CHAVE: Autoria. Blogs. Reflexão. Ressignificação da prática. Formação de
professores de ciências.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 292-316, set./dez. 2018.
INTRODUÇÃO
A atualização docente e a formação continuada e em serviço têm sido
apontadas como essenciais para uma prática pedagógica atrelada ao contexto
contemporâneo, principalmente no que se refere a apropriação das tecnologias e
para a formação de adultos mais críticos e reflexivos (SOARES, 2007; TEIXEIRA
2001). Para Júnior, Palladino e Borges (2011), o contato e a interação com
processos exploratórios e argumentativos inerentes às ciências poderão construir
adultos mais críticos e reflexivos, cientes e atuantes das transformações do
mundo. É desejável que os professores sejam capazes de compreender o mundo”,
analisar criticamente as inovações e mudanças que ocorrem na sociedade.
A web, enquanto parte dos processos sociais vivenciados pelos sujeitos
contemporâneos, apresenta espaços e oportunidades que valorizam a autoria,
criação e compartilhamento de ideias e informações (HALMANN, 2006; VELOSO,
2014). Os blogs são exemplos desses espaços, demonstrando que alguns contextos
são especialmente propícios ao exercício da autoria e colaboração (HALMANN,
2006).
A escrita nos blogs pode se constituir um exercício de autoria enquanto
processo criativo. Para os professores, os processos autorais acabam por fazer um
resgate das experiências vividas em sala de aula e de tudo o que foi construído
através das suas leituras de mundo. Por sua vez, esta ação pode conduzir um
processo reflexivo, permeado pelas leituras e escritas de outro indivíduo no seu
blog, repercutindo nos próximos planejamentos.
Os blogs podem fomentar processos autorais na medida em que permitem
que as pessoas assumam a responsabilidade de criação, nas mais diversas
linguagens e formas textuais. Este espaço, além de atuar como um suporte para
registro, permite a interação e colaboração com outros docentes, o que pode
potencializar a reflexão e ressignificação das práticas por parte dos docentes.
Zabalza (2004) discute a importância da reflexão materializada em forma de escrita
quando diz: “Escrever sobre o que estamos fazendo como profissionais (em aula
ou em outros contextos) é um procedimento excelente para nos conscientizarmos
dos nossos padrões de trabalho.” (ZABALZA, 2004, p.10).
Um exemplo de escrita por professores em blogs é o que acontece na
Edublogosfera (http://www.planetaedublogosfera.com.br/). Este é um repositório
de blogs criados e mantidos por diversos professores, com propósitos
diferenciados, mas que se constituem, em sua maioria, em espaços para o efetivo
exercício de criação e de autoria. Alguns destes blogs possuem os processos de
escrita fomentados por perguntas e inquietações sobre os processos e fenômenos
do mundo, o que pode tornar ensino e aprendizagem de Ciências ainda mais
instigante. A observação dos processos desencadeados neste espaço fez emergir
reflexões sobre a influência dos processos autorais de professores em blogs sobre
os processos reflexivos dos docentes, gerando a seguinte situação-problema desta
pesquisa: como a autoria de professores em blogs favorece o processo de reflexão
e ressignificação da prática docente de professores de Ciências?
Para compreender este cenário foi realizada uma pesquisa de mestrado,
desenvolvida entre 2013 e 2015, junto ao Programa de Pós-Graduação em
Educação em Ciências da Universidade Estadual de Santa Cruz. O trabalho foi
intitulado “BLOGS COMO ESPAÇOS DE AUTORIA: potencialidades para a reflexão e
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ressignificação da prática docente de professores de Ciências”, e teve como autora
Acta Maiara Evangelista Maciel, sob orientação de Adriane Lizbehd Halmann.
Esclarecemos que foi a partir das reflexões dessa dissertação que este artigo foi
elaborado.
A pesquisa teve como objetivo geral: compreender como a autoria de
professores em blogs pode desencadear processos de reflexão e ressignificação da
prática docente. Mais especificamente, buscou-se: investigar como ocorre o
processo de construção autoral dos conteúdos postados nos blogs; verificar quais
são as contribuições do blog para a reflexão e ressignificação da prática docente;
identificar as maneiras como processos de escrita colaborativa são importantes
para a formação continuada de professores, autores e blogueiros.
A CONSTITUIÇÃO DO PROFESSOR DE CIÊNCIAS COMO SUJEITO AUTOR
A noção da constituição do indivíduo como sujeito autor possui grande
importância no âmbito da produção cultural na modernidade e pós-modernidade.
O percurso histórico foi alterando a maneira de exercer a autoria, que, em meados
do século V ao XV era atrelada a uma noção de nobreza e dependência econômica,
passando, posteriormente, por outras noções. Fizeram-se importantes, nesta
transição, a criação da imprensa, a independência econômica ocorrida
gradualmente pela valorização do trabalho intelectual, as vantagens recebidas
pelo reconhecimento desse trabalho, passando pela total (ou parcial) renúncia de
vantagens econômicas, e pelo estabelecimento do mercado editorial, como no
contexto sociocultural que vivemos.
O percurso da constituição da autoria e da figura do autor foi se
transformando ao longo dos anos, passando por diversas fases. Podemos ver a
autoria atrelada a um indivíduo, que passa a ser conhecido como o “autor”,
somente após a criação da imprensa por Gutemberg, no século XV, ainda assim,
durante muito tempo o autor não possuía nenhum direito sob sua obra (FEBVRE;
MARTIN, 1992, p. 175). Antes da criação da imprensa, a autoria era vista como um
ato de iluminação divina e, depois, passou a ser notada como um ato de
genialidade. Entretanto, uma vez impressa, a obra tomava um caráter de produto
imutável, sendo que chegou-se a cogitar que o leitor seria apenas um receptor,
sem nenhum tipo de influência sobre a obra que está lendo (MARTINS, 2012).
Alguns pensadores, entretanto, ajudaram a construir uma concepção de autor
diferente daquela de gênio-criador, como Roland Barthes e Michael Foucault.
Leitão (2011) salienta que na tese de Barthes, intitulada A morte do autor”,
uma destituição do autor como gênio-criador. Para Barthes, houve o
desaparecimento da figura do autor a partir do século XIX. Ele assegurava que o
verdadeiro agente da escrita era a linguagem, e não um indivíduo. Para Barthes, o
texto é o resultado de uma atividade impessoal feita de incontáveis referências
culturais e sociais, nenhuma delas sendo portadoras de originalidade, ou em suas
palavras, o texto é um tecido oriundo de mil focos da cultura” (BARTHES, 2004, p.
62). Para ele, o autor “repetetudo o que foi dito, ou seja, para que o autor
nasça é necessário que sua identidade desapareça. Ao decretar a morte do autor,
Barthes atribui ao leitor a responsabilidade da interpretação e sentido da obra.
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Foucault, contemporâneo a Barthes, em seu discurso de 1969, intitulado “O
que é um autor”, argumenta que a autoria não estava ligada a um único indivíduo.
Para ele a autoria seria mais relacionada à circulação dos discursos. No seu ponto
de vista, a autoria desempenha um papel importante na circulação de discursos na
sociedade, como algo fluido, defendendo assim que “o autor não morreu”,
referindo-se à autoria como um processo vivo e em transformação. Assim Foucault
criou o conceito de função autor: “A função autor é, assim, característica do modo
de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior de
uma sociedade” (FOUCAULT, 2001, p.46).
Percebemos que embora Barthes e Foucault critiquem a concepção de autor
como gênio criador, existem diferenças nas suas propostas. De acordo com Alves
(2016, p.3), quando Barthes decreta a “morte do autor”, ele está tratando do fim
de uma espécie de instituição. Foucault, ainda de acordo com Alves, chega à
questão da autoria por outra via e se volta não exatamente sobre a figura do autor
literário, mas sobre o enunciador de um discurso. Ou seja, é uma questão que
versa sobre as condições de possibilidade de certos discursos constituídos em uma
dada época e por certa cultura “O autor aparece assim como uma especificação
possível da função sujeito, que exerce um papel também específico de controle e
delimitação do discurso” (ALVES, 2016, p. 13).
Já Bakhtin (2003, p. 316) sugere que ver e compreender o autor de uma obra
significa ver e compreender outra consciência, a consciência do outro e seu
mundo, isto é, outro sujeito. Dá-nos subsídio para compreender o autor como um
ser coletivo e por sua vez social, que possui inúmeras influências do mundo a sua
volta, bem como de todas as suas experiências intelectuais e cognitivas.
Para Bakhtin, o sujeito é uma autoconsciência que se constitui reflexivamente
pelo reconhecimento do outro no discurso, isto é, um sujeito que somente
tem existência quando contemplado na intersubjetividade, pois é ela que
permite contemplar a subjetividade o auto-reconhecimento do sujeito pelo
reconhecimento do outro. Desse modo, a alteridade condição do que é outro,
do que é distinto decorre do princípio de que é no reconhecimento do outro
que os indivíduos se constituem como sujeito. (CAVALHEIRO, 2008, p. 79).
Para Faraco (2013), Bakhtin afirmava que o autor-criador é quem forma ao
conteúdo: ele não apenas registra passivamente os eventos da vida (ele não é um
estenógrafo desses eventos), mas, a partir de uma certa posição axiológica,
recorta-os e reorganiza-os esteticamente (FARACO, 2013, p. 39). Ou seja, além de
não ser passivo aos acontecimentos, o autor-criador determina a relevância do
assunto que decide escrever, dando destaque aos que estão intimamente
relacionados com suas noções de ética e estética.
Os processos de escrita na web contemporânea, embora algumas vezes se
processem como cópia irrefletida, muitas vezes podem assumir indícios de uma
autoria ativa, ligada às transformações sociais, tecnológicas e a construção de
indivíduos socialmente críticos e reflexivos. Esta forma de escrever na web emerge
de muitos internautas, com base em processos criativos que transformam as
inúmeras informações que se tem na rede em conhecimento, transformando-os
conforme seus atos de criação.
Transcorrido o tempo, com as mudanças da sociedade contemporânea, no
que diz respeito às questões relacionadas às tecnologias de informação e
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comunicação, as formas da autoria foram se remodelando. As formas de escrita
praticadas na web contribuíram sobremaneira na revolução da noção de autor e
autoria. A web passa a constituir assim uma noção de autoria atrelada a processos
de trabalho coletiva O uso da web instiga processos de trabalho coletivo, de trocas
entre os indivíduos, e de construção social de conhecimento. Nesse sentido
Martins sugere:
Os processos autorais coletivos, colaborativos e interativos, que m lugar nas
redes de comunicação problematizam a noção de autoria em várias direções.
A produção escrita nesse contexto não é mais referida necessariamente a um
indivíduo em particular, mas a uma multidão. A figura do autor, portanto,
como alguém que detém um tipo de talento ou conhecimento, um artista ou
um especialista, é substituída por uma atuação coletiva distribuída em rede,
que mistura diversas competências e níveis de contribuição. (MARTINS, 2009,
p.1).
Para Martins (2009), esses novos caminhos que a autoria tem tomado na
atualidade possuem ligação direta com o hipertexto, texto em formato digital, que
de certa forma, vai ao encontro das postulações de Barthes: libertando a escrita
da "tirania do autor" pela facilidade que a cada leitor de adicionar, alterar ou
simplesmente editar outro texto, abrindo possibilidades de uma autoria coletiva,
interativa e colaborativa. A autoria em tempos modernos apresenta mais
complexidades por se tratar, muitas vezes, de autoria em ambiente virtual (online).
Essa autoria revela outras práticas sociais como a coletividade e a interação.
Uma das mudanças ocorridas pelo exercício da autoria em ambiente online é
a dispensa de um mediador para a publicação de textos, vídeos, fotografias,
música, gêneros responsáveis pela materialização discursiva. Desse modo,
destacamos que, a autoria por nós defendida nesse trabalho é aquela que
corrobora com as ideias de Veloso (2014):
A autoria emerge dos interesses e das intencionalidades, das remixagens, das
bricolagens, das escolhas, das produções individuais e coletivas, seja pelas
modificações no aspecto estético e/ou estrutural, seja pelas transformações
na forma e conteúdo, deixando o professor de ser mero usuário para
desbravar trilhas e formular proposições, de acordo com o contexto e as
ocasiões que lhe são próprias. A autoria vai além de realizar com as
tecnologias digitais o mesmo que se poderia fazer sem elas: como utilizar o
editor de texto eletrônico para ensinar o be-a-bá ou continuar apenas com as
práticas de pesquisas na forma tradicional, a qual apenas incentiva o
copiar/colar, agora com novos suportes. (VELOSO, 2014 p. 27).
A perspectiva da autoria em blogs supera o simples consumo do que está
disponível em rede e se alicerça na compreensão dos objetos para adequá-los às
diferentes realidades, apropriando-se deles de modo singular. disponibilidade
e ação destinadas à produção, criação, crítica, expressão e iniciativa para a
proposição de práticas pedagógicas inovadoras. Parte da complexidade da autoria
na internet recai sobre o fato de que todos os indivíduos dispostos podem ser
produtores da linguagem. Assim, todos podem ser autores, leitores e editores,
tornando a dissociação de cada função impraticável.
Nesse sentido Primo (2007) salienta:
A Web 2.0 é a segunda geração de serviços online e caracteriza-se por
potencializar as formas de publicação, compartilhamento e organização de
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informações, além de ampliar os espaços para a interação entre os
participantes do processo. A Web 2.0 refere-se não apenas a uma
combinação de técnicas informáticas (serviços Web, linguagem Ajax, Web
syndication, etc.), mas também a um determinado período tecnológico, a um
conjunto de novas estratégias mercadológicas e a processos de comunicação
mediados pelo computador. (PRIMO, 2007, p. 1).
A Web 2.0 tem repercussões sociais importantes, que potencializam processos
de trabalho coletivo, de troca afetiva, de produção, circulação de informações, de
construção social e de conhecimento apoiada pela informática (PRIMO, 2007, p.
1).
A relação do professor com a escrita é muito forte. A vida do professor de
Ciências é cercada de produções discursivas, planos de aulas, textos, exercícios que
permeiam a prática docente. O professor elabora seus planos de aula levando em
consideração suas experiências, as suas leituras do mundo, seu conhecimento
científico, suas conversas com outros colegas e com os próprios alunos. Tudo isso
o auxilia no processo de elaboração de sua vida docente, todos esses processos
são construídos coletivamente, mesmo que aparentemente solitários, sempre
a presença do outro em nossa fala e escrita.
Veloso (2014, p. 28) salienta que atualmente existe uma demanda por
professores autores, o que não significa que esses profissionais devam possuir
práticas que nunca antes foram realizadas, ao contrário, significa que podem
dispor e colocar em prática suas próprias metodologias e conteúdos pedagógicos.
Este professor pode se autorizar, via internet, nos variados espaços que a web
dispõe, o importante é que ele não seja apenas consumidor de informações e
metodologias pré-estabelecidas.
Um excelente exemplo de trabalho coletivo e de produção e circulação de
informações na web são os blogs, eles são espaços onde se é permitido
compartilhar ideias e informações, além de serem espaços de criações.
Blog é uma abreviação da junção das palavras inglesas web (rede) e log
(registro). Ou seja, espaços na web onde os usuários podem fazer seus diários
(HALMANN, 2006, p. 28). Hoje os blogs ou Web logs constituem verdadeiros
sistemas de conteúdos postados por um grupo de pessoas, e que são atualizados
sistematicamente. Desde o seu início, os blogs tiveram as funções paralelas de
expressar sentimentos e opiniões de seus autores, além de dicas referentes à
própria Internet (MONTARDO; PASSERINO, 2006, p. 2).
Amaral, Recuero e Montardo (2009, p. 17) salientam que “os blogs se
transformam não em um objeto fundamental de pesquisa para as ciências
sociais, mas também em um poderoso instrumento pedagógico.”. Assim, as
autoras reforçam as diversas potencialidades desse espaço, como auxílio na
prática pedagógica, como espaço de escrita, interação e compartilhamento, tanto
para o professor quanto para o aluno.
A escrita em blogs pode potencializar a reflexão docente, pois além do registro
escrito, permite a interação e colaboração de outros indivíduos nesse exercício.
Nesse sentido, Zabalza (2004) discute a reflexão materializada em forma de escrita,
pois além do distanciamento que ocorre é possível aprender com a reflexão. Os
diários, no formato de blogs, extrapolam o caráter solitário e individual e,
publicizando a autoria e seus produtos, faz com que a reflexão seja potencializada,
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pois é possível escrever, rever e perceber a interação social através dos
comentários.
A importância da reflexão docente é destacada por Schön (1992, p. 88), que
afirma que “todo o processo que tem envolvido uma reflexão coletiva sobre a
prática do sistema escolar e tem tido grande impacto nos professores”. Entretanto,
para Zeichner (2008, p. 543), apesar da notória importância da reflexão docente,
principalmente em espaços que possibilitem a interação e colaboração rumo à
reflexão conjunta, “existe ainda muito pouca ênfase sobre a reflexão como uma
prática social que acontece em comunidades de professores que se apoiam
mutuamente e em que um sustenta o crescimento do outro”. Para este autor,ser
desafiado e, ao mesmo tempo, apoiado por meio da interação social é importante
para ajudar-nos a clarificar aquilo que nós acreditamos e para ganharmos coragem
para perseguir nossas crenças” (ZEICHNER, 2008, p. 543).
Zabalza (2004) refere-se aos “diários” como um recurso para explicitar dilemas
do indivíduo em relação à atuação profissional. Os dilemas são caracterizados pelo
autor como diversas situações que surgem no ambiente escolar, que podem ser
fruto de classes heterogêneas e complexas. As interações entre docentes podem
gerar elementos para além da reflexão. O ato de escrever em blogs pode
potencializar a elucidação de questões do dia a dia docente, auxiliá-lo no
vislumbramento de sua prática, e poderá dar novos significados à profissão.
Partindo deste referencial e transpondo para os blogs, Halmann (2006) salienta
potencialidades para a reflexão docente:
Os blogs dão espaço para algumas formas de expressão da linguagem, com
bastante destaque para a escrita, tanto na forma de processo quanto na
forma de produto. A escrita enquanto processo possibilita um repensar do
objeto da escrita e a provocação das ideias em um ato de articulação de
ideias, formulação de questões e respostas, buscando a sistematização da
ordem mental para uma forma “compreensível” aos olhos dos outros,
questionando-se sobre os principais problemas, a forma como os temas se
relacionam e o que pensamos sobre eles. Desta maneira faz-se fundamental
o registro escrito das elucubrações da reflexão, afinal, é pelo exercício da
escrita que se questiona sobre os problemas e a forma de atuação com eles,
como o exercício da prática é exercido, qual nossa inserção/repercussão
neste contexto. (HALMANN, 2006, p. 121).
Halmann traz nessa discussão a ideia de que a escrita em blogs pode trazer
uma consciência dos próprios atos, culminando no entendimento da realidade
docente estabelecendo uma relação entre a prática e o pensar ligado à profissão.
Desse modo, considerando o professor como sujeito capaz de refletir criticamente
sobre sua prática, sendo autônomo e contribuindo tanto socialmente quanto
profissionalmente para a melhoria da sua comunidade, cabe a análise aprofundada
sobre as contribuições que os blogs podem ter para a reflexão sobre a prática
docente, uma vez que seu espaço favorece a escrita e a interação, essenciais às
práticas dos professores de Ciências.
DELINEAMENTO METODOLÓGICO
No intuito de compreender como ocorre o fenômeno da autoria de
professores em blogs, essa pesquisa possui aspectos de uma pesquisa qualitativa.
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Para Bogdan e Biklen (1994), a pesquisa qualitativa possui cinco
características: a primeira, a fonte dos dados é o ambiente. Para os autores, os
pesquisadores precisam, para atingir seus objetivos, se inserir e gastar tempo em
seus locais de pesquisa. A segunda característica da pesquisa qualitativa é o caráter
descritivo, ou seja, este tipo de pesquisa visa descrever a situação estudada de
forma narrativa e minuciosa. Os autores apresentam como terceira característica,
o interesse do pesquisador pelos processos que desencadeiam o fenômeno
estudado e não apenas pelo produto. Bogdan e Biklen (1994) destacam que essa
ênfase no processo tem sido bastante útil nas pesquisas educacionais, de forma
que conseguem estudar e compreender o objeto estudado. A quarta característica
trata da tendência dos pesquisadores ao analisar os dados de forma indutiva. Para
o pesquisador qualitativo, o objetivo da pesquisa não é confirmar hipóteses pré-
determinadas, as abstrações são elaboradas à medida que os dados são coletados.
A quinta e última característica da pesquisa qualitativa, é a forma dos
pesquisadores enxergarem o objeto estudado. O pesquisador qualitativo está
interessado no sentido que as pessoas dão às suas vidas.
Para tanto, desenvolvemos a presente pesquisa a partir do interesse de
investigar os fenômenos que ocorrem mediante a escrita em blogs, analisando
suas particularidades e riqueza de informações. Tendo em vista inserção na
blogosfera como autoras de blog, esta pesquisa assume aspectos de uma pesquisa
netnográfica, este tipo de pesquisa é uma ramificação da pesquisa etnográfica.
Rebs (2011) sinaliza que a pesquisa etnográfica não visa modificar o local estudado,
porém o pesquisador pode ser ativo na comunidade em questão. Este estudo se
concretiza na internet, logo se caracteriza como um estudo netnográfico.
[...] etnografia virtual (ou netnografia) que tem a intenção de abordar as
mesmas características do método etnográfico (ou seja, estudos de pticas
sociais, de artefatos que instituem cultura), que volta a atenção para o estudo
de práticas, interações, usos e apropriações de meios por grupos e
comunidades situadas no universo virtual, ou seja, no ambiente onde a
comunicação é mediada pela internet. Entretanto, a netnografia não se
constitui apenas de uma transposição do método etnográfico utilizado no
mundo offline para o mundo online. Ela vai sofrer apropriações delineadas
pelas próprias peculiaridades do ambiente virtual que constantemente
parece ter processos ressignificados pelas alterações e assimilações de seu
espaço e de suas práticas pelos seus atores sociais. Significa que as escolhas
do pesquisador no ciberespaço, as relações entre o tempo e o espaço e as
próprias formas de interação e constituição identitária no ciberespaço vão
trazer peculiaridades aos estudos netnográficos que precisam ser percebidos
sob outra ótica de pesquisa no campo científico. (REBS, 2011, p. 81).
Os aspectos da pesquisa netnográfica se concretizam através da inserção das
pesquisadoras na blogosfera. Nessa perspectiva pude conhecer a Edublogosfera
(http://www.planetaedublogosfera.com.br/), reconhecida entre os pares como
um importante repositório de blogs mantidos por professores. Para selecionar os
blogs estudados, usamos dois critérios de seleção: representatividade e
compatibilidade temática. A representatividade foi aferida a partir das estatísticas
de quantidade de acesso e comentários aos blogs, fornecidas pela própria
Edublogosfera, o que nos indicou quais seriam os blogs com maior relevância para
os pares. Dentre estes blogs, foram selecionados aqueles com maior
compatibilidade ao tema desta pesquisa, ou seja, aqueles que teciam reflexões
sobre a prática docente no ensino de Ciências.
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Em um primeiro momento, os professores blogueiros selecionados receberam
um e-mail que os convidava a participar da pesquisa, no qual eram explicados os
objetivos e procedimentos da mesma. Ao sinalizarem que participariam da
pesquisa, os professores blogueiros receberam por e-mail o Termo de
Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). Ao receberem o TCLE, foi solicitada a
assinatura e a devolutiva do termo assinado e digitalizado por e-mail. Todos os
participantes concordaram que, neste trabalho, seriam identificados com a sigla
referente ao nome de tela adotado por eles próprios, para se identificarem
publicamente nos blogs.
Posteriormente, para fazer com que a investigação fosse possível, foi
necessária à utilização dos instrumentos para coleta de dados: a observação
participante e a entrevista. Lüdke e André (2003) afirmam que a observação
participante é um instrumento valioso, pois, a partir do momento que o
observador segue in loco as experiências dos sujeitos, pode compreender melhor
o objeto estudado e entender qual o real valor que os sujeitos da pesquisa
atribuem ao objeto que está sendo examinado.
A observação participante foi realizada com base em um Roteiro de
Observação, as observações foram complementadas por entrevistas
semiestruturadas, que possuem um caráter estruturado, mas não rígido, e ainda
têm caráter mais interativo. Os entrevistados puderam discorrer livremente sobre
o tema proposto, podendo ocasionar até um aprofundamento de questões
(LÜDKE; ANDRÉ, 2003).
Gil define entrevista como:
Pode-se definir entrevista como acnica em que o investigador se apresenta
frente ao investigado e lhe formula perguntas, com objetivo de obtenção dos
dados que interessam à investigação. A entrevista é, portanto, uma forma de
interação social. Mais especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico,
em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como
fonte de informação. (GIL, 1999, p. 109).
Por se tratar de professores blogueiros, essas entrevistas foram realizadas
online, o que nos permitiu fazer contato com professores de vários lugares do país.
As entrevistas foram realizadas via Skype, Facebook e e-mail, plataformas que
possibilitam a comunicação via internet de forma escrita, por mensagem
instantânea e sem gravação de vídeo.
Para tratar e analisar os dados nos respaldamos nos pressupostos da análise
textual discursiva (ATD). Segundo Moraes e Galiazzi (2006), a ATD é um processo
de análise de dados que se baseia em algumas fases de estudo, a primeira é a
unitarização. Nela, os textos são separados em unidades de significado, assim em
um movimento de desconstrução do texto chegamos a unidades de sentido.
Nessa pesquisa, essa fase foi marcada pela leitura e des(re)construção das
entrevistas e postagens, que resultaram nas unidades de sentido que,
posteriormente, foram organizadas de acordo com a articulação de significados
semelhantes em um processo denominado de categorização, o que gerou as
seguintes categorias de análise: a) O processo de construção autoral dos
conteúdos postados nos blogs; b) Contribuições do blog para a reflexão e
ressignificação da prática docente; c) Processos de escrita colaborativa, que são
importantes para a formação continuada de professores, autores e blogueiros.
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Por fim, como o último passo, chegamos à comunicação, ou seja, a preparação
do metatexto. Através da ATD foi possível fazer um movimento intenso de
interpretação e produção de argumentos para a compreensão das entrevistas e
postagens; e textos descritivos e interpretativos (metatextos) acerca das
categorias temáticas.
Esta pesquisa teve seus aspectos inerentes a Ética em Pesquisa analisada pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Santa Cruz, sob
protocolo CAAE 28220314.2.0000.5526, tendo sido aprovado em 13/05/2014.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para compreender como a autoria de professores em blogs pode desencadear
processos de reflexão e ressignificação da prática docente de professores de
Ciências foi necessário, inicialmente, realizar uma observação nos blogs
selecionados. Com isso conseguimos conhecer os sujeitos da pesquisa e seus blogs,
para começar a compreender quem são esses professores autores, quais suas
formações, e tempo na web como blogueiros. Foram selecionados 5 blogs de
professores de Ciências/Biologia com maior representatividade na Edublogosfera,
conforme relacionado abaixo:
Quadro 1 Relação dos blogs analisados
Nome do Blog
Link
Sigla (acrônimo)
Dicas de Ciências
http://dicasdeciencias.com/
AB
Diário do professor
http://www.diariodoprofessor.com/
DR
Diário de Biologia
http://diariodebiologia.com/
KP
Ciências Agora
http://ciencisagora.blogspot.com.br/
RS
BBB-Blog Biológico Brasil
http://bbb-blog-biologico-
brasil.blogspot.com.br/
MC
Fonte: autoria própria (2014).
A fim de subsidiar as análises deste trabalho, nas seções seguintes serão
apresentadas e discutidas as postagens e entrevistas, nas quais conseguimos
perceber assuntos ligados a como a autoria em blogs promove a reflexão e
ressignificação da prática docente. Foram analisados os seguintes aspectos: a) O
processo de construção autoral dos conteúdos postados nos blogs; b)
Contribuições do blog para a reflexão e ressignificação da prática docente; c)
Processos de escrita colaborativa, que são importantes para a formação
continuada de professores, autores e blogueiros.
A) O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO AUTORAL DOS CONTEÚDOS POSTADOS NOS
BLOGS
É importante para o professor que ele busque novas práticas, que o
impulsionem à descoberta de novos caminhos para melhorar suas aulas. Demo
(2008) salienta que, quando não se instiga o professor para que ele tenha práticas
autorais, ele tende a reproduzir o que está nos livros didáticos. Os blogs, neste
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 292-316, set./dez. 2018.
contexto, apresentam-se como espaços potenciais para o exercício da autoria,
reflexão e apropriação de temas relacionados às ciências.
Foi possível perceber que existe um movimento autoral nos blogs escolhidos,
sendo que esta pesquisa se ocupou em analisar as suas potencialidades para a
reflexão e ressignificação da prática docente de professores de Ciências.
Escrever em blogs exige um intenso movimento de busca e reflexão sobre o
conteúdo a ser divulgado, ocasionando uma busca por novos assuntos e, a
mesmo, um olhar mais crítico sobre os acontecimentos do cotidiano em sala de
aula. Os professores blogueiros tecem dia a dia sua autoria, posicionando-se como
sujeitos críticos e reflexivos. A autoria discutida nessa pesquisa traz à tona,
principalmente, a percepção de Bakhtin (2010), que se baseia num caráter
dialógico, social e interativo, o que corrobora com a interatividade em rede. Esta
perspectiva nos permitiu verificar que, em relação ao processo de construção
autoral nos blogs, a escrita pode ser motivada por alguns aspectos distintos, como
a intenção de dividir com seus pares as experiências do cotidiano, ou mesmo para
a divulgação científica. Dessa maneira, a categoria sobre “o processo de
construção autoral dos conteúdos postados nos blogs” foi subdividida em duas
subcategorias, buscando compreender os processos de “escrever para dividir as
experiências cotidianas com seus pares” e “escrever para promover a divulgação
científica”, como desenvolveremos a seguir.
Escrever para dividir as experiências cotidianas com seus pares
A realidade é impregnada de relações assimétricas que atravessam o
cotidiano, estruturam a organização do tempo, do pensamento e da moral, que se
enraízam na vida em forma de práticas e saberes. Das contradições do cotidiano
emergem inquietações e potencialidades emancipatórias fundamentais. Segundo
Mota Neto (2012, p. 1115), o cotidiano da educação é um espaço rico no qual
“entrecruzam-se repertórios de diversas matrizes culturais, conflitam-se forças de
diferentes saberes e constroem-se, a partir dessas contradições, indivíduos e
grupos humanos”.
As inquietações do cotidiano mostraram-se promotoras de reflexões nos blogs
analisados. De acordo com as observações e relatos dos professores blogueiros,
elas os impulsionavam a compartilhar experiências, refletir sobre suas práticas e
criar conhecimento.
Um exemplo de compartilhamento de experiências foi encontrado no blog
Dicas de Ciências, da professora AB, quando ela publicou uma postagem intitulada
“dica para professora iniciante”. Ali ela criou um texto, coletando experiências
cotidianas inerentes à docência em sala de aula. AB elaborou um processo de
autoria baseado em seus dilemas e hisria de vida docente, dando ideias à
professora iniciante de como proceder com uma turma, considerada por ela como
“difícil”.
A professora AB não expôs uma receita pronta para uma aula “nota 10”. “Meu
problema é que não tenho receita de bolo”, ao contrário, refletiu sobre o que
poderia dar certo, lança mão dos seus conhecimentos adquiridos com a
experiência dos anos lecionando, e assim construiu um pensamento sobre o
assunto. Vale destacar um trecho da referida postagem:
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 292-316, set./dez. 2018.
Vou lhe contar um caso: estava explicando sobre Classificação de Seres Vivos
no ano, e usei meu exemplo do Kakapo. Se eu falo que vi um documentário
sobre o Kakapo, o que vocês me diriam?- falava pros meninos. Eles fizeram
aquela cara:“de que diabos ela está falando?”. Expliquei que o Kakapo era
uma ave, e que por essa classificação dava pra tirar algumas características
do bicho. Mas os alunos continuavam a querer mais características da ave, e
por mais que eu descrevesse não dava conta. Até que um menino me falou:
“posso usar o celular para ver o bicho?”. Combinei com eles que por um
tempo deixaria eles buscarem imagens do Kakapo. Foi uma animação só. (AB)
A postagem nos mostra o quanto a elaboração do texto para o blog pode estar
ligada às experiências em sala. Processo semelhante também foi relatado na
entrevista com o professor DR:
Sim, sou autor. São artigos que saem de minha cabeça, da minha mente
perigosa... São meus anseios, minhas angústias, minhas experiências... (DR)
Me faz refletir até pelo fato de eu me obrigar a refletir pra poder escrever. É
um ciclo: eu tenho um blog, tenho que ter conteúdo, então me obrigo a
pensar pra fazer conteúdo e este conteúdo me faz estar em contato com
outras pessoas etc. (DR)
Essas considerações do professor DR são importantes à medida que pensamos
como a autoria ocorre. Podemos compreender esses aspectos com a fala do
professor sobre a necessidade de expor seus anseios, ou seja, seus propósitos ou
angústias que permeiam a profissão e podem se tornar a motivação à autoria.
Neste sentido Veloso (2014) afirma:
Esse processo criativo de produção e compartilhamento de conhecimentos,
que requer elementos da cultura, mas que também contribui para a sua
transformação, é o constituinte da autoria. É a atividade do sujeito que, ao
dar sentido às informações, transforma-as, construindo conhecimento.
(VELOSO, 2014, p. 67)
As postagens dos professores-blogueiros nos fizeram notar que escrever sobre
o cotidiano pode promover a construção de argumentos. O professor DR, inquieto
com fatos relacionados à intervenção policial e violência na escola, construiu uma
postagem, da qual destacamos o seguinte trecho:
A notícia é tão bizarra, que eu teria um livro para escrever. Mas vou tentar
ser sucinto e colocar meus pontos de vista justamente como “pontos”, pra
ficar mais fácil e menos enfadonho.
1 Paz sem voz não é paz, é medo;
2 A violência está fora, mas adentra a escola por sujeitos que vivem fora
(óbvio, não?);
3 A paz e ordem mantidas com repressão e medo, não existem de fato. Uma
vez cessada a repressão e medo, voltaria a violência;
4 A repressão dentro da escola os fará não serem violentos lá fora? Eu acho
que não. Neste caso, acho até que podem ficar ainda mais;
5 A polícia militar, que administra as escolas para conter a violência, é a
instituição mais violenta do Brasil. E a polícia militar de Goiás não foge à regra.
Ups! Quanto a esta questão, olha a contradição: colocar a polícia militar, a
instituição MAIS VIOLENTA do Brasil, para acabar com a violência dentro das
escolas! (DR)
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 292-316, set./dez. 2018.
Na postagem do docente é perceptível a construção de uma argumentação
sobre o assunto explorado. Os argumentos partem de uma situação que é
inquietante para o professor. A inquietação faz com que ele reflita e se mova para
um processo autoral de organização de informações e classificação delas. Nesse
texto, é possível perceber o uso de diversos elementos que estão disponíveis na
web como links para outros blogs, notícias, vídeos e imagens, o que enriquece o
texto e o deixa mais atrativo para o leitor.
Esse professor blogueiro constrói, ao longo de seu post, argumentos para
expor os inúmeros equívocos que, em sua opinião, o Estado e a sociedade
cometem para tratar da violência na escola. Torna-se claro nessa publicação um
pensamento crítico-reflexivo a partir da exposição do tema. Sendo assim, a
publicação, além de ser “carregada” de informações de sua autoria, apresenta suas
próprias convicções, demonstrando que o seu argumento também está imbricado
de concepções de outros, concordando com o processo descrito por Bakhtin
(2003).
Os dados coletados por meio das entrevistas e postagens nos fazem perceber
a autoria como algo elaborado a partir das experiências vividas no dia a dia. Cada
experiência, seja ela bem-sucedida ou não, é válida e publicizada pelo professor
blogueiro. Para que esse processo reflexivo e criativo ocorra, é necessário que o
professor esteja atento à sua prática e, principalmente, disposto a socializá-la,
sabendo e assumindo que a web pode imprimir outras proporções aos seus
escritos. Desse modo, o professor autor se expõe “autorizando-se”, sem medo de
que sua prática seja questionada. Como resultado, constrói sua autoria e uma rede
de compartilhamento com outros professores blogueiros, ou não.
Escrever para promover a divulgação científica
A divulgação e popularização da ciência é um tema que promove inquietações
e debates, sendo que a web desempenha papel essencial nesse processo.
Promover o entendimento e a reflexão crítica acerca dos conteúdos de Ciências,
tido como um dos objetivos da divulgação científica (PORTO; MORAES, 2009;
TONIAZZO; ROSA, 2012), se confunde com o propósito de vários dos blogs
analisados.
Percebemos que muitas vezes a escrita se dá quando o professor se vê frente
a alguma dúvida de um aluno, e na tentativa de elucidá-la, elabora a postagem.
Isso também acontece quando o próprio doente sente a necessidade de escrever
algo para discutir sobre um assunto de seu interesse. As falas dos professores KP e
RSV, evidenciam parte deste processo:
Olha, me considero uma das autoras (responsável) da divulgação cientifica na
internet, quando comecei com o blog, não existia nada parecido... Hoje temos
muitos bons blogs de informação cientifica. (KP)
Sim, vejo que mesmo sendo um blog de matérias divulgadas em alguns
meios científicos, o fato de trazer isso como um canal de pesquisa para os
meus alunos e um público que muitas vezes não tem acesso a essas
informações é uma ação transformadora, até porque interligo as postagens
no blog com a minha conta nas redes sociais, o que expande a rede de pessoas
que receberam as informações. (RSV)
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 292-316, set./dez. 2018.
A professora KP considera que “autor” é o sujeito criador da obra e considera
que seu blog é um importante veículo de divulgação cientifica. Segundo sua fala,
ela é uma das precursoras do movimento de escrita em blogs, o que lhe garante
mais de um milhão e duzentos mil acessos por mês e um conteúdo altamente
diversificado que atrai o leitor, tanto professores quanto alunos.
A professora RSV, mesmo postando conteúdos divulgados, como relata,
considera a sua ação importante, pois a linguagem de seus textos não é tão formal
quanto a de um artigo científico, sendo que esta característica diversifica e
expande a rede de leitores. Esta professora disponibiliza e comenta diversas
publicações que dão acesso à inovação científica e tecnológica, em linguagem
acessível. Além disso, notamos que os blogs também promovem inúmeras
possibilidades de leituras, o que certamente tornará a leitura mais atrativa.
Toniazzo e Rosa (2012), comentam sobre tais possibilidades:
Diante da avalanche de opções em termos de comunicação online às quais
estamos expostos diariamente, os blogs aparecem como espaços livres à
autoria e coautoria, e apresentam, por meio de seus hipertextos, caminhos
diversos para que o usuário escolha por qual labirinto ciberespacial ele quer
adentrar. (TONIAZZO; ROSA, 2012, p. 293).
A divulgação científica traz novas possibilidades de construção autoral por
possibilitar ao blogueiro a busca por novos conhecimentos, em um movimento
investigativo, relatado pelo professor MC:
A busca constante de novos assuntos, e a pesquisa de verificação da
autenticidade das informações coletadas, implica em novos estudos, novos
conhecimentos e a construção de novos saberes. Sim a relevância é nítida.
(MC)
Todo conteúdo postado nos blogs pode tomar grandes proporções, o que
requer mais cuidados por parte dos blogueiros em sua elaboração. Notamos que
todos os textos analisados faziam alusão à fonte, de onde foi retirado ou inspirado,
característica que nos mostra a ética de não “esquecer”, algo muitas vezes
desprezado no conteúdo em rede. Por fim, compreendemos que escrever em blogs
significa ressignificar conteúdos, colocando em prática uma autoria legítima e
cercada da complexidade própria da linguagem e da sociedade contemporânea.
B) CONTRIBUIÇÕES DO BLOG PARA A REFLEXÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DA PRÁTICA
DOCENTE
É notório que os blogs representam um fenômeno social importante para o
ensino e formação continuada de professores. Podem dar chances aos educadores
para a discussão de seus pensamentos de forma democrática e colaborativa. Os
processos reflexivos em blogs são facilitados por publicar, comentar e republicar
em qualquer outro momento. Essa dinâmica acaba por gerar a construção e troca
de conhecimentos com o outro e consigo mesmo. As reflexões dos professores
partem de vivências anteriores, de seus anseios quanto à prática, e de suas buscas,
por entender como ocorre a aprendizagem. Nesse contexto, o seguinte trecho do
professor DR relata:
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 292-316, set./dez. 2018.
Eu montei o blog porque achei que tinha muita coisa pra contar. Minha ideia
inicial era justamente isso: contar meu dia a dia. Mas acabou indo para além,
virou um local de reflexões e de ajuda a outros. Aconteciam muitas coisas
comigo em sala, e dentro das escolas, e gostaria que as pessoas soubessem
[...] Então, pra contar estas histórias que montei o blog. Eu não sei se o blog
me ajuda na minha prática docente... me ajuda a desabafar. Mas sei que ajuda
a muita gente, pelos comentários que recebo. Isso tem valido a pena também.
(DR)
A ideia inicial do professor era contar seus dilemas diários, mas o blog assumiu
um caráter de espaço para reflexão, no qual o professor se à vontade para
desabafar, e ainda, através dos comentários, percebe que tem ajudado muitos
professores que enfrentam situações semelhantes.
Zeichner (2008) sugere que os professores sejam críticos e desenvolvam suas
teorias baseados em sua prática docente, à medida que refletem acerca de sua
forma de ensinar, e das condições sociais que modelam suas práticas educativas,
ao invés de refletirem apenas sobre a aplicação das teorias pré-formatadas fora da
sala de aula.
Uma mudança na prática educativa que gera melhorias no ensino é cercada
pela reflexão de professores. O exercício da reflexão faz com que, os professores
assumam postura autônoma em relação aos dilemas enfrentados em sala,
tornando-os capazes de discernir quais são as sugestões que eles devem aceitar ou
rejeitar sobre suas práticas, e os capacita a tomar decisões (NÓVOA, 1992;
ZEICHNER, 2003)
Poder escrever suas reflexões em blogs faz toda a diferença. Halmann (2006)
afirma que os blogs são potencialmente importantes na construção de prática
reflexiva partilhada”, tendo em vista que eles dão subsídio para repensar práticas
antigas e se aprofundar no mundo dos educandos. É possível perceber que, para
os professores blogueiros, a interação ocorre quando um post motiva outros
internautas a refletirem e comentarem sobre o assunto. A interação não é apenas
um medidor de acessos ao blog, mas pode ser um instrumento para a reflexão
compartilhada, tendo em vista que esses professores possuem acesso de
diferentes lugares do país, com um misto de realidades e conflitos diários, o que
enriquecem ainda mais a interação em blogs.
A escrita em blogs caminha para um compartilhamento de práticas,
resultando muitas vezes na ressignificação da prática docente. O professor
blogueiro se reinventa, pois passa a notar que o ensino precisa ser dinâmico, ao
passo que a formação precisa estar caminhando para a modernização.
Observamos claramente nas falas dos professores blogueiros:
Tenho 21 anos de sala de aula. Mudei muito. O processo de ensino antes
partia sempre de mim. Eu que dizia como e com que velocidade daria a aula.
Agora, a turma me pede pra colocar isto ou aquele conteúdo no Blog. Faço
aulas invertidas; onde o aluno chega em sala com algum conhecimento.
Isso era impensável há 21 anos. (AB)
Sim, noto, pois me abriu a mente para novos campos que ainda não havia
percebido, e para o entendimento do processo de transformação que a
educação vem passando em fase das inovações tecnologias, e como o aluno
é bombardeado por milhares de informações diariamente. Se o professor não
se apropria dessas ferramentas, não demorará, sentirá muita dificuldade de
atingir a atenção do aluno na sua aula. (RSV)
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 292-316, set./dez. 2018.
Com certeza achei uma das melhores ferramentas para o cenário em que
vivemos, onde os jovens dependem muito da informática, você fala a língua
deles. (MC)
Assim, não podemos ter uma concepção ingênua de que os blogs suprem toda
a carência de reflexão e ressignificação da prática. Entretanto, podemos vislumbrar
a importância dos blogs para a formação continuada e para a reflexão destes
professores, como blogueiros/professores conscientes de seu papel não na
docência, mas como cidadãos compromissados com sua profissão. O blog, por sua
vez, é para eles um local de reflexões, e de ajuda para outros professores.
C) PROCESSOS DE ESCRITA COLABORATIVA, QUE SÃO IMPORTANTES PARA A
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES, AUTORES E BLOGUEIROS
Para o professor, o trabalho coletivo é muito importante. Com seus pares eles
conseguem externar suas angustias e, muitas vezes, produzir práticas que
contribuem para o dia a dia na escola. Entretanto, frequentemente encontram
seus colegas de profissão, apenas em cursos de formação. Através dos blogs
analisados, identificamos que o trabalho coletivo também pode acontecer em
rede, facilitando e ampliando os contatos de quem os utilizam.
Bembem e Costa (2013), afirmam que o desenvolvimento de parcerias na web
permitiu a ampliação da internet. Isso é resultado da construção e intercâmbio de
informações, novas formas de acesso e compartilhamento de conhecimentos com
o auxílio do computador.
Lévy (2003) denomina de inteligência coletiva toda e qualquer conhecimento
construído em rede. E este, por sua vez, precisa ser distribuído entre todos os
indivíduos, e não pode privilegiar uns em detrimento de outros. Desse modo,
vemos o que os professores blogueiros pensam da escrita colaborativa, enquanto
prática de formação continuada:
Ele [o blog] trouxe pra minha vida profissional uma certa exposição que eu
não teria sem ele. As pessoas me "acham" mais fácil - assim como vome
achou, outros o fazem. Então, desta forma, tenho, com ele, oportunidades de
conversar com pessoas, trocar ideias, expor ideias, etc. Neste caso, sim, ajuda
em minha formação. (DR)
Claro. Temos uma troca via Twitter e Face super legal. Em que outra época
poderia conversar com Prof de outros lugares? É bem enriquecedor. Me faz
pensar no que faço, como faço e porque faço! (AB)
Meus amigos Blogueiros me enviam os links dos posts deles. Leio e vejo como
isso pode funcionar ou não na minha realidade. Às vezes, percebo que faço o
que eles propõem. De qualquer forma, trocamos ideias. Isso é muito rico. (AB)
As falas nos fizeram perceber que as redes de comunicação se formam à
medida que um professor pode “achar” o outro por meio do blog. Essa dinâmica,
segundo os professores blogueiros, pode contribuir para a formação continuada.
É enriquecedor, pois conseguem falar com professores de toda parte do mundo.
Existe uma troca de informações sobre a prática, gerando ainda uma riqueza de
pensamentos, resultando na construção do conhecimento coletivo.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 292-316, set./dez. 2018.
O diálogo entre professores reverbera nos comentários, resgatando ou
construindo novas autorias, escritas colaborativas, e outros pontos de vista ao
texto. O recurso dos comentários possibilita mais interatividade ao leitor. Ao se
construir um blog, é dada a opção ao blogueiro de abrir seus posts, ou não, para
comentários. Pimentel (2013) discorre sobre as potencialidades dos comentários
quando diz:
A ferramenta de construção do blog conta com um recurso que possibilita a
escrita de textos por qualquer pessoa que o acesse, comumente denominada
de “comentários”. Janelas que se abrem para que o leitor-navegante se
manifeste, comentando o texto original do blogueiro, o que traz um caráter
de conversa, permitindo a troca de informações e a interação entre os
participantes dessa comunidade criada pelo blog. (PIMENTEL, 2013, p. 74)
Mais uma vez é possível demonstrar a possibilidade de escrita colaborativa em
blogs, quando o leitor passa a ser coautor do texto, podendo interagir e auxiliar na
reconstrução do hipertexto, na tentativa de elucidar dúvidas de outros leitores,
contribuindo assim para a ampliação da interação e da colaboração.
Salientamos a importância da inteligência coletiva, todos os indivíduos
possuem saberes a serem compartilhados contribuindo, assim, para o crescimento
de grupo. Para Lévy (2003, p. 28), a inteligência coletiva é “uma inteligência
distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo
real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências”. Sobre a
importância da colaboração, Toniazzo e Rosa (2012) destacam:
A autoria em blogs não está restrita apenas aos posts de seus “autores”, mas
esta se estende também aos comentários que os textos recebem, ou seja, às
colaborações. O leitor, ao decidir os caminhos hipertextuais que irá traçar,
define como a informação será absorvida e ao postar seu feedback, acaba,
por consequência, dando continuidade ao texto inicial (do post), tornando-se
coautor. (TONIAZZO; ROSA, 2012. p 301)
A estrutura não-linear que o hipertexto assume na web, em que seu leitor
transforma-se em autor, contribuindo para a formação do texto digital, bem como
para a reflexão coletiva. O leitor assume um papel mais participativo ao poder
interferir no que foi escrito pelo blogueiro, podendo trazer novos elementos,
reconstruí-lo.
CONCLUSÃO
Partimos da questão de como a autoria de professores em blogs favorece o
processo de reflexão e ressignificação da prática docente dos professores de
Ciências? Foi possível compreender que, através das ações em rede, os
movimentos de interação, criação e colaboração são fortemente fomentados.
Esses aspectos favorecem o processo de reflexão dos professores de Ciências,
culminando na ressignificação de sua prática.
Essa pesquisa teve como objetivo compreender como a autoria de professores
em blogs pode desencadear processos de reflexão e ressignificação da prática
docente. O caráter dialógico da autoria (BAKTHIN, 2010) e as características
contemporâneas da autoria em tempos de web (VELOSO, 2014), assim como as
potencialidades dos blogs na formação de professores (HALMANN, 2006, 2012;
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 292-316, set./dez. 2018.
AMARAL; RECUERO; MONTARDO, 2009) foram conceitos centrais na compreensão
do objeto desta pesquisa, possibilitando ampliar o referencial existente e
compreender como este fenômeno se apresenta na formação de professores de
ciências enquanto seres críticos e reflexivos.
Dentre os resultados analisados, foi possível verificar que o processo de
construção autoral dos conteúdos postados nos blogs estudados ocorre através de
dois aspectos: um relacionado à reflexão sobre a prática e outro à divulgação
científica. Muitos posts foram escritos no intuito de dividir com outros professores
leitores/coautores, as experiências e dilemas do cotidiano em sala de aula. Essas
experiências fomentam atitudes como a reflexão compartilhada, quando o
professor divide com o outro suas reflexões, além da interação, quando, a partir
da reflexão, os professores trocam conhecimento entre si, contribuindo para a
ressignificação coletiva e formação de quem é o autor do blog e de quem comenta.
Quando entrevistamos os professores, ao serem questionados sobre as razões
que os motivam a escrever em blogs, notamos que, muitas vezes, eles escreviam
para dividir com seus pares os dilemas vividos em sala de aula. Isso nos fez
perceber que estes professores manifestavam a reflexão como inerente e
necessária à prática docente.
O segundo aspecto a ser destacado, no âmbito de como ocorre o processo de
construção autoral dos conteúdos postados nos blogs, diz respeito a divulgação
científica. Com base nas análises realizadas, foi possível perceber que os
professores/blogueiros escrevem também com o intuito de divulgar ciência,
tornando o conteúdo acessível aos alunos e aos outros professores que se
interessem pela leitura blog. Esse processo de escrita para a divulgação científica
fortalece a autoria de professores na blogosfera, pois, para construir as postagens
os docentes pesquisam, escrevem e apresentam diversos argumentos que seus
leitores podem seguir através do hipertexto, autorizando-se e enriquecendo ainda
mais os blogs.
Com base nas análises realizadas, foi possível, também, verificar quais são as
contribuições do blog para a reflexão e ressignificação da prática docente. Os
processos reflexivos nos blogs acontecem, muito provavelmente, pelo seu caráter
dinâmico, estabelecendo-se como um espaço onde é possível publicar o conteúdo,
receber feedback através dos comentários e republicar, se assim o autor quiser.
Essa dinâmica assume um caráter importantíssimo para o professor blogueiro
que pretende, por meio da escrita no blog, publicizar as situações vividas e
reflexões suscitadas pelo seu dia a dia em sala de aula, assim como permitir a
opinião de outros professores. Foi possível perceber que alguns notaram que
ajudam outros professores na reflexão sobre seus dilemas, contribuindo, assim,
não para sua própria mudança, mas também para a ressignificação da prática
do professor leitor.
Identificamos que processos de escrita colaborativa são importantes para a
formação continuada de professores, autores e blogueiros, sendo que a web
fomenta essa colaboração, é um ambiente onde um texto pode ter diversos
autores, onde a interação com pessoas de diferentes lugares ocorre. Foi
perceptível nas falas dos professores a dimensão de interação e colaboração que
a escrita em blogs possui. Através da ferramenta comentários, os professores
blogueiros interagem com seus leitores que, muitas vezes, se tornam coautores de
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 292-316, set./dez. 2018.
seus textos ao sugerirem outros blogs, outros links que enriquecem e
potencializam este fenômeno social que é o blog.
Por ser um fenômeno da web, que sempre está em expansão, os blogs e outras
redes de informação e comunicação necessitam de estudos mais aprofundados,
no que tange às potencialidades, tanto no que se refere a formação de professores
quanto para o ensino e aprendizagem. Compreendemos como necessária a
divulgação e o estudo de exemplos de professores que utilizam a web como meio
de se atualizar e ensinar. Exemplos assim são importantes para conscientizar a
sociedade da importância do uso das tecnologias nas escolas e para a formação de
professores autores, críticos e reflexivos.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 292-316, set./dez. 2018.
Authorship of teachers in blogs:
potentialities for the reflection and
resignification of the teaching practice of
science teachers
ABSTRACT
Contemporary web authorship has been described as potential for the construction of
different writing and world readings, which has been used by some Science teachers who
maintain blogs about their teaching practices. It is known that the authorship is closely
linked to the reflection and construction of new meanings for the practices, but how does
this happen about Science teachers bloggers? For to investigate this phenomenon, a
master's research was designed with the following objective: to understand how the
authorship of teachers in blogs can trigger processes of reflection and resignification of the
teaching practice. This is a qualitative and netnographic research that was developed with
the insertion of researchers in the locus of the phenomenon investigated: the blogosphere.
It was possible to observe the authors processes in the analyzed blogs, which was
complemented by online semistructured interviews. One of the aspects analyzed was in
relation to the process of authoring posted on blogs, which has been shown to be motivated
by daily concerns and also for scientific divulgation. Another aspect pointed out by the
teachers in their reports was that blogs function as spaces with great potential for reflection
and resignification of teaching practice. Finally, the collaborative writing process was
analyzed, and the research findings demonstrate that this authorial and reflexive process in
blogs is important for the continuing education of teachers, authors and bloggers. It is
concluded, therefore, that the web can foster collaboration, with multi-author texts, that
interact from different times and spaces and, in turn, have repercussions on daily teacher
education and practices.
KEYWORDS: Authorship. Blogs. Reflection. Resignation of practice. Teachers of science
education.
ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 292-316, set./dez. 2018.
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Recebido: 07 nov. 2017
Aprovado: 30 jun. 2018
DOI: 10.3895/actio.v3n3.7299
Como citar:
MACIEL, A. M. E.; HALMANN, A. L.; Autoria de professores em blogs: potencialidades para a reflexão e
ressignificação da prática docente de professores de ciências. ACTIO, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 292-316,
set./dez. 2018. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/actio>. Acesso em: XXX
Correspondência:
Adriane Lizbehd Halmann
Universidade Estadual de Santa Cruz
Departamento de Ciências Biológicas
Campus Soane Nazaré de Andrade, Rodovia Jorge Amado, Km 16, Bairro Salobrinho
CEP 45662-900. Ilhéus-Bahia
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